Os jovens antes e depois

yofEra uma vez um País chamado Portugal, numa época em que o governo era fascista e tinha à cabeça um homem que se dizia simples, de origens humildes, apostado em nos tornar humildes, também pouco esclarecidos, devotos da religião católica, todos os santos, bispos, arcebispos e muito pouco virada para as gentes das artes e da cultura em geral, convinha-lhe? Ou estaria ele convencido mesmo que trabalhava para o bem público?

Bem, nesse País as crianças (é sobre elas que este artigo trata) cedo perdiam os prazeres próprios de uma infância despreocupada, com a sua natureza intrínseca a ditar correrias tresloucadas por montes e silvados, jogos da cabra cega, o arco de metal que girava colinas abaixo, o pião que rodopiava em volta de si mesmo, provocando profundo êxtase de contentamento saltar ao eixo por cima de amigos que lhes amparavam as muitas quedas, o berlinde colorido que com um leve estalar de dedos nem sempre caía na cova pretendida, o jogo das escondidas que tantos gargalhadas e discussões provocava por batota de uns mais reguilas que outros e muitos outros jogos que se inventavam ao ar livre em sã camaradagem não isenta de mal-entendidos, que mais tarde ou mais cedo se resolviam com um soco mole primeiro e um valente aperto de mãos depois e assim se faziam amigos para toda a vida, ficando as meninas em redor de agulhas, trapos e rendas para vestir bonecas de plástico e sem cabelos, que não lhes faziam mossa porque imaginação não lhes faltava e um núcleo familiar feminino que sempre estava disposta a ajudar e ensinar, claro que estas eram as crianças oriundas de uma classe moderada que os mandava ir à escola até à 4ª classe e se por acaso um deles mostrasse ser mais atento e empenhado na aprendizagem escolar ser-lhe dada a hipótese de continuar os estudos à custa de enormes sacrifícios dos pais, os outros que por essas aldeias na altura povoadas de centenas de crianças normalmente era-lhe vedada a entrada na escola, na necessidade que os pais com numerosos filhos tinham de ajuda nos campos e fabricas, para por um lado as meninas ajudarem a criar os irmãos mais novos ou partirem com a ridícula idade de 9 anos para a cidade, servir em casas de senhoras de BEM e os rapazes ajudarem no trabalho braçal ao lado do avô, que só descansava do trabalho campestre quando ia a enterrar e o pai que seguia as pisadas dos seus ancestrais.

Era uma boa politica? Em que se tornavam mais tarde estas mulheres e estes homens? Não generalizando sabemos que a maioria dos homens se tornavam alcoólatras e descarregavam as suas frustrações nas esposas recorrendo à violência verbal emocional e imitando os seus pais e outros homens da família e as mulheres, sendo-lhe sempre e desde sempre incutida a ideia de que eram seres inferiores, que nasceram para parir e criar os filhos, estar sexualmente à disposição do marido conforme os seus humores, impedida até de mostrar satisfação no ato, correndo o risco de ser rotulada de mulher vadia sem vergonha para não dizer aqui explicitamente o epíteto que todos conhecemos, virava-se para a religião tornando-se uma acérrima devota de todos os santos, acreditando em todos os milagres que lhe impingiam, confiando cegamente em padres, que muitos por baixa da sotaina escondiam serias perturbações mentais, desvios sexuais e impedidos por uma lei de Cristo que ordenava a total castidade, lhes ordenava comportamentos castrantes à condição humana, seguida de castigos corporais que lhes impunha como forma de lavar os seus pecados e ganhar o céu.

O País vivia numa modorra crua ajeitando-se os habitantes a esta realidade sem vontade de alterar uma virgula a este estado de coisas ate por total desconhecimento de diferentes vivências noutras partes do globo, e um dia a plebe acordou com cravos na ponta de espingardas militares, gritando que agora o povo é que mandava, o fascismo nunca mais, a terra a quem a trabalha e outras palavras de ordem que pareciam fazer todo o sentido para quem acaba de acordar de um pesadelo e lhe oferecem um pote de ouro e foi tal a euforia, a vontade de se igualar a todas as portas que se abriam vindas do estrangeiro, copiando-lhes os gostos, as modas, a forma de vida, o esbanjamento, as leis, os maneirismos, a arquitetura e como principal cavalo de batalha, a educação das crianças que deviam a partir desse momento ser divinizadas, tornadas reis e rainhas, princesas e príncipes, com direito a dizer não, mesmo que esse não tornasse miserável a vida de quem os rodeava, os professores que antes utilizavam a régua para punir sem dó crianças surpresas de castigos sem os entenderam, eram agora castigados severamente pelos próprios e pais à mínima chamada de atenção, a época de quase fome que muitos tinham atravessado calava fundo nas mães e pais que agora atafulhavam os filhos de comida sem nenhuma regra, roupa de marca porque assim ditava a moda e era vergonhoso não a seguir, sair de casa ainda novos e voltar a altas horas da noite, já com um grão no asa, facilmente desculpável porque eram ainda novos, não sabiam o que faziam e todos os jovens que se diziam modernos o faziam, cada nova novidade a nível de brinquedos e tecnologias levava os pais a endividarem-se para que o seu rebento não ficasse traumatizado entre os seus pares que o possuíam, os progenitores cada vez tinham uma carga horária mais pesada, para consumirem cada vez mais produtos e modas, que todos os dias eram alteradas e foram deixando crianças e adolescentes entregues a estranhos, e estupidificados em frente a écrans onde os jogos de morte são um forte apelativo e programas televisivos que os bombardeiam noite e dia com imagens de extrema violência, que a partir de uma certa altura os desumaniza e assim foram nascendo gerações de pequenos ditadores, anestesiados nas emoções mais humanas, tornando-se selvagens numa floresta de ferro e aço, conseguindo sem remorso matar pais, primos, sobrinhos e irmãos e por arrasto companheiros escolares e é na escola que hoje extravasam contra outros fúrias inexplicáveis, maltratando, humilhando pondo a ridículo seres humanos como eles, sem respeito pela vida e pelo seu semelhante.

Culpas? Nossas, só nossas, pais que fomos e somos e que nos perdemos de alguns valores pelos quais regíamos a nossa vida, baseada no respeito por toda a coisa viva. Se com isto quer dizer que o antes é que era aceitável ou mesmo normal, desenganem-se, eu sou uma filha do fascismo, senti na pele muita repressão e muita revolta, mas hoje, olhando à minha volta e ouvindo os ecos das atrocidades que certos jovens praticam, tenho a certeza que errámos ao não saber o verdadeiro significado da palavra liberdade, e não a saber pôr em prática, dando um mau exemplo a uma geração doente emocionalmente, carente, sem horizontes, sem sonhos nem perspetivas, perdidos de si mesmos e do seio familiar, onde os próprios pais se ausentaram em busca de uma melhoria de condições de vida para os filhos, e o que realmente conseguiram? Um total desenraizamento do sentido da vida, que eles buscam agora através da violência gratuita, desculpem mas eu errei também, e humildemente o confesso.

accleme

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