Gandaia, Camilo Mortágua, Agricultura, Liberdade e o novo mundo que se está a construir
No passado dia 6, na tradicional Reunião Aberta da Gandaia, tivemos uma visita histórica. Não é exagero, não. Camilo Mortágua, o revolucionário de longa data, veio falar com os presentes, aliás, tal como ele teve o cuidado de referir, o que é importante é as pessoas falarem umas com as outras, trocarem ideias. As coisas germinam a partir dessa comunicação.
Talvez os leitores mais novos não saibam quem é Camilo Mortágua, mas é na verdade, com todo o mérito, uma personagem histórica. Provavelmente conhecem o regime de Salazar, mas já não se lembram muito bem daqueles que lutaram contra esse regime. Se calhar nem têm uma ideia muito definida se a coisa era boa ou má, especialmente com tudo o que está a acontecer presentemente à nossa volta, nem cabe a estas linhas fazer essa contabilidade, mas muito mau serviço prestaríamos se não destacássemos quem foi e o que fez Camilo Mortágua. Haverá aqueles que irão colar adjetivos ao seu nome e fazer juizos de valor. Para mim, quem lutou contra o regime de Salazar, quem lutou pela Liberdade, fez-me um favor. Que fique claro.
Passou há pouco tempo na TV o filme sobre o Assalto ao Santa Maria, filme realizado por Joaquim Manso. Esta ação política contra o Regime de Salazar que desviou o paquete de luxo, renomeando-o Santa Liberdade, foi comandada por Henrique Galvão e contou com Camilo Mortágua. Convém também recordar que o 1º desvio de aviões comerciais com fins políticos foi feito por portugueses, a 10 de Novembro de 1961, comandado por Palma Inácio e com a participação de Camilo Mortágua. Anos mais tarde, a 17 de maio de 1967, ainda com Palma Inácio e a LUAR, desferiu mais um golpe espetacular contra a ditadura assaltando a dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz para subsidiar a ação revolucionária daquela organização. Foi particularmente humilhante para o regime, não só pela operação em si, mas porque todos os pedidos de extradição solicitados pelas autoridades portuguesas às diversas autoridades estrangeiras foram recusados. O regime de Salazar perdera legitimidade política internacional. Finalmente, por tudo isto, Camilo Mortágua é Grande Oficial da Ordem da Liberdade da República Portuguesa.
Camilo Mortágua não disse uma única palavra sobre estes eventos, nem sobre nenhum destes assuntos, na Reunião da Gandaia do passado dia 6. Falou-se de agricultura, discutiram-se com profundidade os temas da alimentação, dos agricultores, dos hipermercados, da nova economia. Falou-se com franqueza, com profundidade, com diferentes abordagens, diferentes leituras e até do assumir de posições diferentes e antagónicas.
Para dizer a verdade, para o autor destas simples linhas, que não percebe grande coisa de agricultura – a não ser na versão alimentação – e que não percebe grande coisa de economia – a não ser as generalidades imediatas do pagamento de impostos e a evidência que este “mundo” que conheci até aos últimos tempos está irremediavelmente condenado, mas ainda não se compreende, porque não está feito, o mundo atual, um novo equilíbrio. Ora, como dizia, para uma pessoa assim como eu, parecia mesmo que Camilo Mortágua tinha interlocutores que defendiam que aquela proposta do velho revolucionário já não eram a revolução para a liberdade desse novo mundo que é necessário construir, longe das manipulações genéticas, dos químicos irresponsáveis, da desertificação do desemprego, da escravatura.
Para além dessas discussões mais acesas sobre a essência da liberdade, da construção do mundo em que se deseja viver, largos consensos também se estabeleceram, dando razão a Camilo, é mesmo preciso falarmos uns com os outros trocarmos experiências, ultrapassando mesmo as coisas em que pensamos que acreditamos agora.
Um dos consensos foi a importância vital da relação entre a agricultura local e as escolas e cantinas públicas, sublinhado ainda por Nuno Belchior, do Projeto 270, pela importância que estas iniciativas podem ter na regulação do setor agrícola, impondo regras de boas práticas quanto ao uso de químicos na produção.
Joaquim Tomás, presidente da Gandaia, afirmou mesmo o seu empenho claro em que as escolas e cantinas do Concelho pudessem criar esse tipo de Plataforma como grandes compradores, escoando os produtos dos agricultores locais, mas também impondo normas sustentáveis de qualidade quanto ao uso de químicos.
Camilo Mortágua e Filomena Pires apresentaram a experiência da Cooperativa Alcabaz, Cabazes do Alentejo, que fundaram (conheça melhor clicando aqui), dando até o exemplo de um Projeto da Câmara Municipal de Penafiel, o projecto DA NOSSA TERRA, que envolve actualmente 13 cantinas locais e 5 IPSS enquanto consumidores colectivos e 15 agricultores (e familiares), sendo consumidas localmente 6 toneladas mensais de produtos hortofrutícolas produzidos por agricultores locais. (Pode ver um documento sobre este Projeto clicando aqui).
O economista Manuel Torres e o agricultor Nuno Belchior (Projeto 270), concordando e sublinhando a necessidade deste tipo de projetos que envolvem as autoridades, os produtores e os consumidores locais, reforçando a importância de através destes processos se poder melhorar as práticas na produção, foram mais longe, defendendo outras posições, mais centradas nas necessárias alterações profundas quanto aos comportamentos, aos modelos de vida:. “Não chega combater os hipermercados pela economia, fazendo o mesmo mas mais barato”. Defenderam que é necessário “considerar as pessoas de uma comunidade, a sua vida, e não os reduzir a consumidores e produtores”.