Sobre Vieira da Silva
Maria Helena Vieira da Silva
(1908-1992)
Je suis une femme de la ville
Maria Helena Vieira da Silva nasce na Rua das Chagas em Lisboa, a 13 de Junho de 1908. Rua que irá pintar anos mais tarde, como tantas outras desta cidade. Filha única, cedo fica órfã de pai.
A sua infância de criança solitária é colmatada pelo ambiente intelectualmente estimulante no qual a família se insere, um mundo de adultos onde as mulheres assumem um papel preponderante, e onde o amor às artes impera.
Solitária, refugia-se na imaginação e na biblioteca, esta última, um dos temas chave da sua obra. A biblioteca é um lugar mágico e silencioso, onde as histórias contidas nos livros de lombadas coloridas, dão azo à sua imaginação fértil de menina. Lugar mágico, onde a cor e o ritmo dos livros pousados nas estantes, também contribuem para exacerbar a imaginação de Maria Helena Vieira da Silva.
Cedo, aprende música, pintura e desenho. Aliás a música será também uma constante na sua vida e na sua obra.
Nos primeiros anos de vida a pequena Maria Helena muda várias vezes de casa, sendo a última adquirida por sua mãe, para onde se mudam, perto do Jardim das Amoreiras, (Rua Alto de S. Francisco nº 3)[1]. Será a sua casa de referência sempre que está em Lisboa.
Em 1928, Vieira da Silva parte para Paris acompanhada pela mãe, tendo-se inscrito na Académie La Grande Chaumière. Hesitando entre escultura e pintura, inscreve-se no “atelier do escultor Émile Antoine Bourdelle (1861-1929), que era à altura assistido… Alberto Giacometti (1901-1966)”[2],tornando-se este último um dos seus amigos.
Absorvendo e vivendo a cidade de Paris culturalmente fervilhante, a pintura começa a tomar conta da sua vida. Nesta época conhece um artista húngaro, seu colega, Arpad Szenes, com que casa em 1930. A partir desta data tornar-se-ão inseparáveis quer na vida quer na obra – num permanente diálogo entre a obra e a vida, que só a morte irá romper.
Tendo abdicado da escultura, dedica-se à pintura. Frequenta a academia de Fernand Léger e os cursos do pintor pós-cubista Roger Bissière. Será uma das representantes do que se designou por Escola de Paris. Os anos 30 são anos de experimentação, abandona a figuração e começa a delinear um novo conceito espacial – onde as linhas organizam o espaço, uma perspetiva que sugere vários pontos de fuga. Uma pintura elaborada e minuciosa, sugerindo cidades, por vezes labirínticas. A paisagem urbana será um dos seus temas preferidos, “ Je suis une femme de la ville”[3], dirá Vieira da Silva.
A paleta cromática em tons claros e azuis apontam para o seu referente, a luz de Lisboa. Uma luz que se reflete nos azulejos seculares que cobrem as fachadas dos edifícios, Vieira da Silva referindo-se a uma descoberta de azulejos numa parede diz: “Esta primeira emoção despertou porventura, e depois manteve o meu amor por estes pequenos quadrados. Talvez por sua causa eles voltaram depois renascidos, na minha pintura: diversos, múltiplos, irisados, cambaleantes, em passos de dança, escapulindo-se e esvoaçando …velozes num golpe de asa”.[4]
Na divulgação da sua obra assumem especial importância a galerista Jeanne Bucher e posteriormente, Pierre Loeb. Assim, data de 1933, a primeira exposição de Vieira da Silva na Galeria de Jeanne Bucher, em Paris.
Num Portugal em pleno Estado Novo, avesso ao Modernismo, a sua obra não é dada a conhecer pelo regime vigente. A primeira exposição em Portugal de Vieira da Silva, data de 10 de Julho de 1935, na Galeria UP dirigida pelo pintor e escritor António Pedro (1909-1966) e pelo ilustrador Tom (Thomaz de Mello, 1906-1990). António Pedro no catálogo da exposição, diz: “estão aqui os quadros de Maria Helena Vieira da Silva, os 1ºs quadros modernos, que se expõem em Portugal desde Amadeo Souza-Cardoso”[5]. José Augusto França acrescentará “foi a 1ª exposição que se fez em Portugal de pintura abstrata, desde o tempo de Santa Rita Pintor e Amadeo-Sousa Cardoso”[6].
