Plataforma Magia

Quem no fim de Outubro visitou o Presídio da Trafaria, talvez tenha tido a sorte de ter descoberto a busca duma utopia logo ali ao lado. Inserida na Trienal de Arquitectura, a decorrer entre 5 de Outubro e 11 de Dezembro, o projecto Plataforma Trafaria ganha vida no edifício 3.
Reconhecendo a cultura com um direito fundamental, a Plataforma Trafaria propôs a conversão do espaço do Presídio, até então negligenciado, num centro de experimentação cultural e campo de teste para a promoção da cidania activa.

img_8281À chegada, a impressão que salta vista é a de vivência em comunidade. Uma mesa enorme, onde mais 40 voluntários almoçam e conversam em ambiente de descontração. Depois disto, arregaçam-se as mangas e as energias concentram-se no workshop de construção do Open Day, onde se destaca um ágora de madeira. Este workshop a decorrer há 3 dias, é promovido pela ConstructLab, que defende uma prática de construção colaborativa onde a concepção caminha a par da construção.

Envolvido no projeto Plataforma Trafaria desde o início, Miguel Magalhães, arquitecto (entre muitos outros ofícios), 33 anos, ajuda-nos a desvendar o processo criativo e a perceber como se manifesta a interação com a comunidade local.

Intervenção Cultural

img_83131Um dos pontos de partida foi a questão: O que acontece quando um espaço de incubação multidisciplinar se instala numa periferia profundamente afectada pela crise? Miguel desenvolve esta ideia, “quando se promovem encontros entre pessoas que doutra forma jamais se encontrariam acontece sempre magia, e produzes coisas que não produzias de outra maneira. Portanto, segundo o meu ponto de vista é onde está a inovação, quando estas duas áreas disciplinares conseguem tocar-se de uma forma muito livre e dão origem a algo diferente”.

Para contextualizar esta aproximação com as comunidades locais é essencial voltar ao ano de 2013 e à construção da Casa do Vapor, na Cova do Vapor, um projecto colaborativo, temporário, criado pelo coletivo Exyzt e Associação de Moradores da Cova do Vapor. Foi daqui que nasceu a EDA, que promove projectos colectivos que utilizam a produção cultural como activação para a revitalização urbana. A EDA cruza uma rede internacional e multidisciplinar de colaboradores com contextos locais específicos e as suas comunidades.

img_8339“A civic art tem muito essa capacidade, ao transformar o papel que as próprias comunidades têm dentro dos próprios projectos artísticos transforma a forma como as pessoas entendem a arte ou cultura”. Quando questionado se este processo exige tempo Miguel defende que “a transformação das mentalidades pode ser de choque, e num certo sentido até é interessante que gere conflito, é sinal que as pessoas têm interesse. A questão depois é saber como é que é possível gerir esse conflito”.

Neste caso, por já existir uma rede prévia que tem crescido e está em funcionamento, a adesão é diferente e torna-se mais fácil a integração com as comunidades locais, que no geral se demonstra agradada com estas iniciativas e com as actividade que dinamizam.

A primeira entrada oficial do colectivo aqui neste espaço data de dezembro de 2014. Na altura começou com a Opereta A Mar, um processo participativo encabeçado pela artista Loreto Martínez, que acaba por ter uma relação concetual muito próxima com a Casa Do Vapor, no sentido de como incluir as pessoas, bairros e comunidades dentro do processo criativo. Miguel recorda que “ao longo de seis meses houve uma série de workshops na Costa da Caparica, nas Terras da Costa, no 2º Torrão e na Trafaria, em escolas e associações. Depois houve uma peça que foi posta no espaço urbano, arrancou na praça, veio em procissão e entrou no Presídio com as 300 pessoas que vieram, daqui e de fora, um sucesso, uma audiência que não estávamos à espera que fosse tão grande.” Entraram no Presídio, numa espécie de ritual, com o sr. António, da Tarrafa, que era quem tinha as chaves na altura. “O 3º acto foi dentro da capela, que ficou cheia e quando se desligaram as luzes o pessoal começou todo a gritar, foi assim uma coisa quase tribal, uma explosão de energia.”

