Entrevista – Inês de Medeiros: Presidente olha para Almada

 

Eleita ainda há menos de um ano, a nova, para muitos surpreendentemente, Presidente da Câmara Municipal de Almada, fala ao Notícias da Gandaia sobre o presente e o futuro do concelho. E deixa em aberto a possibilidade de se recandidatar a novo mandato.

 

Como vê Almada no fim do seu mandato?

Há vários níveis. Um deles é que gostaria de ver Almada mais limpa, o que acho que já estamos a conseguir investindo muito na questão da limpeza. Gostava de ver Almada um concelho mais inclusivo, com um plano de acessibilidades não só aprovado mas também sendo posto em prática, e obviamente gostava de ver uma Almada onde há muitas situações de degradação do edificado, zonas abandonadas, a serem reabilitadas a vários níveis. Em alguns casos obviamente com mais habitação, que contemple uma resposta mais justa e eficaz às necessidades de habitação social; naturalmente com o caso das barracas, senão erradicadas pelo menos em via de resolução. E de uma maneira mais geral gostava de ver uma Almada confiante. Confiante no futuro, confiante na sua capacidade de iniciativa e muito segura da sua centralidade e da sua importância estratégica, e até no seu poder de intervenção e decisão na maior área metropolitana do país.

 

Em relação às grandes obras que estão pendentes: o Ginjal, a Margueira – Cidade da Água e até o Costapólis, que deve terminar, para aí pela décima vez, este ano…   

Vamos por partes. O Ginjal, como sabem, foi feito e apresentado ao público o Plano de Pormenor, e agora estamos a finalizar as coisas. Já me foi enviado um primeiro esboço do relatório sobre a consulta púbica para, a seguir, finalizarmos o processo do Plano de Pormenor. Uma vez este processo terminado é lançar de imediato o plano de urbanização, que, espero, seja o mais rapidamente possível, resolvidos que sejam alguns pormenores ainda pendentes para podermos avançar com o promotor e o detentor da maioria dos terrenos no arranque das obras. O arranque das obras terá de ser iniciado com a criação de infra-estruturas, mas também com a solidificação daquele que é já o edificado. O que me agrada no Plano de Pormenor que está agora em discussão é o princípio de preservação daqueles armazéns, que sabemos terem um grande valor histórico e emocional, procedendo à sua reabilitação.

Já em relação à Margueira, devo dizer que não dependia apenas do município, mas felizmente este governo e, aliás, com grande empenho do primeiro-ministro, decidiu que era um projecto prioritário, não só para a área metropolitana mas igualmente a nível nacional, e conseguiu resolver-se, por fim, a questão da titularidade dos terrenos, que vai passar para a Baía do Tejo para poder prosseguir a elaboração do resto do projecto.

Por fim, Costapólis. Eu aproveito para dizer que havia a ilusão de ser possível manter ainda o Costapólis, mas o fim das várias “pólis” é um dado adquirido. Agora, resta saber em que condições será extinto e, sobretudo, estamos a falar, outra vez, da maneira como será feita a redistribuição dos territórios e das competências que pertenciam à Costapólis. Infelizmente, e isso tem sido transmitido a todos os intervenientes no processo, o Estado, o Tesouro, a APA, o Ambiente e o município, que está totalmente aberto a sentarmo-nos à mesa – e também gostaríamos de ver envolvido o Turismo – para que, extinta a Costapólis, possa dali nascer um projecto para a Costa da Caparica. Como sabem, temos um compromisso anunciado, o programa Costa Todo o Ano, que tem a vertente turística, mas de maneira nenhuma numa lógica de turismo de massas. Pelo contrário. O que queremos é fazer na Costa da Caparica um programa que possa valorizar e alterar o perfil da Caparica, que foi construída numa lógica de turismo para as massas muito concentrado no tempo de Verão, e que hoje em dia tem de ser encarada numa lógica de turismo todo o ano onde se possa sempre praticar surf e todo o tipo de desporto ao ar livre. Por outro lado, queremos abandonar a ideia de ver a área protegida da Costa como um impedimento ao desenvolvimento. Nós não consideramos que é um impedimento, consideramos que é uma mais-valia. E isso significa termos aqui um acordo e estabelecermos um plano de desenvolvimento e de reabilitação com as instituições que defendem, e bem, o ambiente. Existem igualmente outras vertentes, como a agricultura. A Costa da Caparica tem terrenos muito importantes e muitos desses terrenos estão ainda na dependência do Costapólis. O município tem algumas ideias para o que é preciso fazer, não está é disponível para resolver os problemas que o Costapólis não resolveu e, em alguns casos, até piorou. O que interessa é saber o que se constrói a seguir, e sabemos que não pode nem deve ser o município a fazê-lo sozinho…

 

Pensa que vai conseguir reunir estas sensibilidades muitas vezes contraditórias….

