“Capona” Castanha
Durante alguns anos o meu Pai teve um cavalo, de cauda curta, a que chamava “Capona”, devido a essa amputação, logo em poldro.Era um cruzado com muito sangue dos trotadores Hackney. Foi a minha montada em alguns anos da minha juventude. Já lá vão mais de 50 anos quando ele era o meu meio de transporte de “monte” em “monte”, pelos caminhos intransitáveis desses anos já distantes. Só em 1964, depois de eu ter fracturado uma perna, na pega a um toiro no Campo Pequeno, deixei de o montar. Nunca fui um entendido em equitação mas gostava de andar a cavalo, escarranchar-me e galopar por esse Alentejo fora, sem aramados, sem limites, sem proibições, sem peias, que limitassem a minha ansia de liberdade. De dia ou de noite o meu companheiro e amigo sempre sem vacilar, sem tropeçar, sem cair, transportou-me, e aos meus sonhos de amor, por esses campos deste imenso Sul. Em muitas noites de Inverno, normalmente nas férias de Natal, a estrada enlameada só era assinalada pelos reflexos da lua que, lá de cima, ia acompanhando os meus sonhos, os meus projectos, a raça deste cavalo que me levava a bom destino. “Era uma capona bravia a quem eu queria como um irmão” mas não “foi um toiro que o matou”, porque nunca gostou de tourear. Era um animal nobre, generoso, muito saudável, que se falasse seria o meu confidente e conselheiro nas noites enluaradas ou nas tardes quentes, às vezes abrasadoras, do Verão alentejano. Foi um companheiro que fez parte da minha vida de jovem, ainda cheia de sonhos, que muitos se vieram a realizar. Fui feliz, ou melhor, tive muitos momentos felizes, na vida já vivida, que nunca poderei esquecer, enquanto a memória fizer parte do meu quotidiano. Muitas das recordações do passado estão melhor gravadas que outras, que tiveram lugar posteriormente, e que tendem a apagar-se às vezes.
Numa tarde de Verão, ainda no final dos anos cinquenta, a minha Capona, arrancou num galope louco pela estrada alcatroada, na saída de Veiros, cheia de curvas e contracurvas, sem querer parar.Só depois dessa corrida desenfreada, resolveu abrandar e, a sorte, aliada ao pouco trânsito existente, evitou um acidente grave, pois galopava no meio da estrada e não me obedecia. Passado o susto voltámos para o caminho de terra e, num alqueive lateral, castiguei-o, não voltando nunca mais a repetir o comportamento estranho desse dia.
Tivemos outros cavalos mas, foi com este, que senti uma afinidade que ainda hoje recordo.
Os anos passaram , os cavalos, como meio de transporte, foram rareando, dando lugar aos automóveis com a potência de muitos cavalos… Poluidores do ambiente e, tantas vezes culpados por acidentes gravíssimos e pelo desequilíbrio financeiro dos seus donos!!! Emblemas de uma sociedade de consumo, onde os homens exibem os seus sinais exteriores de riqueza. Será mesmo riqueza a arrogância, o desrespeito pelos outros e pela Natureza??? Dá que pensar. A verdadeira riqueza está no interior das nossas almas, nos nossos gestos de partilha.
A recuperação dos burros, que já estavam em risco de extinção, está agora na ordem do dia… mas muitos outros “burros”, armados em inteligentes, continuam a crescer, entre nós, todos os dias. É tempo de parar para pensar… Para encaminhar este país e o mundo por outros caminhos que levem os homens a viver uma vida mais digna, mais feliz, no fundo mais Humana.
António José Zuzarte, Setembro de 2012.