O Conceito de Cultura da Gandaia

Nas últimas semanas a Gandaia tem assistido a algumas intervenções públicas que levantam o problema do conceito de Cultura da Gandaia, colocando mesmo a questão se não estaríamos a sair do espaço próprio de uma associação cultural ao defender, por exemplo, o Transpraia, ou outras questões semelhantes.

Muito se tem falado em Cultura e muito se usa este termo. Por ser tão referido, temos a certeza que sabemos o que significa. Porém, como é utilizado em tantos contextos e com tantas intenções, o seu significado é muito menos claro do que pensamos.

Muitas vezes se fala de cultura como o conjunto de produções artísticas, culturais e científicas de um povo. Assim, neste exemplo, quando se fala do valor da cultura portuguesa, estaremos a referir-nos à obra de Luís de Camões, Pedro Nunes, Saramago, António Damásio, Paula Rego, etc.

Nos currículos académicos das licenciaturas que estudam a língua e a cultura, por exemplo, inglesa, francesa, alemã, é frequente ser este o conceito de cultura que prevalece, estudando-se a literatura e a história desses povos.

Não é com esse conceito que a Associação Gandaia trabalha. O conceito que usamos vem da antropologia e da sociologia e vincula-se à relação entre os indivíduos de uma comunidade e deles com o seu ambiente. Não tem só a ver com esta produção no passado ou no presente, mas sim com a forma como se vive, muitas das vezes sem sequer termos consciência que seguimos uma série de normas, parecendo-nos que “é natural”, exatamente pelas mesmas razões que estranhamos outros costumes diferentes, que consideramos “estranhos”. Obviamente, para essas pessoas, os estranhos somos nós.

A cultura é essencial à espécie humana. Antes de mais, garante a sobrevivência da própria espécie. No percurso evolutivo da humanidade, a cultura, enquanto capacidade de transmitir conhecimentos às gerações futuras e enquanto capacidade de orquestrar comportamentos, permitiu uma “via rápida” que o processo biológico poderia alcançar apenas numa escala temporal muitíssimo mais alargada, na ordem dos milhares de anos.

A Associação Gandaia integra o conceito de cultura restrito às expressões artísticas, etc no nosso conceito, que é muito mais lato. Isto, naturalmente, sem retirar nenhuma importância à produção artística, científica, etc. que tem o merecido relevo que todos lhe reconhecemos, pelas mais diversas razões, que não cabe aqui discutir ou, sequer, nomear.

Para o nosso conceito, contribuem as seguintes definições:

Geert Hofstede: “The collective programming of the mind that distinguishes the members of one group or category of people from another.”

Clyde Kluckhohn: “Culture consists in patterned ways of thinking, feeling and reacting, acquired and transmitted mainly by symbols, constituting the distinctive achievements of human groups, including their embodiments in artifacts; the essential core of cullture consists of traditional (Le. historically deerived and selected) ideas and especially their atttached values.”

Kroeber and Parsons: “Transmitted and created content and patterns of values, ideas, and other symbolic-meaningful systems as factors in the shaping of human behavior and the artifacts produced through behavior”

Fons Trompenaars: “Culture refers to shared assumptions, beliefs, values and norms, actions as well as artefacts and language patterns. It is an acquired body of knowledge about how to behave and shared meanings and symbols which facilitate everyone’s interpretation and understanding of how to act … culture will determine how a group of people will behave.”

Marvin Harris: “Cultura é o conjunto aprendido de tradições e estilos de vida, socialmente adquiridos, dos membros de uma sociedade, incluindo os seus modos regulados e repetitivos de pensar, sentir e atuar (ou seja, o seu comportamento).”

Anthony Giddens: “A cultura refere-se aos modos de vida de uma sociedade (…) engloba tanto aspetos intangíveis – as crenças, as ideias e os valores que constituem o teor da cultura – como os aspetos tangíveis – os objetos, os símbolos ou a tecnologia que representam esse conteúdo.”

Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) (2002): “… Culture should be regarded as the set of distinctive spiritual, material, intellectual and emotional features of society or a social group, and that it encompasses, in addition to art and literature, lifestyles, ways of living together, value systems, traditions and beliefs”.

Peter Walters: “Shared schematic* experience”.

*Nota: Em psicologia, schema (plural schemata), é uma estrutura mental que representa algum aspeto do mundo.

Wikipedia: “All the behaviors, ways of life, arts, beliefs and institutions of a population that are passed down from generation to generation. Culture has been called “the way of life for an entire society.” As such, it includes codes of manners, dress, language, religion, rituals, norms of behavior such as law and morality, and systems of belief as well as the arts and gastronomy”

 

Apesar da confluência de tantas formas de definir a Cultura, podemos ainda tentar descrever ainda melhor o que é a Cultura, tal como a entendemos na Associação Gandaia.