Após uma estadia em Portugal onde convive com artistas plásticos: Milly Possoz, Eduardo Viana, Sarah Afonso, Almada Negreiros, Mário Eloy, Carlos Botelho e António Pedro, deste grupo faziam parte ainda o escritor João Gaspar Simões e o músico Fernando Lopes Graça, regressa a Paris.
Em Paris, colabora com Arpad, empenhadamente na associação Amis du Monde, criada por vários artistas e intelectuais franceses, contra o avanço dos movimentos fascistas.
Em 1939 devido à guerra, e a proximidade dos nazis, Vieira da Silva regressará a Portugal, solicitando a nacionalidade portuguesa que tinha perdido ao casar com Arpad, judeu húngaro. Ficará em Portugal por pouco tempo, pois o governo de Salazar não lhe restitui a cidadania portuguesa, mesmo tendo casado em Lisboa, segundo o rito católico. Durante esta estadia e no âmbito da Exposição do Mundo Português, foi-lhe encomendada uma pintura, no entanto, esta encomenda será retirada, pela organização do evento.
Mal-amada pelo governo de Salazar só lhe resta o exílio no Brasil, o país escolhido pelo casal e onde permanecem de 1940 a 1947.
Se em Portugal Vieira da Silva continua a ser ignorada pelo Estado Novo, em 1956, foi-lhe atribuída pelo Estado Francês a nacionalidade francesa. Contudo, desde os inícios dos anos 50, que os críticos e artistas portugueses “de tendência surrealista descobriram esta pintora, e procuraram divulgar a sua obra”[7]
O período em que a pintora viveu no Brasil contribuiu para um distanciamento da sua cidade natal e que se repercute na sua obra. Apesar de retomar temas anteriores como as cidades. Se a espacialidade da cidade é um dos temas favoritos, os espaços fechados como bibliotecas, gares (lugares de passagem), jogos começam a tomar lugar preponderante na sua reflexão plástica. É a época da explosão criativa. A época da realização das suas mais notáveis obras. É a época da notoriedade internacional.
O seu percurso internacional é notável. Expõe em todo o mundo – Estocolmo, Genebra, Nova Iorque, Londres, Oslo, Basileia. Exposições coletivas e individuais sucedem-se ao longo dos anos 60.
Contudo, desde os inícios dos anos 50, que os críticos e artistas portugueses “de tendência surrealista descobriram esta pintora, e procuraram divulgar a sua obra”[8]. É com admiração e entusiamo que o meio intelectual português vibrou com o Grande Prémio da Bienal de São Paulo, ganho em 1962, e no ano seguinte o Grande Prémio Nacional das Artes, em Paris.
Atenta e generosa Vieira recebe no seu atelier em Paris os artistas portugueses residentes naquela cidade, nomeadamente os bolseiros da Fundação Gulbenkian, como Lurdes Castro, João Vieira, Jorge Martins, Costa Pinheiro entre outros. Em 1954, conhece Manuel Cargaleiro com que irá manter uma intensa amizade e cumplicidade artística.
Em Portugal após algumas exposições em galerias é a vez da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1970, homenagear a sua obra numa exposição antológica.
A Revista Colóquio Artes dedica-lhe um número especial, em Abril de 1970. Nesta revista, Eduardo Lourenço escreve um artigo, sobre a emoção provocada pela telas de Vieira da Silva “é uma pintura do real no que ele tem de mais fantástico, a sua espacialidade reverberante que o mais ínfimo objecto enquanto potência de cor e luz repercute sem termo nem fim”[9].
As décadas de 60 e 70, são anos de grandes encomendas, de exposições por todo o mundo, mas são também, os anos de aproximação a Portugal, com a efetivação com diversas exposições em galerias.
