Do Céu e do Inferno

Será amargo o travo da morte, e serão necessárias metá­fo­ras para o suavizar?

Não me desagrada seguir o inevitável curso do destino só para descobrir se a maré lenta que conduz a vida humana desa­gua ou não na tão apregoada imortalidade.

Mas eu não quero a imortalidade terrena.

Quero viver esta vida intensamente, pois considero-a a barca que me transportará para a outra eternidade.

Quero o convívio dos meus amigos sinceros com toda a sua autenticidade, mas quero-os terrenamente mortais.

Quero ter os olhos repletos das belas paisagens natu­rais, sejam elas as montanhas nevadas da Europa, as exu­berantes florestas amazónicas, ou as vastidões dos hori­zontes perdi­dos das savanas africanas. Ah! e os rios? Esses quero-os na sua placidez bucólica de águas mansas desli­zando preguiçosas, mas também os quero jovens, impe­tuosos, a despenharem-se voluntariosamente em espu­mosas cascatas ribombantes.

E a luz que tudo cobre? Essa, quero-a por inteiro! Sim, quero a luz que dilui as tenebrosas trevas, a luz que eli­mina a ignorância violenta do obscurantismo, a luz clara que nos ilumina os caminhos. É evidente que a luz de que estou a falar é a que emana dos meus livros. Esses livros sagrados que a Humanidade escreveu. Esses vou levá-los comigo, porque estão guardados em mim, naquela que é região mais íntima de mim mesmo e limítrofe dos sentidos e da alma.

Quero também encher o meu coração de amor, mas de um amor puro, daquele que caminha abertamente para o está­dio per­feito da amizade.

Ah, mas não quero a noite! Não quero a noite de todos os me­dos e traições, a noite onde o perigo espreita na sombra de outras sombras.

E não quero o mar! A sua imensidão inóspita e os seus inu­me­ráveis mistérios aterrorizam-me, e eu não quero levar o medo comigo.

Também não quero a dor, o ódio, a ambição e a vio­lência, flores agrestes deste Inferno que plantámos aqui na Terra. Nada disso me inte­ressa!

Nem sequer quero lembrar-me dos deuses feitos à ima­gem e semelhança do homem, porque esses são pérfidos, ran­co­rosos, vingativos.

Quero-os, sim, sublimes, envoltos em infinitos mantos de deslumbrantes galáxias, com coroas de estrelas cinti­lantes, irra­diando luz e serenidade e deslocando-se perpe­tuamente pelo cosmos – a que chamaremos, finalmente, Céu.

Reinaldo Ribeiro

1 de Abril de 2006

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