Cova Do Vapor, Foz Do Tejo
O nosso “mergulho” nesta aldeia costeira começa na Associação de Moradores da Cova do Vapor, reaberta em Março de 2015 com um investimento de 42000 € na melhoria das instalações.
José Cleto, 50 anos, Presidente da Associação desde 2009, conduz-nos numa viagem pela Cova do Vapor, desde a sua origem nas décadas de 20, 30, até aos dias de hoje.
Com cerca de mil habitantes, dispersos por 350 habitações, este povoado tem uma identidade muito própria. Aqui até os nomes das ruas são escolhidos pelos moradores, com base em pequenas histórias. Começou por ser um bairro clandestino, e atualmente é considerado um bairro de génese ilegal.
Esta estância balnear possui duas praias, uma mais pequena conhecida como a praia da Cova do Vapor e a outra, ao lado, conhecida como a do Albatroz, devido ao nome do restaurante que montou estacas no areal.
A tendência para a Cova do Vapor aparecer em roteiros turísticos é cada vez maior e a qualidade da água das suas praias tornou-se reconhecida. Deixou de ser a praia “esquecida” da Costa e há quem a prefira por ser menos frequentada e ter características que a distinguem de todas as outras. “Num bom fim-de-semana de Agosto chegamos a ser cerca de mil pessoas a entrar e a sair da Cova do Vapor, aliás, a determinada altura nem se consegue entrar ”.
As raízes deste bairro costeiro remontam à década de 20, altura em que a antiga Lisboa Praia era considerada um núcleo de turismo da burguesia lisboeta. As pessoas apanhavam o “ferry”, o Vapor, para a Lisboa Praia que era situada um pouco mais a oeste da atual costa.
A partir daí começou a ganhar fama, cada vez vinham mais turistas, e começaram a ser erguidas construções na zona. As casas de madeira ao estilo dos palheiros de pescadores, muitas vezes contruídas em cima de estacas (palafitas), que foram criadas para guardar utensílios de pesca passaram a ser habitadas, para que os pescadores ficassem mais perto do mar, o seu ganha-pão.
No fim da década de 40, início de 50, o mar subiu e fez com que a Lisboa Praia desaparecesse praticamente. Por esta altura, este já era considerado um núcleo piscatório com alguma dimensão. Algumas dessas habitações tiveram de ser removidas por juntas de bois sobre rolos de madeira por alguns habitantes da Cova do Vapor. Entre eles, o pai do Sr. Eduardo Ferreira, da Padaria Panicova, história que desenvolveremos mais adiante.
O “boom” da Cova do Vapor deu-se realmente depois do 25 de Abril. “Antes disso havia um núcleo piscatório, algumas casas que entretanto se foram construindo, ilegalmente, como é lógico, mas com o 25 de Abril houve um aproveitamento da questão”, contextualiza José Cleto.
Dias depois das fortes chuvadas de Maio, parece-nos importante perceber o impacto do mar na aldeia nos dias de hoje. “Sabemos que o mar está a subir e todo o litoral português está exposto, mas a Cova do Vapor relativamente ao nível do mar encontra-se mais alta do que as praias vizinhas. Ainda agora nestes dias de intempérie houve mais problemas na Costa da Caparica e na Trafaria do que na Cova do Vapor. Aqui o que aconteceu foi que a água saltou a muralha e a estrada em volta começou a ficar esburacada.”
Nada comparado com o que acontecia em anos anteriores. Em 2010, houve um reforço das muralhas porque já se encontravam muito degradadas. Até aí, a última intervenção fora em 2004, em que não mudaram a pedra, apenas tentaram remediar a situação. Na opinião de José Cleto cometeram ainda um erro “ao tirarem um quebra-mar que tinha cerca de 30 metros, arredondaram a muralha, como em Belém, fica mais bonito mas acaba por ser ineficaz”.
