Aldeia do Alentejo
Numa Aldeia do Alentejo…
Para relembrar, viver de novo, e transmitir às novas gerações como se viviam momentos de prazer, de entrega, de são divertimento, com pequenas coisas, coisas que nos dias de hoje estão esquecidas. Passam-se agora horas, longas horas, ao telemóvel – a falar ou a mandar mensagens – , em frente ao computador, no facebook, utilizando todas essas novas tecnologias, onde comunicamos sem nunca nos olharmos de frente, olhos nos olhos… como era bom, diferente, mais humano e menos poluente, viver há muitos anos atrás, em meados do século XX.
Nos anos já longínquos da minha juventude, por volta dos anos cinquenta desse século passado, recordo muitos momentos de cultura, aventura e divertimento que vivi na Aldeia de Santo Amaro, no concelho de Sousel, alguns já aqui relatados… terra dos meus avós maternos, onde minha Mãe nasceu. Passava aí as minhas férias e assistia durante esses períodos a acontecimentos que recordo como se tivessem acontecido agora.
Não havia iluminação eléctrica, veio muitos anos depois, assim como a água canalizada e os esgotos, estes ainda mais tarde, mas a cultura, a cultura e a criação artística, nascida do Povo, chegava à bela aldeia, nessa altura só com duas ruas: a rua Velha e a rua Nova… e alguns “Montes” nos seus seguimentos ou um pouco mais dispersos… eram ruas paralelas, de calçada alentejana…eram assim as duas ruas da minha aldeia. O bairro novo não tinha ainda sido construído e iniciava-se a sua construção nas traseiras da velhinha escola primária, naquele cabeço a poente do ribeiro do Lupe, que corre pelo centro da aldeia. Duas pontes para peões ligavam as duas margens e as duas ruas. Uma de madeira, muito estreita, sem guardas, muito perigosa mesmo durante o dia… durante a noite, sem iluminação, era complicada a sua travessia. A outra, lá na parte baixa da aldeia, junto ao poço público de água poluída, era em ferro e cimento, com guardas seguras. Ficava na zona principal, onde havia as lojas e tabernas… a loja e taberna do Zé Martins, o café do Ramalho, a loja do Cóias com o único telefone público, com o Correio e cujo dono era dono do único táxi existente. Carreiras de camioneta nem pensar. Só comboio a cerca de 6 quilómetros, que tinham que se percorrer normalmente a pé. Envolvendo a aldeia só montados de azinho e sobro, olivais e muito ar puro. Recordo as tardes com o meu Pai, no quintal da taberna do Zé Martins, sentados em “mochos” e bancos de madeira, enquanto ele bebia algumas cervejas, que nunca eram frescas pela falta de frigorífico, acompanhadas de tremoços, de amendoins, a que nós alentejanos chamávamos “ervilhanas”, ou de um bom queijo seco de ovelha com fatias de pão caseiro. Ao fundo do quintal situava-se o ribeiro, sem água durante o Verão, que servia de retrete pública para os moradores da rua Nova… que aguardava alguma cheia de Inverno para arrastar toda aquela porcaria acumulada nas épocas secas. Era uma aldeia com muitas carências mas onde aconteciam algumas manifestações artísticas. Não era todos os meses que isso acontecia, mas havia um grupo de teatro amador, sessões de cinema ambulante, e os bonecos de Santo Aleixo… e é destes últimos que hoje vos vou falar. Foi uma dica do meu amigo Carlos Aguiar, esse biólogo de Lisboa que, com gosto, lê os meus escritos… Não vou contar a história dos Titeres que é de todos conhecida e está actualizada nos sites da internet, mas recordar ao que eu assistia, nesses anos da minha infância. O local das representações era um velho casão, palheiro ou cavalariça, nem sei como lhe chamar, mas certamente o local mais amplo e disponível que era possível encontrar. Ficava na rua Velha, num local onde esta se alargava e formava uma pequena praça. Também aí aconteciam as representações dos amadores de teatro. Recordo alguns nomes dos bonecos do Mestre Talhinhas que não me saíram da memória: Padre Chanca, Mestre Sala, Caim e Abel, Adão e Eva e a serpente e outros mais que o tempo foi apagando dos meus registos. Registados ficaram os momentos de alegria, de sã alegria, que atingia o rubro nessas noites longas deste Alentejo profundo, deste Alentejo e desta Aldeia das minhas raízes… Foi nestas paragens do Sul onde o silêncio da planície e onde, nas noites dos Verões escaldantes, podemos contar as estrelas do céu… foi aqui, neste paraíso, que cresci e aprendi a Amar.
António José Zuzarte, Costa da Caparica, 11 de Abril de 2017.
Belo retrato de uma aldeia alentejana. Reminiscências de um tempo que convidava à amizade e ao convívio, em que os valores da tradição ainda eram respeitados.
Bons tempos, amigo!