Joaquim Judas: Almada Está a Regredir

Entrevista a Joaquim Judas

Ricardo Salomão/ Rui Monteiro

Um ano depois da mais inesperada derrota eleitoral, o anterior Presidente da Câmara diz que com a nova vereaçãosocialista e social-democrata Almada está em regressão. Mas não perde aesperança nos almadenses.

A primeira pergunta é inevitável. Como é que explica os resultados eleitorais que levaram à mudança de executivo camarário ao fim de mais de 40 anos?

Da avaliação que fazemos há dois factores que pesam mais. Um deles é a convergência da oposição e o outro é uma certa convicção que se generalizou em sectores muito largos do eleitorado de que isto estava ganho.

Acha, como se disse na altura, que os cinco mil novos eleitores que participaram nesta eleição, a maioria deles vindos de Lisboa em consequência da gentrificação da cidade, tiveram alguma importância no resultado final?

Terá tido alguma influência, embora pelo resultado que houve talvez não tivesse sido decisivo. Os 400 votos para a presidência que separam o PS da CDU indicam mais do que um factor. É provável que alguns desses eleitores, que ainda não conhecem aquilo que é a história de Almada, votassem mais de acordo com a sua ideologia e menos com o conhecimento do que tem sido a prática autárquica. O que, como se sabe, é um voto muito concentrado na realidade local, que tem mais em conta o que é feito do que a ideologia de quem faz. 

Na sua explicação não inclui nenhuma responsabilidade do seu executivo?

Há coisas que nunca correm tão bem como nós desejamos, mas pensamos que existiam expectativas no eleitorado em relação a Almada que poderão não ter sido concretizadas, o que aconteceu porque governámos em determinadas circunstâncias. Mas creio, também, que existia a consciência de que Almada, no quadro das dificuldades que foram colocadas às autarquias pelas políticas do anterior governo, se encontrava numa situação distinta e de uma forma geral era olhada pelos outros municípios como sendo um exemplo positivo de ultrapassagem dos obstáculos que nos foram colocados. É nesse sentido que fazemos a avaliação do nosso desempenho: respondemos bem, agora não conseguimos responder às expectativas que as pessoas tinham. Admitimos que o caso da Charneca, a não realização da obra na 377, que foi uma coisa muito falada, terá tido peso. Sabemos que não correu tudo bem, mas temos a consciência de que o essencial do nosso programa estava adequado às necessidades do concelho.

Há alguma coisa em concreto que lamente não ter conseguido fazer?

Estamos a falar de coisas que podiam estar ao nosso alcance. Essa, em concreto, acho que podíamos ter concretizado se tivéssemos tido maior autonomia na predisposição para fazer a obra. Ou seja, para não sermos tão abstractos: se não estivéssemos à espera que se desenvolvesse o quadro comunitário e a mobilização de fundos da União Europeia para fazer algumas coisas em relação à obra; coisas que tinham algum valor, mas que em relação ao volume de recursos financeiros não pesavam assim tanto, a obra tinha sido feita.

Concluídas as eleições, porque não fez a CDU um acordo com o PS?

Nós estávamos disponíveis para fazer um acordo com o Partido Socialista, mas também soubemos que o PS foi primeiro falar com os outros partidos. O que não é razão impeditiva. Agora, o que nós entendíamos é que no quadro de uma tão pequena diferença eleitoral que o equilíbrio em responsabilidades a atribuir devia ser outro. Aliás, tivemos a experiência dos anos de 1980, em que o PS teve grandes responsabilidades em diversos pelouros, e procurámos, na proposta que fizemos, aproximarmo-nos de um entendimento idêntico. Não foi essa a vontade do PS.

Qual foi a divergência que tornou o acordo impossível?     

