A Incrível Banda Filarmónica

Fundada em Outubro de 1848, a Sociedade Filarmónica Incrível Almadense, foi das primeiras sociedades populares musicais do país e é a mais antiga do concelho de Almada. Situada na Rua Capitão Leitão, perto da antiga Câmara Municipal, é um ex-libris da cidade.

 

Com a Banda Filarmónica Incrível Almadense a tocar na sala onde ensaia todas as segundas-feiras às nove da noite, o Notícias da Gandaia foi descobrir como a tradição sobrevive há 170 anos e este espaço continua a respirar vida. A verdade é que no decorrer da sua longa história, a Incrível viu inúmeras vezes reconhecido o seu trabalho em prol da cultura através de várias condecorações.

O ensaio de hoje não começa sem Mara Martins, presidente da  Sociedade Filarmónica Incrível Almadense, felicitar a banda filarmónica pelo seu desempenho no desfile do 25 de Abril. Natural de Loures, vive em Almada há quase seis dos seus 37 anos de vida e assumiu a presidência no início de 2017, embora já tivesse integrado a direcção anterior.

 Cultura local

A presidente considera a Sociedade Filarmónica Incrível Almadense “de extrema importância na divulgação cultural do concelho, devido ao carácter social que as nossas coletividades desempenham”. E explica as razões, “ensinamos música, teatro, fazemos cultura quase a custo zero, e as nossas mensalidades na escola de música não são muito altas, comparando a outro tipo de escolas. Actuamos em bibliotecas, em lares, já estivemos em diversas entidades hospitalares e isto não é só trabalho de carácter social, mas também promover a cultura num país que a coloca abaixo de zero”. Apesar desta perspectiva, admite que “felizmente para o público e para a população, nós podemos constatar que está a 100 por cento porque eles aderem aos espetáculos da comunidade em geral”.

Nesta sociedade com mais de mil sócios, as actividades culturais não se esgotam, “para além da banda filarmónica e da escola de música, temos a oficina de teatro para jovens, o grupo de cavaquinhos, o coro polifónico e acolhemos um circo aéreo que participou no ‘Got Talent’”, elogia Mara Martins.

 Banda Filarmónica e Escola de Música

A Banda Filarmónica Incrível Almadense, motivo que hoje nos traz cá, esteve na origem na criação da Incrível Almadense, como aconteceu com tantas outras sociedades na altura da sua criação.

Jorge Camacho é o maestro desta banda, que conta actualmente com cerca de 20 elementos, na sua maioria masculinos, que variam entre os oito e os 70 anos, “até há bem pouco tempo até aos 90”.

Embora o seu percurso musical tenha começado cedo, aqui mesmo, na Incrível Almadense, Jorge Camacho chega após a regência de 26 maestros, e só pegou na batuta para dar música a este espaço há cerca de quatro meses. “Eu aprendi música nesta banda e para mim é muito especial voltar a casa, passados 30 anos”. A oportunidade surgiu quando o maestro anterior saiu e a Direcção da Sociedade convidou Jorge, pelo seu historial na casa e pelo seu percurso, que ficou “deliciado com o convite”. De um maestro de banda filarmónica exige “qualidade artística acima de tudo, seja um contexto amador ou não, que é onde nós vamos ganhar mais respeito, e também algumas capacidades de liderança”.

No contexto da banda, a interação entre os mais experimentes nestas andanças e os entusiastas mais recentes é essencial, e cabe aos primeiros integrar, até corrigir e ensinar.

Considera como mais valias de integrar uma banda como a da Incrível Almadense, “o falar a mesma linguagem, a interação, lutar pelo mesmo objectivo, a união. Acho que para um jovem a formação numa banda é essencial, e se for em meios sociais mais complicados, ainda se torna mais evidente”. A presidente Mara Martins, por sua vez, acrescenta, “acima de tudo é também entrar para a história da Incrível”.

