Neve na Costa
Há uma empresa na Costa da Caparica a dar cartas no esqui internacional. A Snowpass tem apenas um ano de vida, mas em 12 meses conseguiu aquilo que ninguém tinha logrado: criar um passe único que dê acesso a múltiplas estâncias de férias na neve na Europa.
A proeza concretizou-se com números que espantam: em apenas dois meses, a empresa criada por Pedro Neiva, na Costa da Caparica, vendeu online 42 mil reservas (20% oriundas da Alemanha, que é o maior mercado europeu com 14 milhões de praticantes de esqui), o que representa uma receita potencial de 16,5 milhões de euros. E isto tudo a nove meses de distância da abertura da próxima época de férias na neve.
O feito desta empresa familiar portuguesa, que Pedro Neiva gere com o filho, Tomás, de 19 anos, e que se apresentou em público pela primeira vez na Web Summit de 2018, deixou a Europa de boca aberta de espanto. Em Espanha, uma publicação de nicho, dirigida a adeptos do esqui, resumia o facto assim: ver uma empresa de um país sem neve a transformar radicalmente a indústria do esqui é tão estranho quanto seria ver uma empresa finlandesa a liderar a oferta tauromáquica. Mas o que é facto é que a Snowpass conseguiu mesmo subir ao ponto mais alto – e sem nunca perder velocidade.
“Estou a viver um milagre”, diz o fundador da Snowpass, Pedro Neiva, 46 anos. “Como é que foi possível a alguém de Portugal formar uma rede de estâncias a partir de um país com zero tradições no esqui?Também me pergunto o mesmo. Está a ser um milagre”, repete o fundador da empresa, ele próprio um amante do esqui.
O segredo do sucesso é, como tantas vezes sucede, um misto de oportunidade, trabalho árduo e sorte. A sorte, neste caso, é o facto de a Snowpass ser de um país que em termos internacionais é um outsider, sublinha Pedro Neiva. “Uma empresa suíça, alemã, austríaca que tentasse criar o que nós criámos teria muito mais dificuldade. Provavelmente seria vista como um concorrente a tentar dominar os restantes e isso não aconteceu connosco, que somos de um país sem relevância nesta indústria”, argumenta.
A oportunidade estava, porém, à frente do nariz de toda a gente, à espera que alguém metesse mãos à obra. Foi isso que fez a família Neiva – pai, mãe e quatro filhos, todos eles amantes e praticantes de esqui, com 30 dias de férias na neve todos os anos. Depois de perceberem que faltava criar um passe geral europeu de acesso a estâncias de esqui, criaram uma empresa, entraram no programa Road2Websummit, desenvolveram a ideia de negócio e contactaram a Federação Internacional de Esqui (FIS, na sigla inglesa). A montanha é uma força maior que nos gela e fascina
Foi esse contacto que mudou tudo, o momento decisivo que desbloqueou o caminho onde toda a gente tinha esbarrado, porque, com a ajuda da FIS, a Snowpass começou a angariar destinos e constituiu uma rede que, neste momento de lançamento, conta com 101 estâncias turísticas, em nove países. A mais pequena tem apenas 200 metros de pista esquiável, as quatro maiores têm mais de 100km de encostas com neve à espera dos turistas.
O lançamento comercial do cartão Snowpass foi a 3 de Março. Tornou-se imediatamente o maior cartão de esqui da Europa, válido em Portugal, Espanha, França, Itália, Suíça, Áustria, Eslovénia, Alemanha e Polónia. E ao preço promocional de 395 euros, tornou-se um sucesso. A promoção só termina quando os 50 mil passes esgotarem.
Menos de dois meses após o lançamento, já só havia 8000 disponíveis. Uma vez esgotados, passará a custar 895 euros. Seja a que preço for, o cartão permite ao titular ter dez dias (consecutivos ou interpolados) em qualquer uma das estâncias que fazem parte da rede. Ou que venham a integrá-la no futuro, porque, como diz Pedro Neiva, a empresa está permanentemente no terreno a negociar com operadores turísticos para tentar alargar o universo.
Por outras palavras, pode-se começar com dez dias na Sierra Nevada, no Sul de Espanha, prosseguir com dez dias na estância de Isola 2000, no Sul dos Alpes franceses e continuar por aí fora. Com 101 estâncias na rede e dez dias por estância, em teoria poder-se-ia passar 1000 dias consecutivos na neve, com o mesmo cartão. E terá sido esta maleabilidade que atraiu tantos estrangeiros, porque o Snowpass acaba por ser uma boa solução para os esquiadores frequentes. Depois da Alemanha, os principais mercados foram França, Áustria, Suíça, Itália (todos com cerca de 15% das compras) e o Reino Unido, com 10%.
O portal skiresort.info contabiliza cerca de 3600 estâncias de esqui em 30 países. Porém, diz Pedro Neiva, na realidade há cerca de 1500, porque muitas já fecharam ou têm menos de 200 metros. Ainda assim, é patente o potencial de crescimento desta rede da Snowpass que, por agora, se organizou com estâncias mais pequenas, mas também inclui quatro grandes: três em França – Isola 2000 (120 km); Les Orres (100 km) e Auron (135 km) – e uma em Espanha – Sierra Nevada (100 km) neste leque.
A criação de um passe único era um projecto comercial bastante cobiçado na Europa, onde, ao contrário do que sucede nos EUA, a maioria das estâncias são espaços públicos geridos por empresas públicas ou concessionados a privados. Nos EUA, o mercado tem perseguido uma estratégia semelhante, com destaque para dois players, o Epic Pass (da Vail Resorts, que detém 20 estâncias) e o Ikon Pass (acesso a 39 destinos, dos quais 14 são da empresa Alterra)