A grande divergência foi a falta de vontade expressa de o PS se querer entender com a CDU. Tinham um entendimento com o PSD que garantia uma maioria confortável e foi por aí que preferiram ir. E, também, provavelmente, uma vontade de ruptura com o passado que, no nosso entender, não se justifica, mas que a prática tem demonstrado ser real, por exemplo, na nova estrutura camarária, ao colocar todos os dirigentes em regime de substituição, isto é, podendo ser substituídos a qualquer momento, mostra que há uma ruptura em curso.

Acha que está a ser feita uma “limpeza”?

Acho que as coisas vão muito no sentido, não direi que é uma “limpeza”, mas de uma afirmação de seguir uma política diferente que, ao mesmo tempo, procura isolar no plano político a CDU.

Ao fim de um ano como é que vê a administração de Inês de Medeiros?

Pensamos que há um recuo muito significativo, um retrocesso, mesmo, porque quem se candidata vem para governar durante quatro anos. E não é aceitável dizer: acabámos de chegar e agora vamos ver o que vamos fazer, porque a Presidente veio para governar desde o primeiro dia. Portanto tem sempre a obrigação de se preparar e, apesar da surpresa, tem o dever de rapidamente estar pronta para agir.

Pode concretizar?

Há um modelo aqui em Almada, que foi construído naturalmente com a CDU, mas que é um modelo dos almadenses. É um modelo construído com contradições, com irritações, mas foi sempre criado um pouco por toda a gente. No último mandato procurámos até sublinhar este aspecto da participação. A ideia dos congressos Almada, dando oportunidade à discussão de variados assuntos, os fóruns para a cultura, para o desporto, as reuniões com as populações sobre os mais diversos assuntos, o envolvimento do movimento associativo e das IPSS não na perspectiva de um processo de contratualização, mas antes de parceria,em que se entende que se concretiza um determinado projecto porque centenas ou mesmo milhares de pessoas, que dão o seu tempo, gratuitamente, para que outros possam beneficiar da sua actividade, são apoiadas com os recursos do município. Esta forma de trabalhar perdeu-se. Talvez esteja a ser um pouco ríspido, mas é como se existisse um regime de não confiança nas estruturas já existentes. Por outro lado há a ilusão de que o governo e a administração central vêm substituir aquilo que nós, autarquias, temos de fazer. Aliás, se olharmos para a concretização programática, não há nada de novo – a não ser que se considere novo fazer uma corrida de automóveis nos terrenos da Lisnave.

No trabalho da oposição há vereadores que são muito, direi, visíveis por parte dos munícipes, mas outros parecem completamente desaparecidos?

Nós, na CDU, funcionamos em equipa. E há também o aspecto concreto de os vereadores da CDU e do Bloco de Esquerda não terem pelouros, por isso, como se costuma dizer, tivemos de fazer pela nossa vidinha, ou seja, retomar a nossa vida profissional. O que é importante é que esta equipa tem um espírito de trabalho em conjunto…

E vai manter esta equipa nas próximas eleições?   

Ainda é muito cedo para tomar essa decisão. Faltam três anos, há várias eleições pelo meio, o panorama político pode mudar ou manter-se, ninguém adivinha… Por isso é muito cedo para equacionar essa candidatura.

Mas a CDU tem uma estratégia para reconquistar a Câmara?    

Há uma estratégia e essa estratégia é trabalhar para que Almada ganhe. Foi isso que nos deu a vitória nas anteriores eleições, foi com essa convicção que trabalhámos nesta, mas a nossa preocupação é fazer com que este município progrida e isso só se consegue com trabalho.

Há alguns grandes projectos em curso e que têm de ser resolvidos. Estou a pensar na Costa da Caparica, na Fonte da Telha, no Ginjal, na Cidade da Água. O que vai fazer a CDU em relação a estes projectos de que toda a gente reconhece a importância: colaborar com a autarquia ou torná-los um cavalo de batalha da oposição?