Em 1975 realiza dois cartazes comemorativos do 25 de Abril, a pedido da sua amiga a poetisa Sofia de Mello Breyner.
Em 1978 é realizado por Álvaro de Morais, um filme sobre a obra da pintora intitulado Ma femme chamada bicho.
Em 1983, recebe uma encomenda do metropolitano de Lisboa, para a decoração de uma nova estação, a da Cidade Universitária. Trata-se de uma estação grande e muito iluminada da autoria do arquiteto Sanchez Jorge. “A doença do pintor Arpad Szenes, seu marido, impede que conceba um novo projeto para a decoração da estação, tendo decidido utilizar um guache de 1940, justamente intitulado O Metro”[10]. Para a direção da obra durante a sua ausência, encarregou o seu amigo Manuel Cargaleiro.
Arpad Szenes morre em 1986, a dor da perda perpassa pela sua pintura futura. As telas são cada vez mais depuradas. A cor torna-se indefinida, a luz mais ténue, desmaterializa-se. O seu trabalho remete-nos para a obra de Arpad.
As exposições sucedem-se, bem como as condecorações. No dia em que faz 80 anos, o Presidente da República Mário Soares condecora-a com a Grã-Cruz da Liberdade. “O Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian e o Centro National des Arts Plastiques de Paris, que se tinham associado para celebrara a artista, inauguram uma mostra, no Grand Palais”[11]. São os tempos da consagração nacional e internacional.
Em 1990, é criada a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, a seu pedidodeveria ser museu centro de documentação, estudo e divulgação das sua obra e da de Arpad-Szenes. “Para albergar o futuro museu que lhe seria dedicado (e a Arpad Szenes) Vieira da Silva escolheu a antiga Fábrica de Tecidos de Seda”[12]. A escolha do edifício pauta-se simultaneamente pela depuração arquitetónica e a sua localização no Jardim das Amoreiras, perto da sua casa em Lisboa. Casa essa, que o casal durante as suas estadias na cidade de Lisboa, franqueava a amigos e artistas.
Maria Helena Vieira da Silva morre a 6 de Março de 1992, em Paris, tendo sido sepultada em França, junto da mãe e de Arpad.
T.S.
[1] A Casa de Vieira da Silva é atualmente património da Fundação Árpad-Szenes Vieira da Silva.
[2] Marina Bairrão Ruivo, As Faces de Maria Helena Vieira da Silva, in Faces de Eva n , Edições Colibri/Universidade Nova de Lisboa, p. 11
[3] Guy Weelen, Vieira da Silva, Paris, F. Hazan, Col. Ateliers d´aujourd´hui, 1973, p. 27.
[4] Citando Luísa Arruda, , Azulejaria nos Séculos XIX e XX, in História da Arte Portuguesa, Volume 3, Temas e Debates, 1997, p. 421
[5] Citando José Augusto França, “Na Retrospectiva de Vieira da Silva”, in Colóquio de Artes e Letras, nº 55, Abril, 1970, p. 14
[6] José Augusto França, “Vieira da Silva e a Cultura Portuguesa”, in Colóquio de Artes e Letras, nº 58, Abril, 1970, p. 7
[7] Rui Mário Gonçalves, Vieira da Silva (n.1908-1992), in Pintores Portugueses do Século XX, lisboa, Ed. Alfa, 1986, p. 64
[8] Idem e Ibidem
[9] Eduardo Lourenço, Vieira da Silva/Uma Poética do Espaço, in Colóquio de Artes e Letras, nº 5, Abril.1970, p. 7
[10] Luísa Arruda, Azulejaria nos Séculos XIX e XX, in História da Arte Portuguesa, Volume 3, Temas e Debates, Lisboa,1997, p. 421
[11] Marina Bairrão Ruivo, As Faces de Maria Helena Vieira da Silva, in Faces de Eva n , Edições Colibri/Universidade Nova de Lisboa, p. 30
[12] Idem e Ibidem