Não É Preciso Reinventar a Pólvora
A Costa da Caparica é o maior cartaz turístico de Almada. Não é o único, felizmente, mas é o maior.
Não sei quantos milhões de euros o turismo da Costa da Caparica rende ao estado, mas estou certo de que serão muitos. Oito milhões de visitantes não podem deixar de gerar muito dinheiro de lucro – e impostos – nos variados setores que estão implicados, desde os transportes, hotelaria, restauração, comércio, serviços, etc. Não pode deixar de estar na casa de muitos milhões.
O que faz estes visitantes procurar a Costa da Caparica? Qual é o cartaz, o chamariz? Isso é evidente: a praia, o Transpraia, os Palheiros e a Arte-Xávega. Simples. Claro que haverá outras possibilidades, por sinal até muitas, mas o cartaz é esse.
Basta um rápido passeio pelas lojas de souvenirs, que por acaso até são na sua maioria geridas por estrangeiros, para ver o que está nos seus artigos. Apresentamos aqui alguns exemplos. Não houve dificuldade, bastou olhar para ver. Que se saiba, as lojas nem sequer encomendaram nenhum estudo…
Mas a Câmara Municipal encomendou um estudo e uma das coisas que refere com clareza é que só o “sol e mar” não chega. Mas esse estudo não colocava a hipótese de não haver praia. Curiosamente, a etiqueta “sol e mar” omite o óbvio, a praia. Tudo é diferente sem praia, mesmo que continue o sol e o mar.
Na reunião promovida pela Câmara Municipal no passado dia 15 de fevereiro tive oportunidade de partilhar um pormenor curioso da minha vida. Quando acabei o meu curso superior de jornalismo, em finais dos anos 70, por sinal o único que existia no país naquela altura, o meu primeiro emprego como jornalista foi no jornal Réplica, um empreendimento de vários jornalistas do extinto jornal República. Ora o meu primeiro trabalho foi precisamente sobre o desaparecimento do areal da Costa da Caparica, vão quase 40 anos. Pois é.
Tive então oportunidade de falar com diversas entidades com jurisdição e outras com especialistas, como o LNEC. Curiosamente, tinha sido o LNEC a conceber o plano de engenharia que salvou Copacabana e Ipanema do mesmo mal. Sim, as famosas praias do Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa. Tive oportunidade de ver a famosa maquete do estuário do Tejo, uma enorme plataforma num enorme espaço, onde os engenheiros estudavam os efeitos das correntes, da foz do rio e das suas complexas interações. Quando lhes perguntei sobre a questão eles confessaram-me duas coisas: a primeira é que não tinham estudado a situação. A segunda é que não a tinham estudado porque ninguém lhes tinha pedido.
Quer isto dizer que já há mais de 40 anos que estamos a ver esta história a desenrolar-se, mesmo antes da discussão do Aguecimento Global. 40 anos, e nada. Bem, nada, não. Já nessa altura se falava da retirada de areia da coroa do Bugio para obras como a Docapesca, em Pedrouços e as portuárias de Xabregas e Poço do Bispo. Mesmo assim, ainda há pouco tempo se voltou a retirar areia para reforçar as praias e marinas da linha do Estoril.
Não tem a Margem Sul razão para estar zangada? Para não falar na taxa injusta que sofremos com a portagem na Ponte 25 de abril, que onera, também o nosso turismo. Claro que tem!
Agora com este temporal temos razões para temer que a 5ª melhor praia urbana do mundo possa ser destruida (clique para ver o nosso artigo). Isto acontece porque não temos o poder de lobi, de proximidade ao poder, que a Linha do Estoril tem de há muitos anos. Por um lado. Por outro lado, porque o nosso país ainda não se libertou da ditadura. Nem do Absolutismo. Nem sequer do feudalismo. Temos um défice de liberdade, de autonomia e de respeito por quem não tenha poder.
Acredito que chegou a hora de pensar muito bem nesta nossa situação. Pensar naquilo que conseguimos através das formas convencionais e pensar se não será tempo de fazer as nossas exigências de forma a que ganhemos o relevo necessário nos telejornais – a arma do presente.
Mas não chega. É preciso dar o exemplo cá dentro, ou seja, que os responsáveis locais respeitem também o mesmo que querem ver respeitado pelos responsáveis nacionais: o cartaz turístico da Costa da Caparica. Refiro-me ao Transpraia, aos Palheiros e à Arte-Xávega.
O Transpraia tem de voltar ao centro da cidade, não só para recuperar a visibilidade que sempre teve, como para recuperar a sua função de ligação entre o centro,os parques de campismo e as praias mais afastadas até à Fonte da Telha. Isto pelo menos.
Os Palheiros têm de ser defendidos, os seus proprietários incentivados a recuperá-los dentro das linhas próprias deste tipo dwe arquitetura vernacular.
A Arte-Xávega é uma pérola histórica, social e até económica. Tem de ser protegida e apoiada de forma a poder desenvolver-se e oferecer tudo quanto tem para dar, não só aos pescadores, mas a toda a cidade.
Parece evidente que a Costa da Caparica deixou fugir os seus trunfos de lazer de outrora. É preciso recuperá-los interpretando os novos tempos. Mais cultura – o que parece ser intenção da Câmara – mais equipamentos desportivos, um “half pipe”, parede de escalada, etc. para os novos desportos, um grande parque infantil, circuito de manutenção, entre outros… tudo isto são investimentos relativamente reduzidos e reforçam a oferta de lazer e de turismo…
Começa tudo cá dentro. Divididos não chegamos a lado nenhum. Será que a Câmara Municipal consegue finalmente liderar os anseios da Costa Caparica em vez de impor aos caparicanos a sua visão centrada em Almada? É que só dessa forma conseguirá impor ao governo a necessidade de intervir aqui.
Sinceramente, parece que sim, que há essa vontade de diálogo e de trabalho colaborativo, consensual. Temos sempre esta tendência de olhar para o poder, mas também temos de olhar para nós, as diversas vozes existentes na Costa da Caparica e sermos capazes de chegar a consenso entre nós e com a Câmara. Todos temos a obrigação de colaborar. Um bom acordo é aquele em que ninguém fica completamente satisfeito.
A Costa da Caparica, por sua vez, integra-se na oferta turística de Almada, a qual é também menosprezada, tendo em conta a sua variedade e atividade. O Cristo-Rei, como epítome do turismo religioso é já uma referência consagrada, mas o património cultural, monumental e arquitetónico de Almada, com os seus Museus e espaços de exposição, os diversos núcleos artísticos, como a Companhia de Teatro e vários outros, inúmeros outros… e muito há ainda a fazer para consagrar uma outra evidência: o melhor sítio para se ficar e descobrir Lisboa, na realidade é em Almada! Especialmente se for no verão e a Costa da Caparica tiver praia.
Uma coisa é certa. Melhor, duas coisas são certas: A primeira é que não vamos ter outros 40 anos para empatar, ou deixar andar ou deixar que nos maltratem. Segundo, ou falamos a uma voz e bem alto, ou ninguém nos ouve, porque em todo o litoral português não faltarão situações semelhantes e de certeza que não há recursos para atender a todos.
Sim senhor! Bem dito! Chega de ‘discriminação’ de Costa da Caparica!