Os projectos de desenvolvimento da frente atlântica da Costa, começando por aí, embora haja coisas aprovadas, ainda não têm nenhum projecto alternativo. A Cidade da Água é um projecto da Câmara. Embora aquele terreno seja propriedade do Estado foi a Câmara que fez e pagou o projecto, que foi aprovado pelo governo e publicado em Diário da República, para o Plano de Urbanização de Almada Nascente. Fomos nós que fizemos várias diligências, ainda com o governo Passos Coelho e depois com o governo minoritário do Partido Socialista, para que se dessem passos no que diz respeito à definição do cadastro daquele território e colocá-lo em condições de se poder concretizar o plano. Recebemos, ainda com a CDU na vereação, promotores internacionais e nacionais com interesse no desenvolvimento do plano de urbanização. Portanto, oposição… não há oposição. Tudo aquilo que está feito e que vai ser feito ainda é dos almadenses, foi feito connosco. Em relação ao Ginjal, a mesma coisa. A diferença que há é o que o PS, sobretudo, mas também o PSD e outros, quando estavam na oposição, diziam: já. “Já” esse que não era concretizável daquela forma por haver condições que necessitam de ser ultrapassadas, que ainda não foram, e às quais a actual presidência ainda não deu resposta, pelo contrário parou acções que estavam em curso.

Mudando para um assunto mais geral, se não se importa, em breve, tudo indica, haverá uma baixa considerável do preço dos passes na região da Grande Lisboa…

É uma batalha que a CDU desenvolveu em relação à promoção do transporte público e do transporte público acessível, colaborando na Área Metropolitana de Lisboa com os diversos municípios envolvidos. Agora, chamamos a atenção para que não é de um dia para o outro – por muito que este caminho tenha de ser feito, isto que fique claro, e que tudo o que se faça nesse sentido já venha tarde – que a maioria das pessoas, que hoje usa o automóvel, vai deixar de o fazer, principalmente enquanto o transporte público não corresponder às necessidades reais das populações. E isso ainda demorará o seu tempo. Até por passar por uma reorganização do espaço urbano que está longe de estar feita. É preciso, por exemplo que a rede de metro se alargue e chegue à Costa e à Trafaria, e mesmo que tenha outra linha entre Corroios e o mar, que faça a Charneca, a Sobreda… E é preciso melhorar a acessibilidade à Fertagus dentro do concelho.

Nesta questão dos passes vai ser necessário envolver muita gente, negociar com privados, garantir meios para que o processo se desenvolva. Acha que isto vai ser fácil ou as “dificuldades” negociais podem ser uma maneira de adiar o projecto?

A CDU tem tido reservas em relação a este processo, pois não ficou claro quem paga o aumento da capacidade de resposta dos agentes de transportes públicos. Ou seja: há uma base, que tem um determinado custo e do orçamento de Estado vem esse dinheiro. Mas se as autarquias quiserem mais um linha de comboio para um determinado sítio, ou que haja mais de autocarro para outro lugar, o que está previsto é que seja a autarquia a pagar. Daí haver alguma resistência da nossa parte, mas o processo está em curso e estando em curso vamos procurar concretizá-lo da melhor maneira possível. Pensamos que, naturalmente com contradições e dificuldades, é um projecto que deve seguir adiante desde que o governo mantenha a vontade política que mostrou em concretizá-lo, e desde que na Área Metropolitana se consiga manter a posição mais ou menos convergente que tem existido. Não temos outro caminho, porque as cidades não podem comportar este modelo exponencial do transporte individual da maneira que tem sido utilizado até agora, por haver, neste capítulo, atitudes corajosas que têm de ser tomadas nesta fase. 

Finalmente. Vai voltar a candidatar-se à presidência?

Já respondi a essa pergunta…

Isso não é uma resposta…

É a resposta possível nesta altura. Eu tenho 67 anos, em 2021 terei 70 anos, e isto é um aspecto pessoal que tenho de pensar. Depois, como sabem, de acordo com a minha formação desde jovem militante, a decisão colectiva é sempre a decisão que conta nestas matérias. Além daquilo que a gente não sabe, que é a nossa disponibilidade amanhã. Por isso é ainda muito cedo.

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Jornal da Associação Gandaia

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