Permita-me que faça referência a uma coisa que o actual primeiro-ministro nos ensinou. Para começar a resolver problemas a melhor maneira é sentarmo-nos à mesa e começar a falar deles.

E é possível sentar toda a gente…

Sentar é possível. Mas também acho que há aqui uma mudança de atitude, isto é, sair de uma posição de recriminação mútua para uma posição de fazer, agora. Ou seja: ver, perante um problema, qual é a melhor maneira de o resolver.

 

Estes projectos de que falou podem fixar pessoas em Almada, que até está a beneficiar da gentrificação de Lisboa com a vinda de novos habitantes. Como é que pensa acolher esta gente, que são, provavelmente, um tipo de pessoas com mais, digamos, necessidades, quer culturais, quer sociais, de transportes…

Mais exigentes?

 

Sim, mais exigentes….

Não é segredo para ninguém que eu sou e venho de Lisboa. Por isso posso ser franca e a verdade é que não me sinto longe da capital quando estou em Almada. Isto não é A Cidade e as Serras, não é o Eça do Queiroz. O que me espanta é um certo posicionamento de Almada que se via a si própria como se fosse um concelho do Interior, longe de tudo. Não estamos longe de tudo e, reafirmo, Almada tem de assumir a sua centralidade. É claro que em matérias como os transportes, ou o ambiente, por exemplo, creio que toda a gente já aceita que é mais importante para municípios vizinhos terem uma abordagem metropolitana mais do que uma política concelhia. Agora a sua questão é de facto pertinente. Com é que vamos fazer, como é que vamos reagir em função de uma eventual, e que em certa medida já está a acontecer, gentrificação de Almada. Devo dizer que a população de Almada sempre foi uma população onde a classe média está em grande maioria, e não é por acaso que o concelho tem tantos louros ao nível cultural e da formação, por exemplo…

 

Mas está em desvantagem em relação à Margem Norte. Na prática, através da portagem na ponte, pagamos um imposto para entrar em Lisboa, os transportes são, como se costuma dizer, uma miséria…

Ah! Isso estou de acordo, mas já lá vamos. Agora só estava a falar da gentrificação. E neste aspecto, não acho que Almada seja como o bairro de Alfama, onde aí, sim, houve uma gentrificação – e de que maneira –, onde de repente houve um corte gigantesco. Felizmente, pelos dados que temos, e isso é também um problema porque temos muito poucos dados credíveis e não temos mecanismos eficazes para medir. Por exemplo: ao nível da habitação social não há nada. Não há dados sobre quem lá está, quem lá mora… Nada. É preciso começar do zero, ao contrário dos municípios da Margem Norte que já o fazem há muito tempo. Havia aqui uma opção em que – palavras do anterior presidente no único debate eleitoral realizado – a habitação não era considerada uma questão da autarquia. Dos poucos dados que temos, para já estas novas populações que estão a chegar não estão propriamente a tirar alojamento às pessoas de Almada. Estão em grande parte a reabilitar o que estava abandonado, o que é muito positivo. Ou então estão a repovoar zonas, nomeadamente urbanas, que já estavam a ficar despovoadas. Ainda não chegámos à situação de Lisboa que está a expulsar os locais para dar lugar a uma nova população, mas temos de estar atentos. Relativamente à exigência dos novos habitantes, bem, por princípio, acho que a exigência é sempre uma boa coisa.

Também é verdade que acho que o direito constitucional de livre circulação não se aplica à Margem Sul, porque neste momento é preciso ir a Vila Franca para poder ter o direito de atravessar o rio sem pagar. Aliás, eu, que ainda sou do tempo do buzinão, continuo espantada como é que aquilo não deu em nada. Por isso é que insistimos tanto em ter como uma das nossas prioridades a mobilidade em Almada. Neste caso, também, adoraria ter tomado posse e ter um longo trabalho feito para preparar os novos contratos de concessão, planos para a mobilidade no concelho já estudados, já feitos, ou pelo menos já pensados. Mas nada estava feito e, aqui, também tenho de agradecer aos serviços, que estão a ser sujeitos a uma grande pressão, porque temos de aproveitar o tempo perdido. Dou-lhes um exemplo: os TST já demonstraram nos termos do contrato de concessão uma alteração das respostas actualmente dadas pelos transportes públicos.

