Agora É que Vai
Magia constante na terra sofrida e bela.
Os sons inconfundíveis do amanhecer misturam-se com o colorido morno da paisagem nascente.
A vida recomeça a sua rotina milenar e o povo, consciente da grandeza da sua cultura e da sua sabedoria, procura água numa nascente antiga.
Na sua migração eterna, o sol inunda mais uma vez as florestas de luz e vida e dissipa suavemente as trevas que teimam em permanecer no interior das matas.
Nas savanas, quando o sol atinge o ponto mais alto no céu e os seus raios caem verticais e inclementes, a terra resseca.
Do solo sobem intermináveis ondas de calor e, nesse momento, a pele negra das gentes nuas queima sob o sol impiedoso.
É o momento em que a sonolência invade os corpos e as mentes e o povo procura a frescura da sombra amiga nas árvores junto ao rio.
Porém, ao pôr-do-sol, quando o céu se tinge de vermelho, os corpos libertam-se do torpor e toda a magia africana aflora em simbiose perfeita com a Natureza.
As borboletas esvoaçam entre as últimas cores do ocaso.
Enlouquecidas, desenham na derradeira luz do dia figuras mágicas que lembram deuses perversos, mistérios e feitiços e vivem intensamente essa luz que, ao extinguir-se, encerra o ciclo das suas existências efémeras e belas.
As cigarras começam então, à vez, a preencher com o seu canto, o fundo musical da grandiosa noite africana.
Quando as trevas vencem as últimas cores que desmaiam nos horizontes longínquos, toda a África se reúne sob frondosas mulembas.
À volta das fogueiras, enquanto as chamas ensaiam bailados fantásticos, os povos escutam as histórias dos mais velhos, cantam canções com a alegria pura das crianças e, com movimentos e ritmos únicos, coreografam danças evocativas de deuses e da vida.
África, terra das planícies sem fim que só terminam no céu; dos rios de águas cálidas, sonhadoras e preguiçosas; da meia-luz dos crepúsculos que transporta nos seus coloridos raios oblíquos a tranquilidade e a paz das catedrais; das queimadas, essas cortinas de fumo e fogo que pintam paisagens despojadas; do frémito vibrante das manadas de herbívoros que se deslocam pela savana imensa; do cheiro intenso da terra molhada pelos primeiros pingos das chuvas de Verão; da imensa simplicidade dos seus povos, de olhos tristes e ternos; e das atmosferas onde pulsam camadas cálidas, onde se disseminam fragrâncias naturais e onde, parece que se encontra a divindade.
Reinaldo Ribeiro