Bolas a Vapor
Quem aqui chega, provavelmente já sabe ao que vem. As bolas de Berlim tornaram-se um clássico na Cova do Vapor.
A Padaria Panicova é uma empresa familiar que Eduardo Ferreira, o dono, herdou dos pais. Atualmente emprega também a sua família: a esposa, filhos, nora e genro. Eduardo e o seu filho, Henrique Ferreira (na foto), encarregam-se do fabrico e as mulheres são responsáveis pelo balcão.
Hoje em dia todos residem aqui na povoado com as respetivas famílias, embora os filhos de Eduardo tenham nascido em Coimbra, de onde é natural a sua esposa.
“No verão, fazemos uma média de 1200 bolas por dia. Encho aquele balcão com cinco tabuleiros de pastelaria, são duzentas bolas de Bolas de Berlim, às vezes antes do meio-dia já acabaram. Eu não frito as bolas de Berlim à noite, vou fritando ao longo do dia para manter as características do produto”. Quem o diz é Eduardo Ferreira, que não deixa os créditos por mãos alheias, “ a nossa publicidade é de boca a boca, é o cliente que aqui vem a primeira vez e reconhece a qualidade.” Isso explica o facto de virem pessoas de fora de propósito para comer os famosos bolos da Cova do Vapor.
Sem revenda, as bolas de Berlim são apenas vendidas ao balcão da padaria. E embora já tenha ponderado a venda ambulante na praia, a ideia ficou por terra. Eduardo Ferreira justifica: “Aqui há uns anos houve dois problemas gravíssimos e as pessoas não sabiam qual era a origem do produto que os vendedores tinham dentro dos carros ambulantes. Foi na praia da Saúde e para os lados da Fonte da Telha. Um produto alimentar daqueles, cheio de creme, frito durante a noite, que está à torreira do calor dentro dum carro um dia inteiro, eu acho que vendê-lo nestas condições é estar mesmo a brincar com a saúde de toda a gente. “
O padeiro orgulha-se do seu ganha-pão, e com razão. “Pelas análises que são feitas ao meu produto, eu garanto 100% de qualidade. Há dois anos, quando a ASAE andou por aí a fechar imensas casas, tivemos aqui uma grande inspeção e até a Dra. ficou admirada por eu não ter uma única reclamação, com o estabelecimento aberto há tantos anos. E eu disse-lhe logo que isso era uma prova de que alguma coisa está bem!”.
Além das bolas (com creme, chocolate de avelã e simples), têm uma receita de pastelaria que está ainda por patentear por considerarem os custos elevados. São os pastéis de nata sem ovos.
A Padaria Panicova está aberta todos os dias, de segunda a domingo. Só encerra dois dias no ano, no dia de Natal e Ano Novo. Com o horário das 7h às 20h, já se vai ponderando a possibilidade de o estender ao período nocturno. Ao longo do tempo foram feitas remodelações e avanços no espaço, todas as obras na padaria têm sido filmadas. O fabrico que era antes no 1º andar, onde é agora a habitação da família, passou para o andar de baixo, juntamente com a padaria.
Eduardo Ferreira, que celebra este mês 54 anos, é filho da terra e sempre residiu aqui. A sua história de família está por isso estreitamente ligada com a história desta estância balnear.
O pai, Manuel Augusto Ferreira, era conhecido por Manel da Fruta. A origem do nome vem da altura do Lisboa Praia. Com visão para o negócio, vendia fruta no pontão marítimo do trajeto Lisboa Praia-Cova do Vapor, que ficava a cerca de 600 metros do areal de ambas as costas. Este era o seu sustento na época de veraneio.
No Inverno o cenário era diferente. Com a subida do mar na década de 30, foi necessário o recuo das habitações. A translação das casas era feita por uma junta de bois com 2 zorras de madeira com rodas de 80 cm de diâmetro por 1 metro de largura. Uma ideia projetada pelo próprio Manel da Fruta, que chegou a empregar cerca de 40, 50 homens nesta tarefa.
Apesar de algumas habitações terem sido desfeitas pela fúria do mar, Manuel Ferreira conseguiu “salvar” bastantes. Mais tarde, nos anos 60, e por esta razão, um jornalista de “ O Século” que entrevistou Manuel Ferreira acerca das translações das casas apelidou-o de Lobo do Mar. Algumas delas, da Lisboa Praia, foram deslocadas para a Praia da Saúde, onde podem ser apreciadas hoje em dia.
O cai bem, refresco oficial da Cova do Vapor, também tem origem na família de Eduardo Ferreira. A bebida chegou à Cova do Vapor, nos anos 90, através dum cunhado seu que regressou da Venezuela, onde esteve emigrado durante 37 anos.
A bebida original era feita à base de ginja, gasosa e hortelã. Entretanto a receita adotada por outros comerciantes foi sendo alterada para ginja, gasosa e sumo de limão. E apesar de os ingredientes serem sempre os mesmos, a verdade é que o sabor do cai bem difere entre estabelecimentos.
Como morador da Cova do Vapor, Eduardo Ferreira, acredita que a visão da Câmara Municipal de Almada em relação ao bairro tem vindo a melhorar ao longo dos anos. “Com a autarquia temos uma relação boa, derivada do facto deles reconhecerem que nós somos um povo de muito trabalho. Tudo o que aqui temos tem sido à custa da luta e muito sacrifício de todos nós, da comunidade no geral”, contudo, acrescenta “pagamos água e luz própria, o saneamento que não o temos também pagamos. Os serviços fazem essa recolha “gratuitamente” duas vezes por ano, eles dizem que é gratuitamente mas sabemos que não, porque nós já estamos a pagar o imposto. Pagamos IMI, se calhar até acabamos por pagar mais porque temos uma frente de mar e os custos destes terrenos são altíssimos.”
Eduardo Ferreira não se esquece de elogiar o espírito bairrista, “isto é como se fosse uma família, toda a gente se conhece”, reforçando ainda que “a Cova do Vapor é um sítio maravilhoso, mas de facto não temos estruturas para suportar milhares e milhares de pessoas que frequentam estas praias no Verão. Um cantinho como o nosso não deve haver em muitos lugares do mundo, tanto que a procura é cada vez maior”.
Depois de sermos convidados a assistir a todo o processo de fabrico das bolas, executado por Henrique Ferreira, o filho, e porque doutra forma não poderia ser, seguimos viagem de bola de Berlim na mão. Qualidade comprovada, resta-nos dizer!