Continua a Arte-Xávega no Algarve

calar com cintaAo contrário do que muitos afirmam, a Arte-Xávega continua a ser praticada no Algarve. O Notícias da Gandaia foi verificar na Meia-Praia, em Lagos,e lá estava uma companha, sob o comando de Mestre José Bala e ainda a calar/puxar a braços com a cinta tradicional, tal como era na Costa, antes dos tratores.
Não é coisa recente, nem teve interrupções, pelo contrário, tal como se pode verificar por este artigo de João Garrancho no Jornal do Barlavento, datado de 2011, e que refere a licença de 30 anos com que esta companha opera. (Leia a versão no original clicando aqui). Como também se pode ler no artigo,

Dada a importância deste fato, publicamos aqui na íntegra o interessante artigo de João Garrancho, de forma a ficar acessível a todos quantos se interessam por este tema. Vamos ainda entrevistar o Mestre José Bala e fazer a nossa própria reportagem.

Esta companha de Mestre José Bala vem reforçar a importância da pesca de “Arte-Xávega” como fenómeno praticamente nacional, do qual dependem muitas famílias, mas também vem reforçar a especialidade da nossa Costa da Caparica, verdadeiro epicentro da “Arte-Xávega”, onde a “Xávega”, algarvia, e a “Arte”, das Beiras e ainda mais a norte, se encontraram há séculos e ainda convivem, como em mais lugar algum aconteceu ou acontece. Curiosamente, esta nossa capacidade de dialogar com a “Arte” e a “Xávega”, permitiu a companhas da Trafaria operarem nos areais do Algarve.

Além destes aspetos concretos e reais, como a sobrevivência de muitas famílias, é sempre bom não esquecer que a “Arte-Xávega” é uma atividade com cerca de 3 mil anos (segundo o reputado investigador Henrique Souto), pelo que a sua importância histórica, social e cultural é incomensurável e sustenta as pretensões de várias instituições – como a Gandaia – de a candidatar a Património Cultural da Humanidade.

«Arte da Xávega» ainda se arrasta na Meia Praia

Agarrou no que temos de mais genuíno; não o adulterou, mas juntou-lhe imaginação, sem grande confusão, planos estratégicos e outras modernices dispendiosas, obteve um excelente produto turístico, capaz de deleitar turistas de todas as nacionalidades e de qualquer grupo etário. Como não pediu subsídios, nem envolveu «experts», as autoridades turísticas nem dão por ele. Mas José Bala continua.

Durante anos, toda a gente pensou que a xávega, ou arte de arrastar para terra, um dos tipos de pesca mais antigos do Algarve, tinha acabado. E ainda há muitos que assim pensam e dizem que «só em algumas praias do Norte as podemos ver. Mas descaraterizadas, porque agora são puxadas por tratores».

O «barlavento» foi encontrar a xávega na Meia-Praia, em Lagos, numa forma quase original. Só o «calão» e o material em que as redes são fabricadas
beneficiaram do desenvolvimento tecnológico.

O que é a xávega? Em traços largos, é um modo de pesca apartir da praia, efetuada, no passado, por uma dúzia de marítimos auxiliados por duas ou três dúzias de camponeses. Necessita de praias de fundo arenoso e desenvolveu-se em Lagos, através
dos «índios da Meia-Praia», que a trouxeram de Monte Gordo.

Usa-se um barco, o «calão», que era operado por 4 pares de remos e hoje é uma lancha com motor. Nele se coloca a rede que vai ser lançada e nele embarca o mestre.
As «calas» são os cabos que servem para puxar as redes e podem ir até aos 3 quilómetros de comprimento. Uma ponta fica na praia e o barco entra pelo mar e vai arreando uma das «calas», atéRede que chega à «asa», um pano de rede de malha larga.

O conjunto das «asas» pode atingir um comprimento máximo de 320 metros, tendo várias partes distintas, com a malha cada vez mais pequena.

Assim, aumenta o número de malhas, mantendo a altura. Numa arte completa, as «asas» são compostas por «claro», «vagal», «caçarete» e «arcanelas».

A certa altura e à ordem do mestre, o barco começa a guinar para o lado pré-definido e segue paralelo à praia, sempre largando a rede, até chegar a um «pano de boca», que leva ao «saco», com um comprimento máximo permitido de 50 metros.
Larga o saco, o outro «pano de boca», parte da outra «asa» e vira para terra, largando o resto da «asa» e a «cala», cuja ponta vem deixar na areia. A distância entre as «calas», na praia, rondará os 100 metros.