O Hallo Plataforma foi o pontapé de saída, público e oficial, para o que hoje está aqui a acontecer. Sempre tendo em vista, “a criação de uma plataforma que consiga trabalhar com vários agentes, que cruze uma rede internacional de criadores, fazedores, profissionais com uma rede local de profissionais e não profissionais”.

img_8346A European Cultural Foundation apoiou o projecto com um financiamento de 10 000 €, montante destinado, entre outras questões, às 4/6 semanas de residência, número que difere entre voluntários. O formato de residência que o projecto assume só traz vantagens. Segundo Miguel “conseguem-se trazer pessoas que à partida seria muito difícil, com baixos custos para elas cá estarem, e trabalha-se mais com a vontade. A outra vantagem, tem muito a ver com a forma como nós trabalhamos com os nossos projectos, pois achamos crucial este aspecto de vizinhança. Tu tornares-te vizinho das pessoas e as pessoas vêem-te todos os dias, tu estás cá! E aos poucos tornas-te de cá. E mesmo que seja em períodos limitados de tempo, a forma como tu te relacionas com as pessoas e elas contigo muda completamente”.

Rádio Trafaria

sam_2340A documentação artística da Plataforma Trafaria, por InProzess, assume a forma de um programa de rádio. A Rádio Trafaria, emitida a partir de 87,8, na região, ou da plataforma online da StressFM, passa para lá dos muros do Presídio e convida à partilha de histórias e ideias. Miguel valoriza este potencial, “é projeto guarda chuva que consegue trazer para dentro de um mesmo projeto, pessoas de comunidades muito diferentes. Duma maneira muito simples e direta consegue chegar às pessoas e ligá-las a esta magia duma rádio que vai dar voz às pessoas da Trafaria e cruzar uma série de comunidades num território que está altamente fragmentado e em que de repente surge um símbolo de coesão. Embora não se resolva a questão da coesão territorial lança um pouco esta utopia de poder transformar este num projeto de todos”. O feedback é postivo, “está a funcionar super bem, as pessoas têm uma interação com a rádio que é uma coisa espantosa. Depois vem cá a mãe, o tio ou o avô falar duma história e em casa ou no bar ligam o rádio e acompanham.”
É precisamente nesta altura da conversa que chega o Sr. Eduardo, famoso pelas suas bolas de Berlim na Cova do Vapor, para partilhar na rádio a sua experiência.

A própria rádio foi construída com parte das madeiras que inicialmente vieram de Guimarães, da Capital Europeia da Cultura, seguiram para a Casa do Vapor, depois para a Cozinha Comunitária das Terras da Costa. “Portanto a viagem da madeira vai contando um bocado o percurso destes projetos no território, é como se fosse uma Arca de Noé , sempre a criar utopias e a gerar processos, alguns que vão ficando, outros ficam na memória, outros vão girando, mas de modo a que se continue a poder criar”.

Futuro da Plataforma

Composto por um momento em Junho, em que se criaram vários núcleo de discussão, quer artística quer de estratégia, e outro agora, de 17 a 29 de Outubro, mais aberto ao público, o Projecto Plataforma irá manter-se no Edifício 3 até ao final da Trienal, a 12 de Dezembro, numa fase teste. A ideia, no entanto, passa por uma continuação, “após este processo de arranque, em que se avaliam as potencialidades do espaço, do estar no espaço e se testam as pessoas e as suas formas de organização”. O objectivo , reforça Miguel, é “conseguir manobrar todas as vontades , porque também estamos a cruzar redes locais com redes internacionais, de forma a criar uma base mais permanente”.

Inserida na Trienal de Arquitectura, a Plataforma Trafaria é um projecto da EDA que contou com o apoio European Culture Foundation. Tem como parceiros o Hallo, um colectivo de Hamburgo, In Prozess, a ConstructLab e a Ware House Project.
Também os Bombeiros Voluntários da Trafaria cederam chuveiros quentes e numa fase inicial espaço para dormidas das pessoas envolvidas no projecto. A Câmara Municipal de Almada, com ajudas de custos e cedência do espaço, ajudou também que este colectivo a transformar sonhos em realidade. A prova viva de que as sinergias fazem magia.

Para acompanhar em www.plataformatrafaria.org
Para ver galeria clique AQUI.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Pin It on Pinterest