 

De que maneira é que pensa posicionar-se relativamente a esse desenvolvimento possível de um aeroporto no Montijo?

Em princípio a decisão está tomada e vai haver um aeroporto no Montijo. Há muito que sou a favor da existência de um segundo aeroporto pois a necessidade é evidente. Todos os dias somos confrontados com informações que dizem que o aeroporto em Lisboa atingiu o seu limite, ou já o ultrapassou. O facto indesmentível, e que era previsível, e sobre o qual devíamos ter tido a coragem de não ser demagógicos, é a necessidade absoluta, para o desenvolvimento económico, não apenas turístico, mas económico da área metropolitana, estudar a possibilidade de um segundo aeroporto, que é uma necessidade urgente.

 

Mas há a necessidade de Almada fazer parte dessa estratégia. Estou a lembrar-me do metro, que está planeado ir até ao Montijo…

O que é essencial, a todos os níveis é, mais uma vez, não termos projectos. É evidente que com um novo aeroporto temos de pensar em todas as ligações possíveis. Portanto, relativamente ao metro, há duas coisas que me parecem muito importantes, e aproveito para relembrar que já temos a questão de o metro chegar à Costa da Caparica. Parece-me evidente que havendo aeroporto temos de olhar bem e ver como é que, não pondo em causa projectos a longo prazo, como é que vamos responder. A curto prazo, porque o aeroporto é suposto ser feito a curto prazo, é preciso dar respostas a isso. Eu tenho defendido que passa muito pelo transporte fluvial, que é a solução mais rápida, mais eficaz e pode estar pronta a responder à necessidade agora. Isso, claro, não põe em causa a necessidade do metro ir até ao Montijo, não põe em causa os outros projectos, mas esta atitude, que é um bocadinho portuguesa, de pensarmos que apesar de um grande projecto as coisas ficam como estão, não pode ser porque as necessidades das pessoas são agora…

 

Deixe-me colocar já outra pergunta. Qual o futuro do porto de contentores na Trafaria?

Essa possibilidade está posta de parte e tanto quanto sei será no Barreiro. Neste momento isso não está sequer na nossa ideia, e digo-lhe sinceramente que não me parece que o desenvolvimento que esse projecto pudesse trazer fosse no sentido do desenvolvimento que o concelho quer ter.

 

E a Fonte da Telha. Ficou suspensa a questão do realojamento e reordenamento…

Não foi só isso que ficou suspenso, acho que foi mesmo todo o plano que ficou suspenso…

 

Mas qual é a sua ideia para aquela localidade?

Mais uma vez vou dizer uma coisa geral, mas há princípios gerais que têm de ser ditos e que as nossas acções depois têm de respeitar. A Fonte da Telha é um daqueles casos em que temos de definir uma estratégia com todas as partes envolvidas para toda a zona da Costa da Caparica. Pois se de um lado estão os defensores da natureza, do outro estão os habitantes. Há habitantes a tempo inteiro e habitantes ocasionais e, neste caso, a minha posição é muito simples: eu defendo aqueles que habitam na Fonte da Telha, mas também considero que não devem aumentar. Os que têm casas de férias já é outra questão. Mas agora, para mim, o que é importante, é que nunca pode haver uma solução que não seja acordada com aqueles que ali residem há várias gerações e que têm ali, não só as suas raízes, mas todos os seus bens, toda a sua vida. Não vale a pena estarmos em conflito permanente por causa da Fonte da Telha e das Terras da Costa como se a vida daquelas pessoas não fosse uma realidade. Mas, também, já percebemos, que o desenvolvimento sustentável daquele território é uma necessidade. E mais, no caso da Fonte da Telha nem sequer estamos a falar de desenvolvimento sustentável, estamos a falar da própria segurança daquelas pessoas. E nós sabemos que estamos a passar por um período de alterações climáticas, com fenómenos extremos cada vez maiores que põem em perigo quem ali vive. Por isso, repito, a solução passa pelo envolvimento e consciencialização das populações envolvidas.

 

E a Estrada do Juncal?

Isso é outra questão. Existe um plano, mas existem igualmente, relativamente a esse plano, vários impedimentos, nomeadamente a necessidade de algumas expropriações. É um projecto que tem muitos aspectos válidos, no entanto é preciso garantir a sua operacionalização. Dito isto, já estamos a desenvolver, embora para este Verão já não seja possível, em conjunto com as Estradas de Portugal, um projecto para toda a parte final do IC20, ou seja, a partir dos semáforos haver uma reabilitação total daquela zona, com a construção inclusivamente de duas rotundas. Isto está a ser pensado para desde já fazer fluir o trânsito, principalmente agora, no Verão, que é quando o problema é mais sentido.