A arte está agora na água, pronta para ser arrastada para terra, trazendo consigo o peixe que ficou cercado e cujas medidas não sejam suficientemente pequenas para lhe permitir escapar-se pelas malhas da rede.

Entra agora em cena o «pessoal da ajuda», que hoje seriam apelidados de mão-de-obra indiferenciada, constituído, no século passado, por desempregados,
crianças, mulheres, camponeses das redondezas…

O pessoal divide-se pelas duas «calas» e vai puxá-las de modo mais ou menos sincronizado, para que o saco venha a direito e o peixe não consiga fugir.
Para isso, cada um usa uma espécie de cinto, feito com um cabo grosso ou um bocado de rede (atualmente, usam materiais mais sofisticados), e colocado a tiracolo.

Posiciona-se de frente para o mar, enrola uma ponta solta do artefacto no cabo e vai puxando às arrecuas, sem tirar os olhos do mestre. Este, de pé na barca, vai dando as instruções, indicando com os braços qual o lado que deve puxar mais forte e qual deve abrandar, para trazer sempre a arte direita.

A determinada altura, começam a aproximar as «calas» para ir fechando a boca do saco.

O saco, ao ficar em seco, é aberto pelo fundo e o peixe começa a ser separado e agrupado por espécies e tamanhos, preparando-o para a venda.

O pessoal fixo, os pescadores, recebiam uma parte em dinheiro correspondente a uma determinada percentagem do valor da venda do pescado, acrescida
de um quinhão de peixe para comer. Os «ajudas» recebiam um quinhão de peixe. Se a pesca fosse fraca, o peixe mal daria para comer; se fosse farta, conseguiam vender e ganhar algum dinheiro.

Pelo que o «barlavento» observou, o atual «pessoal da ajuda» é composto por gente que pode vir de locais tão distantes como Barão de S. João, mulheres e homens, jovens e velhos, nacionais e estrangeiros residentes. E o seu trabalho é compensado com peixe, à moda antiga.

De vez em quando, um turista ou outro pede para colaborar, divertindo-se com a experiência. José Bala tem uma licença, há mais de 30 anos, que foi comprar à Salema. Segundo ele, a licença com que opera tem mais de 100 anos. E continua, mais por teimosia do que lucros, porque a burocracia aumenta quase diariamente.
Mantém o uso da força humana para puxar as redes, pois nunca lhe foi autorizado o recurso a um trator. Companha de Mestre BalaContudo, foram concedidas duas licenças a um empresário da Trafaria, que operou no mesmo local com o auxílio de tratores, pescando as noites inteiras. «Quando eu lá ia, não apanhava nada», queixa-se José Bala.
«Vendi 700 euros nessa temporada e o outro vendeu 200 mil euros».

As leis ditam que a pesca só pode ser feita entre as seis da tarde e as dez da manhã. Assim, em Julho e Agosto, quando o «barlavento» lá esteve, iniciava-se às seis e meia da manhã, às terças, quintas e sábados. Nos restantes meses, depende do tempo e da vontade do empresário.

Se puxar as redes para terra já é, por si só, uma experiência a não perder, a encenação final que
José Bala prepara, em cada dia, é qualquer coisa de magnífico e leva os turistas ao delírio.

As cavalas mais pequenas, sem valor comercial, são atiradas, às caixas, aos milhares de gaivotas que se amontoam no areal, à espera do petisco.

E então, acontece um pouco de tudo: um peixe disputado por duas ou três aves, gaivotas a virem tirar o peixe da mão espetada de quem quiser experimentar – e não tiver medo -, o momento em que ficamos com centenas de gaivotas a esvoaçar por cima de nós. E a emoção repete-se, porque lhes dão o peixe a espaços, para que os turistas que não conseguiram a foto ideal à primeira, a possam conseguir à segunda ou à terceira.

Isto é lindo, isto é único, isto podia tornar-se um excelente cartaz turístico e não custa dinheiro ao erário público. É só promovê-lo, o que é fácil, pois as imagens que proporciona são tão atrativas, que nem necessitam de palavras.

22 de Outubro de 2011 | 09:43
José Garrancho

Barlavento Online (http://www.barlavento.pt/index.php/noticia?id=51502#).

Notícias da Gandaia

Jornal da Associação Gandaia

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