As Galápagos dos Pobres
As ilhas Ballestas, ficam muito perto da cidade peruana de Paracas, a cerca de 20 Km, e são anunciadas como as Galápagos dos pobres. Não admira, as Galápagos ficam a mil Km das costas do Equador…
A viagem de ida e volta às Ballestas, incluindo a “visita” às ilhas, que mais não é do que dar uma volta em torno delas, tudo incluído demora pouco mais de duas horas.
Não é possível desembarcar nas Ballestas. Esta medida destina-se a proteger a sua variada e populosa fauna. E o guano, claro.
Não passando de caca de pássaro, também há de morcego, foi a principal matéria prima para adubar terras pela sua riqueza em nitratos.
A sua importância era tal que motivou diversas guerras no século XIX, chegando mesmo a motivar os nossos vizinhos, e hermanos, a enviarem uma expedição dita científica, à América do Sul em 1862, liderada pelo almirante Pinzón, descendente direto dos irmãos Pinzón que acompanharam Colombo na sua viagem original.
Ora esta viagem “científica” acabou por retomar as ilhas Chincha, também peruanas e riquíssimas em Guano. Resta acrescentar que nessa altura a coroa espanhola ainda não tinha reconhecido a independência do Peru…
Anos mais tarde, em 1879 e nos cinco anos subsequentes, foi a vez do Chile invadir a Bolívia e o Perú para possuir o valioso guano, na disputa que ficou conhecida como a Guerra do Pacífico. Não iam chamar de Guerra da Caca, não é?
Acontece que já os Incas atribuíam grande importância a este fertilizante natural. Estamos a falar em montanhas de dezenas de metros de dejetos avículas. No entanto, para as simples fezes se transformarem em valioso guano é preciso esperar anos. Hoje, nas ilhas Ballestas, há um ciclo de 7 anos antes que se planeie uma época de extração.
Após este introito de verdadeira e comprovável conversa de trampa, vamos aos habitantes das ilhas, antes de falarmos do porto que lhes dá acesso e que não é menos fascinante: Paracas.
As ilhas são desertas de humanos mas têm uma população numerosa de pássaros, contribuintes diretos do guano, e que são claramente visíveis. Tão visíveis que todos os operadores destas visitas têm o cuidado de avisar que os visitantes devem usar chapéus. E não é por causa do sol.
São muitos os tipos de aves, desde gaivotas, quer peruanas quer chilenas (há quem as distinga), até pelicanos, corvos-marinhos e guaney, um pássaro para o qual não encontrei nome em português.
Mas não há só pássaros. Leões marinhos – diversos tipos – o chingungo, tão ágil que ganhou o epíteto de gato marinho e, ainda, pinguins.
Esta fauna deve a sua presença em águas peruanas à famosa corrente de Humboldt, a mais fria do mundo, que impede o Perú de ser uma potência balnear, mas, em contrapartida, traz os pinguins. E quem não gosta de pinguins?
Na verdade, há muito quem não goste, especialmente quem tem de lidar com os seus dejetos. Alto, que já basta desta conversa, caso contrário, até a leitura dava mau cheiro!
A viagem até estas ilhas faz-se em velozes barcos, especialmente desenhados para estes efeitos turísticos, com diversas filas de lugares sentados ocupados por turistas de colete de salvação laranja. Uma vez chegados, é impossível não ficar embevecido com as alimárias, o sono paquidérmico dos leões marinhos, que só aparentemente se manifestam alheios a tudo, pois volta e meia, um deles, decerto aborrecido com a curiosidade humana, mergulha e desaparece nas profundezas do Pacífico.
Outra das oportunidades desta viagem às ilhas é a observação clara e desimpedida do famoso “candelabro” um geoglifo desenhado nas encostas das arribas de Paracas.
O
que significa? Ninguém sabe ao certo.
No entanto, o povo Paracas, que antecedeu em muito os Incas, constitui uma cultura rica e importante, cuja vida se alongou por 900 anos, quase um milénio: desde 700 aD até 200 dC.
Acontece que esta cultura era muito mais desenvolvida do que seria de esperar, merecedora de atenção e estudo aprofundado, não só por alongar os crânios, mas por ser capaz de fazer cirurgias (trepanação) ao cérebro, ou pelo menos ao crânio, com provas não só da sua realização, como da sobrevivência do sujeito pois se identificam calosidades que o comprovam. E também pelos geoglifos, como o “candelabro”.
