Sobre o Amor

DIVAGANDO SOBRE O AMOR

À beira do entardecer de um admirável dia, a paisagem des­maia sob o olhar suave do sol.

Enquanto as mansas águas do rio fluem lentamente para o vasto oceano que as aguarda mais abaixo, olho aquele casal junto do parapeito. Ambos são muito jovens. Abraçam-se, beijam-se e sor­riem ternamente um para o outro. É evidente que se amam com toda a pujança e o ardor da sua juventude. O seu com­pleto alheamento do mundo faz-me pensar no sortilégio do Amor, a cuja força nada se opõe e que tudo domina.

Que sentimento é este que se manifesta de tantas e varia­das maneiras e é sempre, em qualquer delas, uma forma de despren­dimento pessoal e de dedicação ao outro?

Com efeito, estes jovens, devido ao sentimento que deles se apo­derou, já não vivem em si, mas no outro. Transcende­ram-se. O amor situou-os, alternativa e reci­pro­camente, na esfera do absoluto onde se elevam e exaltam. Quanto mais se afas­tam de si mesmos, mais se aproximam do outro, o objecto amado.

Esta é uma das formas de Amor mais facilmente per­cep­tí­veis porque se banalizou pela exteriorização. Além do mais é aquela que na sua expressão mais extremista alcança a Paixão, estágio avançado que altera e aliena a consciência daqueles que por ela são possuídos.

Contudo, existem outras formas de amor que se mani­fes­tam de manei­ras diversas e que são igualmente impor­tantes. Entre estas contam-se os actos simples do quoti­diano como ouvir músi­ca, olhar uma paisagem, sentir o odor inebriante da terra molha­da pelas primeiras chuvas, apreciar o sabor ado­cicado das uvas amadurecidas pelo sol de Setembro, criar ou fazer algo, seja uma obra artís­tica, plantar uma flor no jardim ou experimen­tar a solidariedade. Dependendo da maneira como os faze­mos, todos estes actos podem ser con­siderados como expres­sões de beleza, logo actos de Amor.

Também são suas manifestações as sensações sofridas em cada momento da nossa vida, desde que as experi­mentemos obedecendo às regras do honesto e do justo. É devido à estreita relação entre o Belo e o Amor que Eros se torna belo quando nos leva a amar segundo as leis que a Beleza impõe.

O amor pode ser considerado uma forma de iniciação quando o sagrado e o oculto se aproximam e se encon­tram. Na verdade, todos aqueles que nunca experimenta­ram este sentimento enten­dem o Amor como um mistério, um ritual algo assustador exis­tente num universo distinto e afastado dos prazeres primários do quotidiano. Dissemos prazeres primários porque o Amor é um prazer superior e existe como uma força poderosa que submete e subverte pela experiência sensorial aqueles que nele se enleiam.

Por outro lado, os que viveram as experiências iniciáticas do Amor sabem que estas são mais do que um rito de passagem, são a sublimação do Ser, o encontro do Belo, a transcendência absoluta com total abertura do espírito; através dele tomam conhecimento da humildade, despoja­mento e abandono que o Amor pressu­põe. É uma sensação de lascívia, idêntica ao abraço do sono, a um orgasmo inten­so ou ao apelo da morte, que requer intensa sensualidade e sedução para que o prazer seja finalmente atingido.

Mas o amor é, acima de tudo, mistério. Quem sabe onde se situa? Fará parte da Alma platónica e, portanto, é um prazer superior localizado no coração e um desejo da perpétua posse do bem? Ou os românticos terão razão ao fazerem-nos crer que o Amor reside no coração humano e é alimentado pelos sentidos? Onde estará afinal a verdade e para que servirá ela?

Indiferentes às minhas dúvidas, os jovens continuam a amar-se num longo e terno amplexo. Toda a claridade sufi­ciente e a deliciosa obscuridade da harmonia fazem com que os reflexos dourados do sol poente lhes incen­deie os cabelos e a calma das águas do rio lhes beatifique as fisionomias. Será inesgotável a origem do seu amor, chamemos-lhe fonte, ou submeter-se-á também às rígidas leis da física em que tudo tem um princípio e um fim, ou que, como a matéria, está em eterna transformação?