Jorge Camacho também é director pedagógico da escola de música, que pretende formar novos talentos. Explica como se processa esta aprendizagem: “com um programa que prevê dois anos de ensino, sempre em contexto de orquestra de formação, com banda juvenil, em que desenvolvem as capacidades técnicas e artísticas para que se preparem para ingressar a banda filarmónica, que terá outro nível”. Os instrumentos tocados vão desde os sopros à percussão. Segundo a presidente, “com uma entrada de 17 novos alunos no ano passado, tem-se verificado um crescente número de alunos na escola de música, e espera-se que com este novo método entrem mais”.

O ensino surgiu naturalmente no percurso de Jorge Camacho, que admite que “em Portugal é muito comum os músicos também terem uma carreira de docente”. Desde há 20 anos que vem somando muitas experiências, quer a nível de ensino superior, conservatórios, escolas profissionais. Vê na motivação o principal desafio e reconhece que quanto mais cedo se começa a aprender um instrumento mais facilidade se tem. Uma das suas incursões musicais é o projecto Orquestra Jovem Municipal Geração de Lisboa, que aplica o “método do El Sistema venezuelano, um modelo de ensino de música muito conceituado, que mais tarde foi estendido a toda a Europa, com início em Portugal”.

A música de batuta na mão

Jorge Camacho, natural de Lisboa, cresceu na zona de Almada Velha. Contudo não foi a paixão da música que o levou à carreira que tem hoje. Às vezes o destino escreve certo por atalhos tortos. “Não foi a música de todo, foram mesmo os bilhetes de cinema”, recorda, acrescentando que na altura dos seus 10 anos a Incrível Almadense tinha uma campanha em que as crianças que viessem aprender música, não pagavam o bilhete para as matinés de cinema, e admite que “realmente foi isso que me chamou a atenção”.

Desde 2006 que Jorge é clarinetista solista na Orquestra Metropolitana de Lisboa, no entanto, também este instrumento foi um acaso, “na altura era o instrumento que havia disponível, ou que havia mais necessidade na banda da Incrível, então foi o instrumento que me foi distribuído”. Desde cedo que dirigiu projectos, mas só depois de se formar como instrumentista e integrar a OML, estudou Direção de Orquestra na Academia Nacional Superior de Orquestra. Dirige, para além dos já referidos projectos, a Banda dos Bombeiros de Loures, e ainda alguns estágios de orquestra e festivais de forma mais pontual.

“A base de todos os meus projectos, que são bem diferentes, desde a Orquestra Metropolitana a uma Banda Filarmónica passando pelos miúdos da Geração, é terem algo em comum, que é a linguagem da música. É o que em fascina e faz estar em todos eles. E depois são tão diferentes, temos o lado social, temos o lado da coletividade e amadorismo e o alto nível musical, isto tudo unido pela linguagem e pela vontade de fazer música.”
Voltando a Mara Martins, além de presidente, é também a mais nova no grupo de cavaquinhos, onde toca pandeireta e para o qual procuram actualmente um acordeonista. Os ensaios deste grupo, assim como os do coro polifónico, decorrem no segundo andar da sede da Incrível Almadense.

Para quem é mais dado a outras artes, “o grupo de teatro está aberto para qualquer pessoa, os ensaios são às 21h30, e não é preciso ter experiência em teatro porque a nossa encenadora faz a integração”. Aqui as idades variam entre os nove e os 86 anos, “o senhor Francisco Gonçalves, que é o nosso avô cénico, curiosamente é quem decora os textos mais rápido. É o que nós chamamos um monstro do palco”. A oficina de teatro acontece no salão de festas, que precisa duma requalificação, projecto que está para aprovação da Câmara.

Espera-se que a banda filarmónica se continue a mostrar e a fazer ouvir pela cidade, em arruadas, concertos e encontros de bandas. Espera-se que a Sociedade Filarmónica Incrível Almadense, espaço cultural, palco de tantos eventos que nos ficam na memória, o possa vir a ser também para gerações futuras. Que volte a celebrar mais uns tantos 170 anos.

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