Tobi – O Rei da Costa

Tobi_01Conheço o Tobi desde que chegou à Costa da Caparica, nem seis meses teria, acompanhado pelo irmão, que era o seu negativo: onde o Tobi é castanho escuro, o irmão era bege e vice versa.

O irmão, verdadeira estampa canina, foi logo adotado e levado para uma quinta algures. Ficou o Tobi, simpático, brincalhão e de enorme sociabilidade.

Foi amor à primeira vista.

Na altura, apenas cá passava os fins de semana, mas o bom do Tobi lá organizava a sua atarefada agenda para me esperar pacientemente às sextas feiras. Tinhamos aquela combinação pessoal. Aos fins de semana, eu era o humano dele. Não se ralava nada com os meus desatinados programas que, invariavelmente, passavam por andar a calcorrear a praia, a mata, as terras, da Costa à Trafaria ou até os músculos aceitarem.

Pouco a pouco o Tobi foi-me apresentando os seus amigos, aqueles com quem partilhava o território e as rotinas. Pouco a pouco, foi-me ensinando que havia um outro mapa, cuidadosamente delineado à força de bexiga e defendido com ferocidade. Como se pode ver nas fotos, não é qualquer um que desafia o rei.

Uma coisa que sempre foi claro é que sua alteza, apesar da sua corte, por vezes rainhas, outras, leais súbditos, parava as funções à porta da rua. Subir e pernoitar com o seu bípede, só o rei.

Pouco a pouco, à medida que a nossa amizade crescia, aumentavam os meus afazeres fora da Costa e aumentavam as responsabilidades de sua alteza. Que a sociedade dos cães não é fácil, como fui percebendo ao longo do tempo. Assim como percebi que não era eu o único humano da sua vida. Graças à sua afabilidade e simpatia, o Tobi granjeara um número respeitável de amigos.

Tornou-se inescapável a decisão. O Tobi não era adotável, não era possível propor-lhe negociar a sua liberdade pela certeza da malga a horas e do conforto humano. Tinhamos de seguir caminhos divergentes. Mas sempre de olho e nariz desperto, mal nos víamos, a festa era certa. Perante o seu peso aos saltos, sacos e casacos corriam sempre perigo. Mas quem queria saber?

Fomos seguindo as nossas vidas e, agora de novo vizinhos, continuam as alegrias dos encontros, a certeza dos territórios e o conforto da amizade. Além do mais, sua alteza dá-me o privilégio de tolerar a minha frágil rafeira adotada do canil municipal, que vive em função dos donos: é um simples animal doméstico. O Tobi não, é bem o dono da sua vida. Mas como ela é “o meu cão”, incidentalmente no feminino, enfim, sempre tem livre trânsito, depois de bem cheirada, claro está.

Agora, já com mais de dez anos de idade, o Tobi tem a sua esquina, real, equidestante dos talhos mais pródigos. Passa lá as manhãs solarengas, ocupando todo o espaço que a sua imponência merece.

Quando oiço algum transeunte apressado soltar um comentário sobre “o cão” ali esparramado no passeio – que não dá jeito nenhum – sorrio comigo, cheio de condescendência pela cegueira das gentes. Grande Tobi, tão maior que o seu tamanho. Tão grande como a sua liberdade, senhor do seu destino, graças à sua simpatia e à paz dos seus dias.

3 thoughts on “Tobi – O Rei da Costa

  • 6 de Fevereiro, 2013 at 11:45
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    Adorei este peça!
    Tenho o privilégio de conhecer um cão assím…..o Malhado. Vive no meu prédio em Santo António e também era encontrado na rua. Todo o mundo aqui na zona conheçe o cão que faz as suas rondas e para nos ‘seus’ sítios…muito dono do seu nariz!
    Após vários meses decediu adoptar-me a mim e desde septembro dormia na minha casa. Ia comigo as compras, esperando as portas das lojas; dava sinal arranhando a porta do prédio quando queria entrar e descansar, beber e/ou comer.
    Extremamente intelligente e muito bem educado. Parecia perceber tudo e só lhe faltava falar.
    Já há 9 dias que estou muito triste, visto que ele parece ter sumido da sua ‘quinta’ e ninguém nunca mais o viu. Já fiz tudo o que pude e receio que nunca mais vou ver-lo.
    Espero que esteja a ónde estiver, que não soffre/soffreu. Vou sentir muito sua falta!!!

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    • 6 de Fevereiro, 2013 at 21:40
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      Esqueci de acrescentar que o Malhado tem/tinha mais de 10 anos.
      Tudo bom para o Tobi

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  • 5 de Fevereiro, 2013 at 19:46
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    Que o Tobi continue a dar muito amor e alegrias aos seus amigos e que continue a viver a paz dos seus dias! é um animal e uma história fascinantes! 10 anos e nunca lhe ter acontecido nada de menos positivo, é de louvar, nem sei como um animal que nunca teve um lar e que tem passado todos estes na rua, o tem conseguido. Quanto ser adotável ou não, já não tenho assim tanta certeza. Desejo-lhe toda a sorte do mundo, até ao fim dos seus dias.

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