Num Salão de Cabeleireiro

secador1Num salão de cabeleireiro basicamente frequentado por senhoras idosas, a maioria viúvas e tendo como rendimento uma pensão mais ou menos gorda, procura-se através de produtos que se pretendem fiáveis, rolos, permanentes, ripados e com as mãos ágeis de uma cabeleireira, que há décadas sentiu passar-lhe pelos dedos centenas de tipos de cabelos e que consegue transformar cabelos outrora fartos e sedosos, hoje enfraquecidos, brancos e quebradiços, numa cabeça coroada de caracóis perfeitos louros e brilhantes, recuperar alguma da beleza de outrora já que as rugas acentuadas a pele pespontada de pequenas manchas castanhas junto com o andar vagaroso, muitas vezes auxiliado por uma bengala, de quem já muitos caminhos calcorreou, numa vida corrida de mulher habituada a vencer desafios e a exercer as mais variadas profissões, mesmo sem ser diplomada, utilizando para todas elas o seu famoso sexto sentido.

Mas mais ainda do que sair dum salão com a sensação que o corte e o penteado lhes fez recuar alguns anos, mercê de mãos artísticas, a visita semanal, tem como objetivo a procura de um ouvido atento, um abraço apertado e um sorriso de boas vindas.

São mulheres que outrora viveram com os minutos contados entre a profissão que exerceram sem gosto, as gravidezes que lhes preencheram a alma, o companheiro que escolheram num dia em que um segundo olhar lhes estremeceu o coração e juraram perante deus ser para sempre, as noites mal dormidas enquanto os filhos cresciam e que depois das fraldas, do leite, do primeiro dente, a entrada no infantário, depois na escola mais tarde na faculdade sempre lhes mantiveram os olhos abertos de noite pisados de preocupação.

Mais tarde com os filhos casados, eles também com uma vida sujeita a horários apertados e o companheiro que se foi, deixando na memória somente boas recordações e um vazio que, agora que a idade lhes pesa, não sabem como preencher

Vivem agora sós, acompanhadas dia e noite por lembranças e sonhos que ficaram por concretizar e ilusões que as alimentaram e se esfumaram sem se darem conta

E é no salão, enquanto a cabeleireira lhes remexe no cabelo, que elas desfiam numa toada monocórdica e numa aceitação do destino que lhes pacifica as feições, a saudade do companheiro, o orgulho nos filhos que já não as visitam nem a elas recorrem em busca de colo e conselho, os sonhos postos de lado em nome da família, a agilidade dos movimentos, a beleza que cruelmente sentem que as abandonou e sabem jamais recuperarão.

Assim entre uma novela que assistem e vibram como se de vida real se tratasse, os quartos vazios de presenças, os tachos picados de ferrugem por falta de uso, o saco de água quente no inverno em substituição de outros pés que aconcheguem os seus, a mesa de sala de jantar com flores empoeiradas como centro de mesa e molduras com rostos sorridentes espalhadas pala casa

Vão vivendo numa rotina a que se obrigam tentando não pensar que o hoje pode não ter um amanhã.

 

accleme

Designer Gráfico

One thought on “Num Salão de Cabeleireiro

  • 21 de Março, 2014 at 0:47
    Permalink

    Excelente crónica Ana, não só rica de conteúdo como bem ritmada e apetecível de ler!
    venham mais!
    abraço

    Reply

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Pin It on Pinterest