Sol Abrasador

Maio alentejano como este, não recordo, em Portalegre, terra do Alto Alentejo, “de serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros” como o grande José Régio escreveu na sua magnífica “Toada de Portalegre”, aconteceu neste dia 16, quando na minha visita obrigatória  e anual, para tratar do meu velho Opel. Recordo outros anos, quase sempre na mesma data, e nunca encontrei um dia assim. Abrasador, sem uma brisa a agitar as árvores, para refrescar o nosso corpo e a nossa mente.

Tudo isto me levou a pensar no passado, num passado muito distante, quando os campos alentejanos eram dedicados à cultura de cereais, numa época em que as tecnologias, agora já ultrapassadas, ainda não existiam. Eram os homens e as mulheres deste país do Sul, ajudados por outros que vinham do Norte, que realizavam esse trabalho heróico das ceifas. Dias inteiros, de sol a sol, com a foice na mão, dobrados, com a calmaria a assentar-lhes nas costas e nas cabeças, a cozer-lhes os miolos, eram verdadeiros heróis e heroínas destes campos de pão. As gargantas ressequidas eram refrescadas pela água, mais ou menos fria, dos barris ou dos cântaros de barro vermelho, fabricados pelos oleiros deste país do Sul, que sempre os acompanhavam nesta dura labuta dos campos. Assim os pintaram tantos artistas, entre eles Dórdio Gomes.

Nesta cidade do Alto Alentejo, num café/restaurante junto à oficina, ia-me refrescando com alguma bebida e escrevendo esta pequena crónica, pensando nesta Vida, que temos que procurar viver, recordando o passado e nunca esquecendo como ele foi duro, muito duro e violento, para tantos que viviam nestas planícies, onde nascemos, crescemos e nos fizemos homens, e que tanto amamos.

António José Zuzarte, Portalegre, 16 de Maio de 2017.

One thought on “Sol Abrasador

  • 30 de Junho, 2017 at 16:23
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    Belo retrato dos difíceis trabalhos no Alentejo antigo.

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