Atualmente 90% das casas já são em alvenaria, as que ainda têm madeira é só para manter a fachada. As construções da Cova do Vapor são consideradas na sua maioria ilegais, pois não têm licença de habitabilidade, que é passada pelos serviços camarários, mas essa é a única diferença. Os seus habitantes pagam IMI, água e luz à Câmara de Almada (CMA), como qualquer munícipe do concelho. O comércio paga o IRC, como em qualquer outro sítio. “O que é de lamentar é que a parte do imposto que deveria ser reinvestido na Cova do Vapor não é, porque tudo o que aqui se vê na Cova do Vapor foi pago pelos moradores. A CMA e a Junta de Freguesia não financiam nada.”
E perante as adversidades, a resposta dos moradores foi surgindo. Até para ter acesso a condições básicas como luz e água. José Cleto explica: “Há umas décadas atrás pagou-se para termos acesso a água, conseguimos pôr um ramal de água com um chafariz. Pagámos nós tudo para a água chegar cá à Cova do Vapor e depois cada um pagou o ramal até sua casa, ou seja foi um investimento nosso!”
Na primeira década de 80 existiu o mesmo problema com a energia elétrica, uma vez que não existia luz pública. Era tudo à base de geradores, gás, baterias mas como a Cova do Vapor estava a crescer cada vez mais a Associação de Moradores da Cova do Vapor, juntamente com a EDP, deu a volta à questão. “Em 1981, cada casa pagou, salvo o erro, 11500 escudos, só para a energia chegar à entrada da vila. Mais uma vez, cada morador pagou para a levar até sua casa e todas as despesas inerentes a ter energia elétrica, com segurança, dentro de casa.
A comunidade local é servida por sistema de drenagem de eletrobombas, uma obra de 37,500 € , mais uma vez paga pelos habitantes. Desta vez houve um apoio, que José Cleto reconhece, “já agradeci pessoalmente ao Vereador José Gonçalves, o facto dos SMAS, desde o início até ao fim da obra, estar alerta para qualquer eventualidade, porque havia sempre o perigo duma máquina cortar uma conduta de água, como de resto aconteceu”. Os SMAS forneceu mapas, ajudas técnicas sobre o material mais adequado e assegurou uma equipa de piquete. O financiamento para a obra conseguiu-se através de peditórios aos moradores. Na altura, foi feita uma Assembleia Geral, em que se pediu 50€ por cada casa, e apesar de ser um montante reduzido já era um grande contributo. Esse peditório ainda decorre, há pessoas que nunca tiveram possibilidade de pagar.
Para a angariação, em 2011, foi realizada uma Grande Noite de Fados. A antiga Junta de Freguesia da Trafaria disponibilizou a aparelhagem e técnicos de som, os Bombeiros disponibilizaram parte do mobiliário. A festa, que começou às 22h durou até às 6h da manhã, mas no fim ainda faltava metade do dinheiro. Ainda assim, a obra começou em Junho, “o empreiteiro deixou-nos fazer um plano de pagamento, e para se poupar algum dinheiro, eu e outros moradores abrimos as valas para a drenagem”.
A pavimentação teve de ser assegurada por uma empresa especializada, e a obra terminou em Agosto de 2011. Até à data, era tudo terra batida. No Inverno, o problema eram as cheias, “chovia e lá vinha a Proteção Civil, os Bombeiros e mais alguém que tinha acordado com os pés molhados”. No Verão, o problema era o pó que se levantava.
Sem condições que permitam o saneamento básico, a Cova do Vapor recorre às fossas sépticas. Para estas serem limpas, pagam aos SMAS cerca de 90% da taxa de consumo de água, ou seja, se a fatura for de 10 € de consumo de água, 9 € são relativos ao imposto para os resíduos. Na opinião do Presidente da Associação de Moradores “90% é um exagero, uma coisa exorbitante! Para arranjarem receitas criam-se impostos, porque é onde ninguém pode fugir porque toda a gente precisa de consumir água”.
