A Solidariedade Existe!

Era a primeira vez que ele se deslocava ao continente americano.

O flagelo da guerra, com todas as suas feias chagas, ruínas, misérias e mortes tinha-o forçado a deixar o chão de África, que ele amava e que tinha adoptado como o seu berço. Sem o desejar, foi coberto pelo manto ambíguo de refugiado e, como tantos outros, viu-se forçado a reinventar um novo futuro, para si e para a sua família.

No avião que o transportava, ele ia só e os seus olhos reflectiam a tristeza, saudade, ansiedade e angústia que lhe preenchiam o pensamento. No entanto, ele ainda alimentava a inocente esperança, bem escondida no mais profundo do seu íntimo de encontrar a metade gémea do continente africano, separado pelas tremendas convulsões que originaram a deriva dos continentes. Minutos antes de aterrar, o piloto fez a aeronave sobrevoar a cidade emoldurada numa paisagem de indiscritível beleza, como se quisesse dizer que aquela terra recebia todos viajantes de braços abertos.

Após as formalidades alfandegárias, ele percorreu com o olhar curioso o interior do aeroporto e ficou, de algum modo decepcionado, porque as instalações evidenciavam que nada mais eram do que um hangar adaptado, muito inferiores à grandiosidade que esperava encontrar num aeroporto de uma grande cidade daquele grande país.

Dirigiu-se para a saída, sem ter qualquer destino estabelecido. Um táxi acercou-se dele e ofereceu-lhe os seus serviços, que ele prontamente aceitou.

– Para onde deseja ir, senhor?

– Hum! Não sei bem, leve-me para ‘Baixa’. – O motorista olhou para ele pelo espelho retrovisor e perguntou:

– O senhor é português?

– Sim, vindo de Angola.

– Que tragédia aquela! Temos visto pela televisão o que lá está a passar-se. Tanta morte, tantos refugiados, tantas pessoas em fuga. Os frutos das guerras são sempre amargos – dor e sofrimento.

– Tem razão, as guerras só servem para alimentar a ganância de alguns e a desgraça de muitos.

– E o senhor passou por tudo isso?

– Sim e, como quase todos, perdi tudo. Venho aqui tentar refazer a minha vida.

– Tem alguém conhecido aqui, que o possa receber, senhor?

– Não, não tenho, mas preciso de encontrar um hotel barato e num lugar central da cidade, para não ter de apanhar muitos transportes para começar a resolver a minha vida.

– Sei de um pequeno hotel que está bem próximo do ‘Centro’, simples, barato e bom. Vou levá-lo lá.

Conversaram bastante durante os cerca de 20 km da viagem e ele foi tomando conhecimento de algumas realidades do país e olhando a paisagem, que em nada se parecia com a da ‘sua’ Angola.

O motorista, um homem negro, corpulento, irradiava simpatia, e procurava animar o seu passageiro com o que podia. Em determinado momento parou o carro numa rua estreita e, apontando para um edifício de 1º andar, disse: “este é o seu hotel, senhor”. Logo saiu do carro e retirou a mala e poisou-a no passeio.

Ele agradeceu-lhe e perguntou quanto devia.

O motorista, já sentado ao volante, sorrindo disse-lhe:

– Não me deve nada, senhor, esta é a minha contribuição para que o senhor possa refazer a sua vida no meu país. – E deu andamento ao carro.

Estupefacto, ele ainda tentou chamá-lo, pois queria saber o seu nome, mas o táxi já tinha chegado ao fim da rua.

Deixou-se ficar ali parado ao lado da mala, com um único e repetitivo pensamento: A solidarie­dade existe!

 Reinaldo Ribeiro

01JUN2020

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