Divagando Apenas

À Última Tertúlia

Evolui a humanidade. Desenvolvem-se as nações.

O progresso é o principal objectivo, único, impa­rável.

Os homens, felizes com as sucessivas vitórias obtidas contra a Natureza e orgulhosos dos avanços tecnológi­cos, sorriem.

Ávidos de novidade tudo consomem, indiscri­minada e des­ne­ces­sariamente, endividam-se, poluem, imaginam ter alcan­çado a felicidade e sorriem.

Já não olham para os outros homens, só eles próprios exis­tem e gostam do que vêem. Cultuam, egoística e narcisicamente, o eu, e com­pram espe­lhos, muitos espelhos, e transfor­mam a sociedade num imen­so labi­rinto onde se multiplicam até ao infinito os rostos da vai­dade.

Todos têm o mesmo ar feliz, seráfico, estúpido, alme­jam as mes­mas coisas banais, descartáveis, inúteis, e sorriem.

Os homens, originários da primordial e caótica amál­gama, ele­varam-se durante milénios a pata­ma­res espiri­tuais onde perde­ram a animalidade e adquiriram uma alma – Platão até a considerava neces­sária para estabelecer a diferença com os outros seres vivos – e, na sua pureza primitiva, sorriram.

Talvez, por se imaginarem deuses, os homens de hoje des­de­nham a alma e as coisas do espírito e caminham, aberta e cega­mente, pelas trilhas do egoísmo e do indivi­dua­lismo, des­co­nhe­cendo o sonho e vivendo agrilhoados a princípios fúteis.

Alienados e agarrados à matéria corrompida, tam­bém des­conhe­cem (o que Yeats há muito sabia) que a vida é apenas uma gota de água entre os oceanos infinitos das nossas duas eternida­des e, alar­ve­mente, sorriem.

Entretanto, numa ilha imaginária – chamemos-lhe Mada­gás­car – outros homens e mulheres, talvez mais sábios, vivem a sua uto­pia. Não são homens verdadeiros (onde estará a ver­dade?), são homens – como direi? – espirituais, por­que os envolve uma aura.

Cultivam o amor, e mais do que isso, a amizade; procu­ram o conhecimento, cuidam da alma, aca­lentam o sonho e também sorriem.

Sorriem porque a alegria inefável que sentem provém-lhes do espírito, iluminado pela luz pura que outros homens – igual­mente espirituais – irra­diam.

Habitam aquela ilha náufraga, perdida num mundo que retor­na abertamente ao caos, mas onde mil sóis explodem nas trevas e brilham intensa­mente sobre eles.

Ali, em completa harmonia e em total liber­dade, esses ho­mens são felizes e, humildemente, sorriem.

 

 

Reinaldo Ribeiro – Lisboa, 4 de Fevereiro de 2005

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