 

A propósito, e voltando à Costa da Caparica, existem sucessivas queixas sobre a falta de areia. Como é que a Câmara vai atacar o problema imediato que é, ainda por cima, recorrente?

Agora, no imediato, é encher de areia. E nesse sentido já tivemos uma reunião com o ministro do Ambiente que nos garantiu para breve o reinício das operações de reposição de areia. Há muitos estudos sobre as possíveis consequências e também sobre as possíveis soluções. Eu, que não tenho ambição de rivalizar com cientistas, o que acho que é muitíssimo importante – e volto à mesma questão – é como tudo isto vai dar a este grupo que precisa de tomar decisões a longo prazo para a Costa da Caparica.

 

Mudando de assunto, e a propósito do que é público e do que é privado. A privatização dos SMAS…

É como o terminal. Não está nada determinado…

 

Mas é possível?

Não. Não está, nem nunca esteve, nem passou pela cabeça de ninguém essa possibilidade…

 

Gostava agora de mudar para outro assunto e falar do Festival de Almada, depois de recentes acontecimentos – o corte de 110 mil euros no financiamento do Estado à Companhia de Teatro de Almada – terem posto em causa a sua realização…

Permitam-me aqui fazer, de forma até um pouco egoísta, mas que acho ser a mais justa, com todo o respeito pelas companhias que ficaram de fora dos financiamentos e que têm de enfrentar um momento muitíssimo difícil, que põe em causa até a sua sobrevivência, mas nenhum outro exemplo é sequer comparável ao festival. Podendo pôr em causa alguns dos critérios que levaram à aprovação ou não destes apoios às artes, confesso que não consigo perceber esta lógica, nomeadamente no que diz respeito à valorização do factor de atracção de público que o festival tem, acho absurdo para alguém na área cultural que esse critério não seja sequer contabilizado. Tenho muitas dúvidas sobre os critérios aplicados neste concurso, mas a questão que está agora em cima da mesa já nem sequer é a dos critérios. A questão é como é que é possível comparar de forma igualitária o que não é comparável. Não é comparável uma candidatura que inclui uma programação intensa de uma companhia de teatro com quatro novas criações, o que é muito para qualquer estrutura, e nove reposições de obras estreadas em anos anteriores, e que tem ainda programado um dos maiores eventos culturais do país, que é, simultaneamente, uma referência internacional, com companhias que apresentam apenas a sua programação.

Estamos a falar de um evento particularmente caro. É bom que as pessoas tenham a consciência de que um festival internacional de teatro implica contratar companhias, portuguesas, naturalmente, mas principalmente estrangeiras, que são no plano internacional companhias e criadores de grande importância, com tudo o que isso implica em termos de logística, ao longo de duas semanas, por exemplo em viagens e em alojamentos. Não estamos a falar de um concerto em que os músicos vêm, tocam e vão-se embora, às vezes no mesmo dia. O Festival de Almada é muito maior que isso e é um esforço muito grande e é esforço que tem dado frutos maravilhosos, além de ser um instrumento essencial para a internacionalização… Como é que a Direcção-Geral das Artes vai agora fazer o discurso de dar prioridade à internacionalização da cultura portuguesa depois de ter feito o corte que fez à Companhia de Teatro de Almada e ao seu festival internacional… Como? Com base no quê? Porque o Festival de Almada não se limita à cidade ou ao concelho, vai muito mais além. A mim, o que me choca nesta questão, é parecer que querem fazer deste festival um acontecimento meramente concelhio. O município é quem mais contribui e vai continuar a contribuir para o festival, mas este acontecimento merece um reconhecimento a nível da política cultural pela importância estratégica e estruturante que tem para a cultura do país. E o Ministério da Cultura e a D.G. Artes não se podem demitir desta maneira do maior evento teatral português.

 

Ao longo desta entrevista a Presidente apresentou uma visão bastante clara sobre o que deseja para o futuro do concelho. Mas também parece claro que não é uma visão, digamos, exequível em quatro anos. Ou seja, acha que vai conseguir cumprir os seus desejos ou vai precisar de se recandidatar para levar o seu programa avante?

Uma coisa tenho a certeza: enquanto não se começa não se acaba. Para já, a prioridade é começar…

 

Ricardo Salomão/ Rui Monteiro

 

Notícias da Gandaia

Jornal da Associação Gandaia

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