Contas com Amigos

Filho e neto de gente ligada aos números, às contas, ao rigor das aritméticas e das contabilidades, não foi difícil prever o que seria a minha profissão em adulto.

 

Por volta dos 12/15 anos, dei por mim entusiasmado com uma ideia que se ia acentuando cada vez que a aprofundava e que era a de medir o meu valor a cada momento, isto é, cada vez que comia uma batata era um valor que funcionava contra mim e quando recebia uns tostões de familiares seria contado a meu favor. Nessa altura, julgava eu, que se conseguisse fazer sempre aquele somar e subtrair, o valor ia alterando e quando fosse chegado o momento de começar a trabalhar e a ganhar dinheiro, então o valor seria cada vez mais positivo com o decorrer da vida.

 

Quando já trabalhava em escritórios tive oportunidade de expor este ponto de vista a um querido Mestre destas andanças que depois de esboçar sorrisos vários aos meus detalhados desenvolvimentos, acabou por não me desanimar, mesmo terminando com a única observação por ele feita – “que era uma ideia gira, difícil de perpetuar na vida, mas que começasse…”

 

Claro que nunca executei aquela calculatória, mas do princípio nunca me esqueci!

 

Na revoada que foi a minha vida pessoal e profissional, que não vamos aqui detalhar, o encaminhamento para a profissão de contabilista, veio a ocorrer sem sobressaltos como se estivesse escrito num livro do destino, que há em cada um de nós.

 

É aqui que entram os amigos como o título sugere.

 

Cerca dos 21 anos tive o primeiro choque forte na minha vida com a perda de um familiar que no fundo foi quem me criou, o meu avô paterno.

Dias depois, quase refeito daquele impacto deparei-me com a dúvida que muito se repetiria.

Como contabilizar aquela perda?

Por que valor?

Em que contas do meu Balanço permanente?

Zero respostas.

 

Sei lá… Talvez nas chamadas Contas de Ordem, aquelas com que se enfeitavam os Balanços antigos, meras lembranças que se perpetuam, talvez…

 

Com mais ou menos dor, outros amigos foram embora sem avisar. Outras perdas por contabilizar numa altura em que as contabilidades já não exercem em mim qualquer fascínio.

Agora, o toque do telefone já só traz inquietação.

– Quem foi embora hoje? – E amanhã quem será?

 

Não se julgue que só os amigos com quem lidámos durante a vida me trazem magoa e igualmente boas memórias, também aquelas pessoas que seguimos, mas sempre à distância de nunca as termos contactado, me causam dor, pela sua postura, pelo perfil que admiramos, sei lá, pelo que nos atrai nelas.

 

Em tempos aquando da morte de um português que eu respeitava, fui ao seu funeral. Sofri critica de um meu familiar a quem fez confusão eu estar a deslocar-me para uma despedida, eu que nunca tivera acesso ao seu círculo.

Mas para mim ele era meu amigo, comungava os mesmos princípios e sofria as mesmas dores. Eu fui, mesmo sabendo que se fosse ao contrário, ele não compareceria.

 

Mas não vamos terminar este texto só com tristezas.

 

Falemos então de um amigo que está longe e que já fez o seu aniversário neste ano agora começado.

Lá tive de acrescer mais um ano da grande irmandade que nos une, porém mais uma vez, sem a conseguir valorizar e ainda menos contabilizar.

 

Mas enviei-lhas, as duas quadras sem título, que fiz ao pequeno almoço desse dia, como se de torradas se tratassem e estivessem a saltar, vindas do meu sonho matinal:

 

“Eu queria abraçar-te hoje

Mas abraçar-te com tanta força

De modo a que ficasses pequenino

E voltasses ao ventre da tua mãe.

Renascendo, esperava a ver-te crescer

Até ficares um homem feito

Reconhecia-te nos nossos dias juntos

E voltava a abraçar-te até hoje.”

 

Sabem… os amigos tornam-nos mais fortes, mas a idade vai-nos amolecendo!

 

 

 

Mfaleixo.Jan2025

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