Terras Da Costa
A Costa Da Caparica é uma terra, cujos habitantes, desde há séculos se dedicam maioritariamente à pesca, originários de Ílhavo e Algarve, trouxeram de lá a Arte-Xávega, que se mantém quase nos mesmos moldes até hoje, coadjuvado com novos recursos mecânicos, nomeadamente os tratores, que hoje fazem grande parte do trabalho antes braçal, mas não só da pesca vivem os que habitam esta terra com uma maravilhosa frente marítima, existe uma grande extensão de área de cultivo junto à Arriba Fóssil, cuidada por homens e mulheres que à agricultura se dedicam, também desde há séculos e que quem vem até às praias ou a passeio raramente se apercebe.
As primeiras pessoas a ocupar as terras naquela zona eram também elas originárias de Ílhavo e inicialmente queriam dedicar-se à pesca, mas como os invernos eram muito longos, com ventos muito fortes e mares alterados, alguns decidiram escolher um pequeno pedaço de terreno para completar o orçamento familiar, sendo que durante algum tempo, dividiam-se entre o mar e as terras e mais tarde uns ficaram por ali, enquanto outros assentaram arraiais nas praias.
Tentando perceber de uma forma clara um pouco da história daquelas gentes, cujo modo de vida difere em muito da dos pescadores, fui conversar com um agricultor de nome Américo António Da Rocha Alves que ao campo se dedicou desde que se lembra.
Contou-me ele que o seu avô, Joaquim Alves, nascido em Janeiro de 1922 nas Terras Da Costa e seguindo a tradição familiar tomou a seu cargo um pedaço de chão para cultivo, casou, teve 5 filhos e um deles o Joaquim António Alves desde cedo ajudava o pai, tendo à altura do falecimento do mesmo, continuado de moto próprio a amanhar os terrenos dos avós, ali casando e tendo 3 filhos e mais uma vez um deles seguiu as pisadas dos homens da família, que à agricultura se dedicaram.
Disse-me o senhor Américo, nascido em Março de 1944, na casa onde já outros familiares tinham visto a luz do dia junto ao pedaço de terra da qual extraíam o pão de cada dia, que à altura dos avós as terras naquela área não tinham propriamente dono, cada um chegava, escolhia um pedaço de terreno e nele empregavam o esforço físico, em condições muitas vezes adversas, devido às intempéries inesperadas e que tantas vezes destruíam o trabalho de meses, deixando-os em sérios apuros para se sustentarem e à família, mesmo assim por lá foram ficando, trabalhando de sol a sol até à sua morte, vivendo num mundo muito próprio, sem grandes afinidades com os que do mar tiravam o seu sustento.
O Senhor Américo frequentou a atual Escola Primária da Costa Da Caparica, sendo motivo de interesse, que o seu primeiro dia de aulas, coincidiu com o da inauguração da mesma, estudou até à quarta classe mas já desde os 6 anos de idade ajudava o pai no campo.
Dissertámos um pouco sobre as diferenças entre os dias de hoje, onde já a mecânica se tornou um auxiliar indispensável e os tempos de outrora, eis o que ele me contou.
No tempo do avô e Pai do Senhor Américo, ainda não havia a ponte 25 de Abril, os produtos agrícolas eram transportados em mulas que puxavam as carroças até Cacilhas, eram transportadas num Ferry-Boat (cacilheiro de transportes) até à Praça Da Ribeira (24 De Julho) onde as deixavam, voltando a fazer o percurso inverso de camioneta até à Costa Da Caparica todos os dias, até escoar toda a mercadoria, depois traziam de novo a carroça vazia e assim continuavam em tempo de apanha das hortaliças, muitas vezes também ia com a carroça ajudar os pescadores a transportar o pescado ate à lota, diz o Senhor Américo que chegou a ir da Costa ate à Praça de Almada, sem avistar um único veículo, tão escasso era o trânsito automóvel naqueles tempos (à cerca de 60 anos) diz também que teve hipótese de se empregar como soldador mas sempre o atraiu mais o trabalho da terra gostando verdadeiramente do que sempre fez e ainda hoje faz com muito prazer, tendo a seu lado a trabalhar um filho, hoje com 44 anos e que desde os 14 acompanha o pai na plantação, tratamento e escoamento dos produtos hortícolas parecendo assim que esta profissão transita de geração em geração, comprou a sua primeira camioneta com 24 anos, já casado e pai, tornando mais fácil o transporte dos produtos, passou junto com a família pela gripe Asiática que tantas vidas ceifou e deixou alguns deles seriamente doentes, impedindo o normal ciclo de sementeira e apanha agrícola, sendo necessário recorrer à família em busca de auxilio monetário, porque algumas vezes só existiam 5 escudos na carteira para muitos dias em que era preciso alimento.
Salienta que as terras que cuida e que ficam junto à nova Igreja Paroquial, têm no subsolo água muito salobra, sendo necessário dar um descanso ao solo de pelo menos 3 meses, normalmente Maio, Junho e Julho e só em Agosto voltam a plantar, essencialmente couve coração, lombardo, couve-flor, alface, batata e milho e são famosas as couves portuguesas que se comem na noite de Natal, que são plantadas a 15 de Outubro e apanhadas em meados de Dezembro, já as terras que pertencem à Mata Florestal, beneficiam de melhores águas, considerando ainda que esta zona de terreno que ele explora é sempre sujeita a mais azares, lembrando um ano em Outubro quando caiu uma grande quantidade de granizo, destruindo todo o cultivo e que inexplicavelmente não apanhou as terras mais a sul.
Hoje em dia queixa-se da falta de vontade das gentes para trabalhar na terra e da crise que torna difícil escoar os produtos com uma decente margem de lucro pelo árduo trabalho realizado, já não vai vender nas Praças como fazia antes, tem uma empresa (Estêvão Luís Salvador) que compra todos os produtos que planta e colhe sem necessidade de se deslocar, assegura que nunca tal modo de vida o tornou num proprietário de bens móveis ou imóveis, considerando que foi sempre uma pessoa que ganhou somente para o sustento da família sem nunca conseguir proventos para grandes viagens ou férias.