Vida e Comunidade

Há alguns anos, num sábado soalheiro mais ou menos por esta altura do ano, sentei-me no banco de jardim mesmo em frente ao Sandwiche Bar na Praça da Liberdade junto ao meu saudoso amigo Quim Cavalinha. Era ali que se sentava o escrivão de uma companha a fazer as contas das partes dos resultados da safra do dia. Havia mais do que aquele lugar, nomeadamente a famosa “Pedra do Escrivão”, na Rua Vitorino José da Silva. Mas era ali que estava o solzinho agradável, enquanto a esposa do famoso arrais trabalhava no mercado.

Conversa puxa conversa, desabafa Quim Cavalinha a sua tristeza pela desunião que caracteriza os caparicanos. Por coisa pouca, estala a tempestade! Mas atalhava: “se alguém de fora viesse fazer bulha com algum de nós, aí a coisa era logo ao contrário, unia-se tudo para dar cabo da ameaça”.

Na altura fez-me lembrar a frase atribuída a Júlio César (outras vezes ao general romano Sérvio Sulpicio Galba, quase 100 anos antes) que dizia mais ou menos que “há, na parte mais ocidental da Ibéria, um povo muito estranho: não se governa nem se deixa governar!”

Se pensarmos um pouco nesta característica que os portugueses – e não só os caparicanos – assumem como sua, ressalta um facto evidente, que não é o de não se saberem governar, pois os séculos passam e nós cá vamos indo, de crise em crise, pois sim, mas seguindo o nosso caminho, umas vezes ricos, outras vezes pobres. Não, a questão que quero ressalvar é que, para além de tudo não existe uma sombra de dúvida que somos uma comunidade. Os portugueses e os caparicanos.

Podem existir as maiores desavenças, mas é entre nós. Venha de lá um forasteiro e a cantiga é completamente outra. Mais, mesmo sem forasteiros, uma desgraça, um azar e os portugueses unem-se fortemente. Somos um povo, somos um só.

Até à próxima discussão, que pode muito bem ser um assunto de vital importância para a sobrevivência da comunidade, como o futebol, por exemplo…

Um outro aspeto desta difícil arte da vida comunitária portuguesa foi-me dada por um amigo de longa data, companheiro de banco de escola. Ele é oriundo de uma pequena aldeia perto de Aveiro e contava-me as peripécias de um médico particularmente truculento e exigente que os seus doentes seguissem rigorosamente todas as suas decisões, mesmo aquelas que nada tinham a ver com a medicina. Parecia-me para além de excessivo. Espantava-me que as pessoas daquelas localidades não reagissem às tropelias do clínico. O meu amigo olhava-me divertido e confessou: “vê-se logo que és da cidade! A gente zangava-se, mas no dia seguinte continuamos todos lá e somos os mesmos, o médico, o farmacêutico, o merceeiro… não há outros, somos só nós!”

Foi aí que compreendi algumas coisas sobre a vida em comunidade e era bem verdade, sou mesmo um rato da cidade. Vem dessa altura a minha máxima que tento seguir o melhor que posso: se não fores capaz de te dares bem com todos, pelo menos, não te dês mal com ninguém…

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