Refood – Quando a boa vontade é o melhor alimento

Agir local, pensar global, poderia ser um dos princípios do Movimento Refood, uma organização independente sem fins lucrativos. Para quem este nome ainda não é familiar, é importante dizer que o movimento assenta em dois objectivos concretos: eliminar o desperdício de alimentos e ajudar a combater a fome nas comunidades locais.

Com o slogan “Aproveitar para alimentar”, a Refood identifica os recursos não utilizados que podem ser aplicados para melhorar a qualidade de vida a nível local e ativa esses recursos, recolhendo comida em bom estado que é diariamente desperdiçada e condenada ao lixo por falta de uma alternativa viável.

A ideia deste projecto partiu de Hunter Halder, um americano a viver em Lisboa. Durante um jantar num restaurante, a sua filha mais velha questionou-o sobre o destino a dar à salada que sobra, e não gostou da resposta que ouviu, que vai para o lixo, assim como toda a comida que sobrar, quer seja ali ou noutros restaurantes. O pai explicou-lhe que não era culpa do pessoal do restaurante, que não sabiam quem precisava de alimentos e não tinham alternativa. Perante este confronto com a realidade, Hunter Halder pensou numa alternativa, em 2011 criou uma rede de distribuição e montado numa bicicleta recolhia comida e entregava-a aos mais necessitados.

O movimento foi crescendo e em 2018 já conta com cerca de 46 núcleos em todo o país, mais de metade situados em Lisboa.

Refood Almada

Hoje o Notícias da Gandaia pretende dar a conhecer o trabalho da Refood Almada, que surge em 2013, e para isso veio ao encontro do seu coordenador, António Calado, de 61 anos. Ex-director técnico desportivo, com duas licenciaturas, desempregado há alguns anos, começou por colaborar com a organização na zona da Ameixoeira e encontrou na Refood a melhor maneira de disponibilizar o seu tempo, “aqui o que mais me motiva por um lado é obviamente estar ocupado, manter algumas rotinas porque é evidente que não é fácil estar desempregado, mas acima de tudo porque acho que desta forma posso ser mais útil e posso mostrar às pessoas que existem várias formas de trabalhar e esta é uma forma desinteressada de trabalhar. Obviamente que me dá prazer ajudar essencialmente quem precisa”.

Actualmente a Refood Almada apoia 300 beneficiários, que se distribuem por cerca de 80, 90 famílias.

A abertura do novo centro de operações da Refood Almada, no Feijó, está prevista para dia dois de Dezembro. Embora as obras já tenham terminado e o espaço se encontre equipado, ainda está só a funcionar para recolhas, como explica António Calado, “nós não estamos a servir refeições completas, ainda estamos na base da operação pão e bolos. Entregamos três vezes por semana bens alimentares, 3ª, 5ª e sábados em Almada, na Costa da Caparica, Trafaria e Cova da Piedade”.

Assim que o centro esteja operacional, e após realizadas as recolhas de bens alimentares, uma equipa de sete, oito pessoas no centro do Feijó, prepara, divide e embala a comida, (sopa, refeição e eventualmente reforço de mercearia) que é aqui entregue em sacos às famílias carenciadas. A esperança é conseguir manter este ritmo de recolha e entrega de 2ª a 6ª feira.

A Refood Almada conta com uma equipa de cerca de 70 pessoas: cerca de 38 gestores, que tratam da gestão do núcleo, e mais 35 voluntários nas rotas de distribuição/angariação. Todos os meses é realizada, nos Bombeiros Voluntários de Almada, uma reunião com os gestores, onde é feito o balanço e analisadas eventuais dificuldades.

Existem mais voluntários inscritos, que só poderão dar o seu contributo quando o centro do Feijó inaugurar. A Junta de Freguesia de Laranjeiro e Feijó, como não deveria deixar de ser, actuou como poder local e deu algum contributo ao nível das instalações do centro.

O núcleo de Almada tem seis pastas: beneficiários, voluntários, fontes de alimentos, operações, comunicação e apoios da comunidade. Os gestores distribuem-se por estas pastas e vão actuando nas suas áreas.

O coordenador exemplifica algumas das funções, para que melhor compreendamos todo este processo. Os responsáveis “pela fonte de alimentos vão contactar restaurantes, pastelarias, cantinas a perguntar se têm remanescentes. Chamamos remanescentes e não restos. Há muitos espaços que têm, mas dizem-nos que entregam aos empregados ou que já têm uma ou duas pessoas que lá vão buscar. Nos apoios da comunidade, é aquele grupo de malta que vai por exemplo ao Jumbo, ao Leroy Merlin, ou aos mais diversos sítios para angariar material de escritório, de limpeza”. Para se ter uma noção, neste âmbito conseguiram da CP – Comboios de Portugal um termo-acumulador e uma bancada de inox.