Foram estas descobertas que motivaram a visita do célebre Giorgio Tsoukalos, um dos “teóricos dos Astronautas Antigos”, com o seu icónico cabelo sempre em pé, sempre pronto a encontrar vestígios de extraterrestres. Segundo ele, os crânios alongados são uma imitação dos crânios dos visitantes galácticos…
Quais teriam sido as razões que levaram os Paracas a furarem a cabecinha de alguns dos seus conterrâneos? Pois, boa pergunta. Dores de cabeça? Magia?
Outra das qualidades dos Paracas era a sua produção têxtil, ainda hoje desenvolvida com padrões e técnicas que perduraram quase três mil anos passados.
Talvez a mais popular das influências da cultura Paracas são os geoglifos, quer aqueles que podemos ver nas encostas da própria cidade, quer os que os seus vizinhos e descendentes, os povos Nazca, situados num grande vale fértil a apenas cerca de 190 Km para o interior, e que celebrizaram estes desenhos que, até ao dia de hoje continuam a intrigar os estudiosos.
E lá virá o jovem de nome meio italiano, meio grego, que é de origem suíça mas faz vida nos EUA – uf! – com o cabelo em pé, claro, defendendo que os geoglifos se destinavam aos visitantes de fora. De muito fora mesmo!
Em Paracas, o mais célebre geoglifo é o “candelabro”, datado por volta de 200 aC e que, ao contrário das linhas Nazca, que apontam ao céu, este parece dirigir-se ao oceano.
Há quem avente a hipótese de ser um geoglifo produzido com o objetivo de orientar os pescadores, mas há também quem defenda ser uma representação da famosa “Árvore Mesoamericana da Vida”, uma espécie de eixo do mundo que une as instâncias dos três mundos: o subterrâneo, o terrestre e o dos céus.
Esta divisão em três mundos é central na mitologia Inca.
Concretamente, o “candelabro” é um “risco” de 61 cm de profundidade, com o sulco rodeado por pedras para o acentuar e proteger, medindo cerca de 180 metros de altura, permitindo a sua visibilidade a cerca de 20 km de distância no oceano.
Em tudo o mais, Paracas é uma cidade que, na época baixa em que a visitámos, parecia calma, com um passeio amplo à beira-mar, cheio de pelicanos, para gáudio da criançada que não parava de os alimentar e atazanar. Não é fácil a vida de pelicano naquelas paragens. Mas come-se bem.
E, no que nos diz respeito, bebe-se bem também. Situada na província de Pisco, não deixa a glória do Pisco Sour em mãos alheias. É uma instituição peruana, apesar dos chilenos terem a sua versão também.
O pisco sour é um coquetail alcoólico de origem peruana. O nome da bebida vem de pisco, que é seu licor base, e do termo que o define como um coquetail azedo, O pisco sour peruano usa, como seria de esperar, o pisco peruano como licor base e adiciona sumo de limão – espremido na hora – xarope simples para adoçar, gelo, clara de ovo e o bitter Angostura, de origem venezuelana.
Na verdade, é um coquetail muito agradável, especialmente quando tomado no fim de tarde numa esplanada à beira do Pacífico, testemunhando um qualquer espetacular pôr-do-sol. E não faltam opções disponíveis.
Uma das noites, quando a fome apertou e com desejo de nos aproximar das comidinhas da nossa terra – que na verdade são insubstituíveis – resolvemos dirigir-nos a um enorme assador, completamente virado para grandes festas, com um salão coberto recheado de muitas longas mesas de bancos corridos.
Com o recinto deserto, estavam dois funcionários ao balcão, um deles a atender o público – nós e mais ninguém – e outro em guerra aberta com o carvão, tentando manter a temperatura. O frango estava já pronto, ficando o Rosé, ou José, responsável por substituir a guerra do carvão, pelas guerras do esquartejar o frango.
-Ele é venezuelano, disse o do balcão. “Chegou há uns meses a fugir da vida difícil”, acrescentou.
– Tem piada, respondi eu, “Estava na Venezuela há três semanas atrás”, e também expliquei, “fui lá em trabalho”.
O José venezuelano nem pestanejou. Contornou o balcão e veio abraçar-me. “Hermano” disse.
Com tão singela e emotiva receção, senti-me obrigado a oferecer mais: “Caracas é uma das cidades mais bonitas que conheço”, e é mesmo.
O frango não estava nada de especial. Realmente, não me recordo de nenhum frango assado que fosse especial depois de ter provado o da Rua Washington, onde nasci. Mas pronto, era o mais próximo da pátria que se podia arranjar naquele lugar.
E foi um belo jantar regado a cerveja peruana Cristal, para puxar mais ao lar.