Eleição de Trump
Muito se tem falado e escrito sobre a recente eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos.
Daniel Oliveira fez uma análise que me parece essencialmente correta e que, no fundo, fala do apelo de Donald Trump aos “cidadãos em perda”. Também faz um paralelo ao “Brexit”, comparando com Nigel Farrage e Boris Johnson e prevendo o sucesso de Marine Le Pen.
É aqui que bate o ponto.
Naturalmente, Daniel Oliveira tem as suas propostas políticas que passam pelo realinhamento do discurso dos partidos de esquerda. Não é essa a questão que me ocupa.
O meu interesse vai para os tais “cidadãos em perda”, tentando lançar alguma luz sobre esse novo fator, deixando as estratégias políticas para quem se ocupa dessa matéria. De qualquer das formas, essa estratégia depende de uma correta análise deste novo setor social.
Como todos sabem, mas nem sempre ligam os pontos e integram este conhecimento, nos últimos 30 anos temos vivido, a ritmo galopante, dois processos de alterações profundas nas sociedades industrializadas (à falta de melhor termo). Refiro-me à Globalização e à Revolução Tecnológica, digital mas não só.
Estes dois processos que ocorrem em paralelo mas por razões distintas, têm uma incidência social semelhante e, para agravar ainda mais as coisas, cumulativa.
No processo de globalização assistimos ao que eufemisticamente se tem chamado de “deslocalização”. Ora esse termos é evidentemente enganoso, as fábricas saem realmente de um lugar mas vão para outro. O que se está a passar é um processo de esmagamento de custos, nomeadamente do trabalho, mudando a produção para países onde os salários são mais baixos. por exemplo de Portugal para os países de Leste, mas não se ficou por aí, depois, do Leste passaram para a China e alguns mesmo da China para o Vietname, etc.
Esta “deslocalização”, é ainda mais acentuada pelas políticas de ataque aos direitos sociais, principalmente de quem precisa deles e, sobretudo, por quem, no passado, teve formas de lutar por eles, através dos sindicatos com ferramentas jurídicas como a contratação coletiva. Refiro-me aos trabalhadores por conta de outrem.
A par desta enorme transformação, profunda e alargada, decorre uma não menos poderosa transformação tecnológica que fez substituir mão de obra humana por máquinas. Ou, simplesmente, através dos novos instrumentos digitais, deixou de ser necessária tanta mão de obra, sobretudo, não especializada.
Obviamente, estas transformações dão-se em duas faces duma mesma moeda. No mundo ocidental é uma coisa, no resto do mundo – que não apenas da Ásia – é outra.
Mas foquemo-nos no nosso mundo ocidental, que é o palco que agora tratamos.
Agravando tudo isto, está o fato de, apesar de se estar a produzir mais riqueza, essa riqueza fica nas mãos de muitíssimos poucos. Uma grande fatia da sociedade ouve falar nessa “recuperação” mas não sente nada semelhante a isso. Especialmente nos Estados unidos, onde perderam casa, emprego e reforma na crise de 2007, sem ver os seus responsáveis castigados. Pelo contrário, passaram simplesmente do governo de Bush +para o de Obama.
Ainda nos Estados Unidos, é preciso não esquecer que foi precisamente Clinton o responsável pela grande desregulação que motivou esta crise, dando maior relevo ao que já tínhamos ouvido antes sobre “votar em quem se odeia menos”.
Estas pessoas não vêem nem sentem os benefícios da globalização, e ainda por cima são excluídos do mercado de emprego devido às grandes transformações tecnológicas.
É este grande e novo segmento das sociedades ocidentais que se está a manifestar. E é preciso ouvi-lo, porque as repercussões poderão vir a ser incomensuráveis e nada terem a ver com a correção destes fenómenos, antes pelo contrário, como no caso de Trump, ainda o virem agravar mais.