A população teve de ser educada no sentido de tomar consciência que tanto para os próprios, como para os seus filhos e netos seria melhor fazerem as coisas de forma legal e não “à lei do desenrasca”, partilhando contadores por exemplo. Agora cada casa tem o seu contador e é responsável pelos seus consumos e os respetivos pagamentos. “Pagamos os nossos impostos e dentro da nossa suposta ilegalidade tentamos ser o mais legal possível”.
O lixo, antes em fossa aberta passou para a ser depositado em contentores fechados, que se encontram colocados à entrada do bairro. Este lugar é estratégico, de modo a que o camião consiga fazer a recolha logo ali, sem ser obrigado a ter de circular nestas ruas apertadas.
A Associação de Moradores da Cova do Vapor tem tido um papel incontestável em todos estes progressos. Foi criada após o 25 de Abril como uma Comissão, “nessa altura foram criadas as comissões de moradores, foi um período fértil em criação de comissões”. Mais tarde, a lei portuguesa obrigou a renomeá-la como Associação de Deportos Coletivos e Aculturados. No entanto, o objetivo sempre foi a dar voz aos moradores e defender as suas necessidades, para bem da comunidade local.
Embora de vez em quando se realize algum evento cultural ou desportivo, não é de todo esse o foco da Associação de Moradores da Cova do Vapor. Por enquanto, a vertente cultural e desportiva é mínima, o que certamente seria diferente se existissem realmente ajudas camarárias.
“Como associação não existimos em Almada. Não precisamos que se lembrem de nós para enviar subsídios, precisamos é que se lembrem que existem pessoas a viver na Cova do Vapor, que têm todo o direito de ver os seus impostos reinvestidos na sua localidade. Mesmo que a CMA não queira utilizar a associação como meio, devem investir na localidade como investem na Trafaria ou no Pragal.”, alerta José Cleto.
Para ele, o Presidente da CMA, António Judas é uma pessoa de fácil trato, com que se pode contar, o problema é que “às vezes acaba por ser mais fácil falar com o general do que com os sargentos de operação, há sempre qualquer coisa que não deu, ou porque faltou a tinta da caneta ou porque a cadeira não estava no lugar”, ironiza.
Com a chegada do bom tempo, algumas pessoas que antes só usavam estas casas no fim-de-semana, acabam, por determinado período, fazer desta a sua residência principal e ir daqui diretas para o trabalho.
A crise também acabou por ditar uma outra tendência. Estas casas de bairro que antes eram habitação secundária para uns, acabam por passar a ser a residência principal dos seus familiares, como ajuda de subsistência. Há ainda quem tivesse duas casas e deixando de ter essa possibilidade, acabou por optar por ficar com esta que é sua, ao invés de alguma que alugassem noutra localidade. “Por isso é que eu digo que felizmente estamos a crescer, mas infelizmente as razões não são as melhores”, conclui José Cleto, que não nasceu aqui mas é filho da terra desde os seus 4 anos.
A Casa do Vapor, um projeto temporário e comunitário, com duração prevista de um ano, acabou por se prolongar por mais seis meses, até Março de 2013.
A mais-valia da Casa do Vapor foi a ligação entre o grupo voluntário que a construiu e dinamizou e a comunidade local. Fomentou a interação entre os mais velhos, contadores de histórias, e os mais novos, através de atividades que uniram pessoas e gerações.
Da Casa do Vapor, só restou a biblioteca, que integra a Rede Municipal de Bibliotecas e agora está a funcionar nas instalações da Associação de Moradores da Cova do Vapor.
“A Casa do Vapor deixou saudades, mas já sabíamos que era temporário. As madeiras da Casa foram aproveitadas para um outro projeto, a Cozinha Comunitária nas Terras da Costa. Nós temos de saber receber e dar.”
E enquanto nos fazemos às ruas labirínticas do bairro, José Cleto deixa-nos com uma ideia: “A Cova do Vapor é assim, as pessoas partem mas ela fica”.
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