E o Mar Aqui Tão Perto!
Vergílio Ferreira escreveu que «Uma língua é o lugar donde se vê o mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto».
Não é por acaso que o mar aparece como musa de muitos poetas portugueses.
O mar como património confere uma identidade muito própria ao nosso país, com uma costa atlântica com mais de 900 km. Particularmente, a zona da Costa de Caparica, é privilegiada com extenso areal com cerca de 30 km entre a margem esquerda do Tejo e a Lagoa de Albufeira, ao longo do qual existem inúmeras praias.
Temos a sorte de tê-lo aqui tão próximo. E embora às vezes nos abstraiamos desta dádiva, ele aparece a cada um de nós sob uma forma diferente. Com histórias, segredos e memórias muito pessoais.
Esse mar, que abarca ao mesmo tempo uma insustentável leveza e um insustentável peso. Se para uns é um prazer e poesia, para outros é labuta e esforço.
Também ele, de si para si, balança nesta dualidade de embalo e força.
O mar que é pai. O pai de tantas famílias, que todos os dias vai trabalhar de madrugada, muitas vezes em condições adversas, em busca de subsistência.
O mar que é criança. O filho que brinca nas ondas e faz castelos na areia.
O mar que é arte. A arte xávega e os seus pescadores. Na Costa de Caparica, esta é uma das atividades estruturantes da economia local, chegando mesmo a impulsionar o turismo.
O mar que é experiência. Os provérbios, ditos populares e o eterno “Há Mar e Mar, há ir e voltar”. O conhecimento das marés.
O mar que é sonho. O pensador em busca de inspiração, que se deixa fascinar quando o mar enrola na areia e imagina o que ele diz.
O mar que é cura. A água salgada, com sal e iodo, traz benefícios para a circulação, ossos, articulações, músculos e pele. Para a alma!
O mar que é saúde. Espaço de prática de desportos e culto de exercício.
O mar que é beleza. Ora verde, ora azul, ora dourado, ora prateado. Espelho de sol e de lua.
O mar que é fragância. A maresia que nos invade os sentidos.
O mar que é vida. A vida que não se vê, aquática, submarina.
O mar que é fado. E destino. E mistério.
O mar onde uma vez ia ficando mas a onde hei-de sempre voltar!
Como se de uma limpeza espiritual se tratasse, num misto de despedida do que já lá vai e baptismo do que há-de vir, existe para alguns o ritual de mergulhar no mar no primeiro dia do ano. Também eu, sem mergulhos, apenas em modo de contemplação e à base de respiração profunda, me fui despedir de 2015 junto do mar na Costa de Caparica, para o voltar a encontrar logo no início do ano, como recarga de energia para o futuro.
O mar é a religião da Natureza, disse-o Fernando Pessoa. Celebremo-lo então, nós que o temos aqui tão perto.
O mar é horizonte com tudo o que de bom e mau encerra e que também é símbolo de sonho e ansiedade…É também caminho que une os homens ao longo da História e em todos os pontos geográficos.