Pássaros de Lava

ilha
Ilustração de Ferreira Pinto

Como marcos levantados das profundezas delimitando a vastidão dos mares, as ilhas erguem-se para além do espaço físico em auras de mistério.

Isoladas, permaneceram inatingíveis à cobiça, protegidas pelas sombrias muralhas da superstição.

Algumas transformaram-se em plataformas flutuantes, prenhes de cor, de vida, de sons e de espanto; outras, ficaram para sempre, roche­dos petrificados no espaço e assen­tes em nostálgicas memó­rias; são as teogónicas remi­nis­cências dum Mundo que se excedeu nas dolorosas convulsões da criação.

Em tempos primordiais, as jovens montanhas cresceram em des­pu­dorada rebeldia sobre os continentes submer­sos e os seus cumes, arrogantes, voaram como pássaros de lava aproximando-se do Céu em fogo.

Indiferentes ao capricho dos deuses ou julgando-se a eles iguais, muitas delas submergiram sob águas diluvianas.

Outras, menos afortunadas, perderam a sua imponência con­ti­nental e sobreviveram cercadas pelo silên­cio.

As ilhas, na solidão do seu afastamento, fizeram-se lugares de amargura, de exílio ou de contemplação. Contudo, no imaginário humano, sempre foram reinos da utopia, paraísos terrestres, ventres cosmo­gónicos ou lugares míticos onde os deuses sonharam, moldaram e criaram o mundo.

E ainda continuam a sê-lo, como no tempo das lendas.

 

Reinaldo Ribeiro

 

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