Quanto aos beneficiários, “na rota da Costa de Caparica, recolhemos e entregamos maioritariamente à Fundação Arcelina Victor Santos IPSS, que tem um jardim de infância, um lar, uma loja social e das famílias que nós ajudamos 80 são da Fundação”. Ajudam ainda outra família do Parque de Campismo do CCL, a quem vão fazer entrega três vezes por semana.

No entanto ainda há muito para actuar no concelho. A Refood precisa de encontrar um espaço na Costa da Caparica, que possa ser um novo centro de operações para servir a cidade e a zona da Trafaria. O ideal seria encontrar também um espaço em Almada Velha, outro dos polos da Refood Almada. À Charneca da Caparica e Trafaria, “ainda não chegámos mas não é tão preocupante porque está lá a Associação Colmeia Vigilante, que trabalha muito bem e faz algo parecido com o nosso trabalho, embora numa escala menor”.

Parcerias

São 20h30 duma terça-feira e ao entrarmos na Academia Almadense, o que salta à vista são alguns cabazes de frutas e legumes. Pertencem à Fruta Feia, uma cooperativa que visa combater o desperdício de produção, trabalhando directamente com os produtores da região, recolhendo nas suas hortas e pomares hortaliças e frutas que estes não conseguem escoar.

Embora aqueles cestos já estejam vendidos, se não forem levantados por quem os pagou até às 21h, passam a pertencer à Refood, que os distribuirá pelos seus beneficiários. O sr. Manuel aparece na esperança de poder levar algum que sobre. Com 4 filhos e a esposa desempregada, precisa deste apoio e é “extremamente grato” à Refood.

António Calado admite que existem muitas pessoas com vergonha de pedir ajuda, mas reconhece que esta partilha “é também uma forma de equilibrar as tensões e os problemas sociais que se vão acumulando”.

Com um stand presente na “2.ª Semana Social – Almada Somos Nós”, que se realizou em Outubro, “divulgámos as nossas actividades, angariámos voluntários, publicitámos os apoios que necessitamos e fizemos propaganda da peça no Teatro Azul”. Esta iniciativa consistia na angariação de 70 espectadores indicados por parte da Refood Almada, para que metade da receita da bilheteira revertesse a favor da instituição. Contudo, acabaram por não conseguir atingir o objectivo proposto.

O coordenador faz questão de referir algumas das parcerias, menos ou mais pontuais, mas todas elas importantes, porque é dessa caridade que a instituição sobrevive e consegue chegar a mais bocas. Pães, bolos e salgados são os produtos alimentares que mais recolhem, desde sempre. A par com a Padaria da Praia, a Xandite foi primeiro parceiro da Refood de Almada, que actualmente trabalha com algumas pastelarias do grupo. A Tradifana, uma confeitaria de bolos do grupo Nabeiro, pontualmente contacta a Refood para entregar cerca de um milhar de biscoitos, bolachas,bolos secos.

Com o Aldi têm uma parceria que se traduz na recolha dos remanescentes às 3ª, 5ª e sábados, que são normalmente frescos, fruta, vegetais, carne, iogurtes, e produtos de mercearia. Na Cantina Portuguesa, do Ginásio Clube do Sul, em Almada, recolhem os remanescentes três vezes por semana. Na 4Bio e na Alma Bioalma, a recolha é mais pontual, uma vez por mês.

As faculdades do concelho também estão solidárias com as famílias carenciadas. Tanto o Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, como a Faculdade de Ciências e Tecnologia, são pontos de recolha anual, por ocasião dos remanescentes resultantes dos seminários que realizam. A Refood espera estabelecer um acordo com o Arsenal do Alfeite, para também este passar a ser um sítio de recolha de bens alimentares.

Agir local, pensar global

António Calado diz que felizmente conseguem dar destino a toda a comida resgatada, “também não são quantidades industriais, mas tem sido tudo entregue, tudo consumido e até hoje não tem havido problemas com nada estragado ou fora de prazo”.

E como não falta tudo para o Natal, importa referir que a Refood Almada organiza um almoço festivo para beneficiários e população necessitada, no restaurante “Moinho Alentejano”, em Almada. Só “não há almoços grátis” se não houver boa vontade, empenho e dedicação, já que a base do movimento é sustentabilidade financeira, social e ambiental.

Os interessados em apoiar esta causa devem “gostar de ajudar, preocupar-se com os outros e ter pelo menos duas horas livres por semana”, reforça António Calado. Mas para o movimento dar frutos (e outros alimentos) é essencial o contributo de empresas e instituições, que às vezes é o mais difícil de angariar.

Cada refeição resgatada reduz os resíduos produzidos nas cidades e o impacto negativo da biomassa que degrada o meio ambiente. Mas não é só o impacto ambiental que sai beneficiado, apaziguar a fome de famílias da sua comunidade será a melhor gratificação que quem ajudar pode ter.

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