Com esse objetivo, vamos agora socorrer-nos de duas imagens propostas por Geert Hofstede, no seu livro Culturas e Organizações. Este autor, sublinhamos, é o primeiro dos citados nas definições que atrás apresentamos. Esperamos que as duas imagens possam contribuir para uma melhor compreensão deste conceito.

   

 

Nesta primeira imagem, o autor tenta demonstrar as “camadas” presentes em qualquer pessoa: a primeira, e maior, é composta pelo que biologicamente herdou como ser humano; depois, a Cultura (aprendida em sociedade) e, finalmente – e em menor proporção – as características individuais: a personalidade.

 

Nesta segunda figura, que imita a constituição de uma cebola, representando uma série de camadas que partem do exterior, mais acessível, para as camadas interiores, mais difíceis de transformar, uma vez que são interiorizadas de forma lenta e incipiente. De notar a transversalidade das Práticas, que emergem e sobrevivem dos Símbolos, Heróis e Rituais.  

Como se pode ver, não só pelas definições apresentadas como por estas imagens, ficamos a compreender claramente aquilo que a Associação Gandaia quer dizer quando invoca o conceito de Cultura. Quando dizemos que precisamos de melhorar a maneira como vivemos aqui, estamos profundamente conscientes que nos propomos atuar na Cultura. Constituir uma voz, na nossa comunidade, que influencie a Cultura.

A Associação Gandaia defende os valores da integridade, transparência, autenticidade, respeito e solidariedade, defendendo a democracia como o sistema que melhor responde a estes valores.

Desde o primeiro momento a Associação Gandaia definiu os Símbolos desta nossa comunidade e tem sido a primeira na luta pela sua defesa: Os Palheiros, A Arte-Xávega, O Transpraia, O Meia-Lua, A Casa da Coroa, A Igreja Velha, as Terras, só para mencionar alguns. Temos defendido, na Junta de Freguesia e na Câmara Municipal a necessidade de criação de um projeto museológico no Centro da Cidade, a céu aberto, que consagre e promova precisamente esses símbolos, fortalecendo, ao mesmo tempo, a sua evolução para Centro Histórico.

Também estamos, pensamos, no bom caminho com os Heróis, as personalidades reconhecidas na comunidade, começando com o Tarzan, capitalizando num trabalho pioneiro de alguns caparicanos, mas continuando esse propósito, sobre o qual esperamos trazer novidades em breve, mas que já propusemos à Junta de Freguesia em relação a Mário Silva Neves. Estamos a desenvolver, na medida das nossas exíguas possibilidades, um trabalho com Mário Bengala, sobre quem já saiu um pequeno artigo no Notícias, e também com Joaquim Cavalinha e sua esposa Adelaide, trabalho infelizmente perdido com o furto, na habitação do autor, do seu computador e máquina fotográfica.

A Associação Gandaia está apostada no fortalecimento da cultura da nossa comunidade. A força dessa cultura faz a diferença entre sermos uma comunidade, ou simplesmente parte da fauna desta região.

Nos tempos que estamos a viver, com poderosas forças massificadoras, despersonalizantes, que geram fenómenos sociais negativos de exclusão e marginalidade, precisamente pela dissipação dos laços familiares e comunitários, agir para o fortalecimento dos símbolos identitários, da memória coletiva, da consciência social solidária, parece-nos um dever de cidadania e responsabilidade social.

Os valores que defendemos são também claros e explícitos desde o princípio das nossas atividades e, a bem da verdade, até antes. Mas repetimos: a A Associação Gandaia defende os valores da integridade, transparência, autenticidade, solidariedade e respeito pelas pessoas e instituições, defendendo e praticando a democracia como o sistema que melhor se adequa a estes valores.

Finalmente, para a Associação Gandaia, a definição da Cultura como campo de ação, deve ser entendida também como a exclusão da ação da Gandaia noutros domínios, nomeadamente o político-partidário e as naturais e consequentes candidaturas aos cargos executivos das instituições democráticas, nomeadamente as autárquicas. Não é nesse âmbito que a Associação Gandaia se coloca, pelo que não promoverá qualquer candidatura própria ou de outros.

Fica para último, o primeiro objetivo da Gandaia: a recuperação, operacionalização e sustentabilidade do Auditório Costa da Caparica, antiga sala Impala Cine, encerrada há mais de uma década. Trata-se de um equipamento essencial para qualquer comunidade, um local de reunião, um local de apresentação, formação e educação. Mas é ainda mais. Acreditamos que as expressões artísticas são muito importantes para a oferta turística da Costa da Caparica e podem desempenhar um papel de relevo na economia local.

 

2 thoughts on “O Conceito de Cultura da Gandaia

  • 12 de Outubro, 2012 at 23:38
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    Gostei de ler. Mostra mais consistência e profundidade do que o usual.

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