Nós e a Nossa Época – crónica de Luísa Costa Gomes

Os Prazeres dos Jogos de Vídeo

 

 

Os professores deviam ser obrigados a jogar qualquer coisa online: pode ser uma coisa de guerra com tiros e sangue a jorrar, mas também pode ser o Candy Crush ou outra balela qualquer que esteja ao nível do desenvolvimento mental de uma criança de três anos. No meu caso, é o Fruits Mania, e é coisa recente. O Fruits Mania é fácil mesmo quando é difícil. Percebe bem a psicologia do fracasso e do sucesso. Quando se fica no mesmo nível muito tempo a tentar passar, o génio que programou este jogo dá-nos uns bónus e deixa-nos subir de nível. Sabe que ninguém aguenta demasiada frustração e se não passa, desinteressa-se e vai jogar a outra coisa. O interesse do programador e de quem lhe comprou o produto é que o jogo se torne um hábito, ou como se dizia no meu tempo de moralistas, um vício. Um bom hábito é um hábito, um mau hábito é um vício. O jogo nunca acaba, porque o que o jogador quer é continuar a jogar, mas não estar a jogar sempre no mesmo patamar. Quer ter a ilusão permanente de ganhar, de estar a caminhar para qualquer lado, preferencialmente para cima. De facto, no caso do Fruits Mania, o jogo é mais ou menos sempre igual, mudando a fruta que se consegue ir destruindo espectacularmente. Os gráficos são excelentes, com explosões e volatilizações e esborrachamentos. Não tem qualquer mistério, é só preciso alinhar três maçãs ou três morangos. Ou quatro, ou cinco. Mas aprende-se rapidamente como fazer e depois tornamo-nos cada vez melhores a alinhar frutas. No princípio, conseguia estar umas três horas seguidas nesta patetice, sem qualquer culpabilidade. Agora que já vou no nível setecentos mil e qualquer coisa, o tédio começa a ser um problema. Ainda controlável. A verdade é que já sou mais que doutorada em Fruits Mania e ainda não percebi como raio se faz para ter uma estrelinha.

O que me dana é isto: se é possível uma criança, ou um adulto, estar horas e horas absolutamente concentrado num jogo que tem por vezes algumas dificuldades, abandonando tudo e todos, incomunicável, sem comer e sem beber, porque não se consegue viciar o mesmo menino em matérias escolares? Porque não se faz com que fique agarrado à Matemática, aos poetas maneiristas, à Astrofísica? Porque será que as tecnologias, cujo potencial para o bem-fazer é reconhecidamente infinito, são sempre desbaratadas na crueldade ou na idiotia? Aquilo que se aprende na dinâmica motivacional do jogo é que ela não tem a ver com o conteúdo, mas com a forma – fragmentar o conhecimento em pequenas unidades, organizá-las numa sequência, dar uma recompensa no final de cada unidade. Pode ser um torrão de açúcar em tratando-se de cavalos. No caso dos jogos, a recompensa é pontos virtuais, quer dizer, ter a possibilidade de continuar em jogo. Mas esta recompensa tem de ser justa: não posso esperar passar de nível só com bónus. A minha auto-estima não é assim tão baixa. Dizem-me os intelectuais que a vida não é um jogo, que a verdadeira aprendizagem não é a da competência que nos ensina a passar de nível como um cão amestrado, que as faculdades da linguagem, da abstracção e da inteligência não se desenvolvem com acções mecânicas. A verdade é que o nosso cérebro se aborrece cada vez mais com exposições de vinte minutos, que digo?, com exposições de dois minutos. Já estamos a brincar no telemóvel e a pensar em mudar de canal. Isto é que não vai mudar. Como aprender então a brincar com coisas sérias? Esse é que é, como se costuma dizer, um desafio com futuro.

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