Óscar
Já lá vão 14 anos quando apareceste na minha vida. De olhos verdes sedutores, de mansinho, como se nada fosse, instalaste-te, compartilhando a minha casa.
A casa começou a ter outra alegria, e aos poucos, começaste a dominar tudo o que te rodeava. A casa passou a ser tua. Davas-me o privilégio de a poder compartilhar, de te alimentar, acarinhar e de conhecer os teus amigos a quem com frequência convidavas para lanchar.
De ar altivo e porte atlético, passeavas elegantemente pela rua, olhando ora para um lado, ora para outro, à espreita de perigos inusitados. Movias-te serenamente, pisando a terra como se uma nuvem de açúcar se tratasse. Com leveza, numa imensa leveza, que não parecia sair daquele corpo atlético e musculado. Quando corrias ou saltavas, era um regalo para quem observava aqueles músculos bem treinados.
Tornaste-te uma fonte de admiração para a vizinhança – “que bonito”, diziam.
As tuas saídas eram frequentes. Como frequentes eram os dias em que não regressavas, sem dares a mínima explicação. Sem prestares atenção à aflição em que ficava. De repente voltavas do nada – magro, faminto. Quando instado onde estiveras, retorquias, gritando. Comias. Descansavas, um pouco e pela calada da noite, lá ias à tua vida.
Outras vezes, deitavas-te e por ali ficavas dias a dormir e a comer. Nesses dias caseiros, pedias colo e afagos. Pedias colo e ali ficavas, enroscado, como um gato. Tínhamos dias em que falávamos, muito. Conversas inacabadas e que surpreendia quem as ouvia.
Mas, os teus amigos e amigas lá te vinham chamar. Saías. E, algumas vezes se me distraísse levavas petiscos para os amigos
Umas vezes esperavas à porta que chegasse do trabalho. Mas quando te falava, olhavas-me com superioridade e rapidamente entravas em casa, como se tivesses vergonha da parca demonstração de afeto. Então, sorrateiramente, sentavas-te na cadeira da cozinha, esperando atentamente que o jantar ficasse ponto, aproximavas-te de vez em quando com olhar guloso a ver se caía algum mimo.
Há dois anos começaste a emagrecer, estavas muito doente. Começaste a ficar mais tempo em casa, a reivindicar a não utilização do computador, da minha cadeira de leitura, ou a quereres o sofá só para ti. Gritavas com menos força, e deitavas-me um olhar meigo. Suplicante.
Passaste a ir ao médico com frequência. Mas no final do verão as coisas complicaram-se.
Tenho saudades tuas, até das gritarias, às cinco da madrugada, quando entravas em casa, esquálido e faminto, ou quando chegavas a casa todo sujo de óleo dos carros, ou cheio de feridas de brigas com os teus pares.
Tenho saudades de abrir a porta aos vizinhos que me vinham apresentar mais um filho teu, ao qual não ligavas, como costume.
Tenho saudades do teu pelo brilhante e dourado, de peito e patas brancas, de olhar luzidio e verde como o mar.
Tenho saudade de um gato chamado Óscar
E, foi com a dor da tua dor, que te vi partir.
4-10-2014
TS
Lindo o teu texto. Tenho aprendido imenso também com o meu gato. Tem-me ensinado uma dimensão de relacionamento entre animais humanos e animais não humanos que até então desconhecia. A vida de uma pessoa humana nunca mais pode ser a mesma quando a partilhamos com um/a não humano.
Quanto mais conhecemos os animais, mais nos cai uma dita superioridade que nos foi inculcada pela educação e pela tradição.
Não é por acaso que a maioria dos nossos animais têm nomes que são atribuídos a pessoas!