A Solidão

Os pássaros, em bando, esvoaçam livremente desenhando no céu arquitecturas mágicas, como se fossem um corpo único; as grandes manadas deslocam-se em extensas migrações, enchendo a savana africana de vida numa forma ordeira e coesa; os peixes, em busca de alimento, juntam-se em enormes cardumes que, pela sua extensão, formam imensas nuvens ora escuras ora prateadas na imensidão aquosa dos oceanos; as abelhas e as formigas, na sua azáfama eterna, e aparentando uma dispersão total, formam as sociedades mais organizadas e unidas do reino animal.

Os animais, na maior parte do seu tempo, vivem em estreita associa­ção entre si. Contudo, existem casos, particular­mente entre os pre­da­dores de maior porte, em que a regra nem sempre se confirma.

E quanto ao Homem? Como age em relação aos seus seme­lhantes e como interage com a Natureza?

No alvorecer da humanidade, o Homem, imitava as outras espécies e vivia em grupo na luta pela sobrevivência. O clã era o seu mundo, e era nele que se defendia, agasalhava, alimentava e procriava. Mas, cedo reparou nas diferenças existentes entre si e os seus semelhantes e logo se instalou no seu íntimo a vontade oculta de dominar, de se fazer obedecer. Era a versão humana do macho dominante observada entre os animais da vida natural, onde se revelava por inteiro o predador, o mais forte, o mais pode­roso.

No entanto, o poder isola as pessoas, e o homem quanto mais poder detém, mais se isola dentro da sua própria sociedade. Gradual­mente foi surgindo a nova classe dos dominadores, a classe dos que se sobrepõem à sociedade para se fazerem obedecer. Con­tudo é necessário fazer crer às massas domina­das que são, elas próprias, que «aparentemente» comandam o mundo, Foi, em momen­tos como este que foi imposta (e consentida) a democracia.

Mas as massas são constituídas (também elas) por homens cada vez mais individualizados, egoístas e egocêntricos, e que se consideram a si próprios o imago mundi ou o umbigo universal.

Quer isto dizer que, apesar de viver em sociedade, o Homem é um ser solitário e todos nós, cada um, à sua maneira, cultuamos e procuramos o nosso próprio isolamento. Mas o que é a solidão? que procura o Homem quando pretende e necessita de ficar só? porque se sentirá tão atraído para a solidão, como para o abandono do sono? 

Penso que a solidão é o conjunto das condições necessárias para que o indivíduo tenha um encontro consigo próprio. É a abstracção do mundo que nos rodeia; é sentir o prazer e a necessi­dade da dor; é suportá-la fazendo cantar com beleza e exaltação os nossos lamen­tos; é sentirmo-nos, (quantas vezes?) amargamente sós, mas, com volúpia, lambermos as nossas lágrimas; é a ausên­cia, volun­tária ou não, de convívio; é uma forma mista de depres­são e exal­tação, de elevação do espírito; é um espaço individual, simulta­neamente físico e temporal, pois situa-se algumas vezes num vazio, outras, quase sempre, numa região intermédia do nos­so íntimo, localizada entre os sentidos e a alma; é o terreno propí­cio à criação – que nos faz lembrar a história daquele canteiro que trabalhava uma enorme pedra, e ao lhe ser pergun­tado o que fazia, absorto na sua enorme solidão, com os olhos bri­lhando e o espírito elevado, respondeu: «Eu, eu estou a construir uma catedral…». Em suma, a solidão é o momento em que nós somos para nós mesmos o mundo.

Uns procuram espontaneamente a solidão, outros são suas vítimas coercivas. Mas ela está sempre presente, ainda que seja no sono. Quando o indivíduo dorme está de tal forma só, que até o seu espírito o abandona. Mas é na morte que o indivíduo se encon­tra só perante o vazio que o espera. É só ele, e à sua frente a Eternidade ou o Nada. Acredito que talvez seja esse o momen­to único da paz suprema, do silêncio absoluto, quiçá da liberdade total, da extrema solidão.

Reinaldo Ribeiro, 21 de novembro de 2014

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