De igual modo permanece a incógnita sobre a intensi­dade de Amor que cada um deles consegue dar e receber? Apenas sei que quanto mais amam, maior é o seu estado de êxtase sem possibi­lidades de combi­nar o Amor em fracções idênti­cas ou aumentá-lo ou diminui-lo de acordo com a sua von­tade, porque desconhe­cem qual o meca­nismo que o controla.

Aqueles jovens amantes não se preocupam com estas ques­tões, pois o futuro é-lhes indiferente. Interessa-lhes apenas viver inten­samente o presente, possuídos que estão, pela força esplên­dida que lhes incendeia os corações genero­sos e, alheados, igno­ram por completo o mundo à sua volta.

Envoltos pelo esplendor natural do pôr-do-sol que se esvai no horizonte como um sol adormecido, e recortados na pai­sagem do crepúsculo, vejo-os afastarem-se de mãos dadas ao encontro do futuro que imaginam apaixonado e apaixonante.

E eu, inconscientemente, fico a pensar na Amizade, sabendo que o amor é o desejo de a alcançar em alguém que nos atrai pela beleza. Igualmente compreendo que o amor reveste as formas de amizade e que se esvai ou defi­nha quando se estabelece uma con­cordância das vontades.

Abandono estes pensamentos excessivamente filosófi­cos e re­cor­do Baudelaire que se limitava a amar as nuvens… as nuvens que passam ao longe… as maravilho­sas nuvens.

Reinaldo Ribeiro, 2001

 

O Amor Busca para que o Entendimento Encontre

Não basta a agudeza intelectual para descobrir uma coisa nova. Faz falta entusiasmo, amor prévio por essa coisa. O entendimento é uma lanterna que necessita de ir dirigida por uma mão, e a mão necessita de ir mobilizada por um anseio pré-existente para este ou outro tipo de possíveis coisas. Em definitivo, somente se encontra o que se busca e o entendimento encontra porque o amor busca. Por isso todas as ciências começaram por ser entusiasmos de amadores. A pedanteria contemporânea desprestigiou esta palavra; mas amador é o mais que se pode ser com respeito a alguma coisa, pelo menos é o germe todo. E o mesmo diríamos do dilettante – que significa o amante. O amor busca para que o entendimento encontre. Grande tema para uma longa e fértil conversa, este que consistiria em demonstrar como o ser que busca é a própria essência do amor! Pensaram vocês na surpreendente contextura do buscar? O que busca não tem, não conhece ainda aquilo que busca e, por outra parte, buscar é já ter de antemão e conjecturar o que se busca.
Buscar é antecipar uma realidade ainda inexistente, preparar o seu aparecimento, a sua apresentação. Não compreende o que é o amor quem, como é habitual, se fixa somente no que desperta e desfecha um amor. Se o amor por uma mulher nasce pela sua beleza, não é a complacência nessa beleza o que constitui o amor, o estar amando. Uma vez desperto e nascido, o amor consiste em emitir constantemente como uma atmosfera favorável, como uma luz leal, benévola, em que envolvemos o ser amado – de modo que todas as outras qualidades e perfeições que nele haja poderão revelar-se, manifestar-se e nós as reconheceremos. O ódio, pelo contrário, coloca o ser odiado sob uma luz negativa e só vemos os seus defeitos. O amor, portanto, prepara, predispõe as possíveis perfeições do amado. Por isso nos enriquece fazendo-nos ver o que sem ele não veríamos. Sobretudo, o amor do homem pela mulher é como uma tentativa de transmigração, de ir para lá de nós mesmos; inspira-nos tendências migratórias.

Ortega y Gasset

 

One thought on “Sobre o Amor

  • 7 de Março, 2019 at 16:04
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    Companheiro amigo, depois dizes que dormes pouco…Os teus textos carregados de romantismo absorvem o teu tempo e pouco te resta para sossegar. Um tratado para aqueles que vivem carregados de ódio, lerem e aprenderem uma alternativa para as suas vidas.

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