Os Excluídos

A rua, rectilínea e arborizada, estava vazia. Apenas se viam alguns automóveis estacionados em frente às vivendas cercadas de muros e gradeamentos que protegiam a intimidade dos seus abastados moradores.

Um homem caminhava lentamente pelo passeio. Tocava a campainha em cada portão. Era logo recebido pelo ladrar enraivecido dos cães que guardavam as casas. Ele, então, recuava uns passos, manti­nha uma atitude respeitadora e humilde e aguardava que alguém chegasse.

Poucos eram os moradores que apareciam para o atender e, mesmo esses, depois de trocarem algumas palavras, sempre meneavam a cabeça em sinal de negação afastando-se do portão.

O homem tinha o aspecto de um mendigo ou de um sem-abrigo, com roupas sujas e usadas, mas que lhe serviam bem e aparenta­vam ter sido compradas em lojas para clientes de altos rendimentos. Levava uma mochila às costas, um saco na mão com alguns pertences e, na outra mão, um livro volumoso.

No outro extremo da rua surgiu um cão. Devia ter sido um belo animal, tinha uma coleira vistosa, mas era escanzelado, vadio. Faltava-lhe uma orelha, provavel­mente arrancada numa briga com outros cães. Acercou-se de um portão. Os guardiães da casa, cães bem alimentados e de pêlo luzidio, logo lhe demonstra­ram que ele não era bem-vindo e que a sua presença ali não era permitida. Sem mostrar qualquer ressenti­mento, como se estivesse habituado a ser assim tra­tado, afastou-se dali e dirigiu-se para outro portão onde teve a mesma recepção. Ao fim de algumas tentativas, e frustrado com tanta rejeição, sentou-se no meio da rua, como se declarasse que aquele era o seu território e que os outros cães não o poderiam expulsar dali. Porém, movido por uma qualquer vontade oculta, levantou-se camba­leante de fraqueza e recomeçou o seu caminho.

Atraídos um para o outro por um estranho sortilé­gio, o mendigo e o cão encontraram-se num certo ponto da extensa rua. O cão veio esfregar-se nas pernas do homem e este, por sua vez, afagando-lhe o pêlo hirsuto, deu-lhe um pedaço de pão que tirou do saco.

Gestos simples de ternura entre dois seres carentes de afecto e irmanados na mesma miséria.

Depois, juntos, prosseguiram o seu caminho errante.

 

25/3/2016

One thought on “Os Excluídos

  • 17 de Junho, 2017 at 22:48
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    Mais um grande texto amigo e companheiro.2

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