Inês de Medeiros
A Presidente da Câmara Municipal de Almada deu uma grande entrevista ao Público (Helena Pereira) e à Rádio Renascença (Eunice Lourenço). Pode ler a entrevista no Público clicando aqui.
Entrou na política em 2009 a convite de José Sócrates, adorou ser deputada e em 2017 roubou o histórico bastião de Almada ao PCP. Governa com o apoio do PSD e acusa a CDU de não ter conseguido resolver o problema da habitação no concelho por uma “questão ideológica”.
Apesar de ser uma entusiasta da “geringonça”, escolheu o PSD como parceiro de governação em Almada. Quando olha para 2019, Inês de Medeiros, confessa, em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença que pode ouvir a partir das 12h desta quinta-feira, que vê o risco do populismo e muita contestação social.
Num momento em que a “geringonça” está em alta, fez o contrário e tem uma aliança com o PSD. Como é que tem sido essa aliança?
Está a correr muito bem. A realidade autárquica é uma realidade muito diferente e é isso que permite que haja um óptimo entendimento com o PSD local e que nada tem a ver com o que vai acontecer este ano que são as eleições legislativas e o confronto normal entre PS e PSD. O consenso com o PSD é em matérias evidentes: há problemas endémicos em Almada a que é preciso pôr cobro, como o problema da habitação, reabilitação urbana, subvalorização da Costa da Caparica. Não há espaço para grandes dúvidas ideológicas. Claro que continuamos a ter divergências, por exemplo, na relação entre público e privado.
Em 2017, foi a grande surpresa das eleições autárquicas. Está rendida ao trabalho autárquico?
Estou. É muito desafiante. Um autarca tem que ter a capacidade para responder a todo o tipo de matérias. Tão depressa está a tratar do gatil e do canil como dos transportes, habitação, salubridade, cultura ou da saúde.
Sentia-se preparada para todas essas áreas?
Ninguém está preparado até chegar ao lugar de autarca. Felizmente a acção política não se faz sozinho.
Como se define hoje em dia? Autarca, política, actriz? Foi apresentada em 2009 como uma novidade das listas de candidatos a deputados por José Sócrates e foi ficando.
Tenho jeito para as novidades. Sou tudo isso.
Nunca se desiludiu com a política?
Pelos vistos, não. Gostei muito de ser deputada. Acho muito perigoso quando desvalorizamos o Parlamento. Sempre que há histórias em torno dos deputados olho com grande preocupação. Temos que ter muito cuidado. Toda a gente fala dos perigos do populismo e o populismo começa por atacar os instrumentos essenciais para a democracia e, neste caso, o Parlamento. Evidentemente que os deputados têm que dar o exemplo, mas há uma desvalorização permanente do que é o trabalho parlamentar e isso é muito perigoso.
O que é que os políticos devem fazer para evitar essa desvalorização e esses ataques?
Vou dizer uma coisa que, se calhar, é um bocadinho polémica, mas a primeira coisa é os próprios políticos não embarcarem nesse tipo de discurso contra si próprios. Muitas vezes começa por eles. Há uma espécie de complexo de culpa dos políticos que acabam por absorver esse discurso nesta ideia de que estão a ser porta-vozes de um sentimento generalizado.
Mas não têm eles que fazer autocrítica e corrigir algumas coisas?
Claro que sim mas há um excesso de desvalorização da causa pública, o que é perigoso.
Os deputados estão há dois anos a debater na comissão da transparência a maneira de melhorar a sua acção.
Não estão há dois anos! Fui eleita deputada em 2009 e já estavam a discutir. É importante saber aonde é que se quer chegar. Há que ser claro: quer-se ou não um regime de exclusividade; que garantias se dá aos deputados? A desvalorização da passagem pela função de deputado faz com que haja deputados que deixam de ser deputados e não têm direito a nada, nem sequer a um fundo de desemprego. Ficam sem nada. Supostamente os deputados estão a descontar para o regime geral como toda a gente. Já não existe o subsidio de reintegração e também não há sequer um fundo de desemprego porque aquilo não é considerado um emprego mas um mandato. O que faz com que alguém que dedique seis anos, quatro anos, três anos, que interrompa a sua carreira para se dedicar à causa pública depois sai e não tem direito a nada. Acho preocupante. Isso é que pode fomentar a corrupção e o facto de os deputados terem vários empregos. Temos que olhar isto com mais realismo e mais pragmatismo. Isto deve ser dito claramente.
E sem medo da defesa da política que é o que às vezes parece existir nos próprios políticos.
Isto não custa dizer claramente. E deve ser dito claramente. O que é que alguém tem por se dedicar a certa altura à causa pública sem arruinar a sua vida? Estas são as questões essenciais de uma forma muito prática, muito terra-a-terra, independentemente das forças partidárias.
Continua atenta ao mundo da Cultura. Como viu as mudanças na pasta da Cultura? O PS tem dificuldade em lidar com esta área?
Não acho que tenha dificuldade. Deixe-me fazer um elogio à ministra da Culturaque conheço há muito tempo e por quem tenho respeito e amizade. A cultura é uma área muito difícil, porque é muito variada. Continuo a achar que existe um vazio e não é de espantar que eu defenda uma excepção cultural à semelhança do que se passa em França. Contratar um espectáculo e um melhoramento de via é praticamente a mesma coisa. Acredito neste conceito também para os trabalhadores da cultura. E depois há a questão orçamental. Melhorou um bocadinho, mas lamento que não se perceba que investir no sector cultural é investir na inovação, criação de riqueza.
Gostaria de ser um dia ministra da Cultura?
Não sei. Agora estou muito embrenhada em Almada e não costuma correr bem (risos). Mas desejo as maiores felicidades a quem está no cargo.
Se o PS não obtiver maioria absoluta, deve governar com PCP e BE ou com Rui Rio?
Sempre fui uma adepta da “geringonça”. É preciso ter a noção da extraordinária alegria e do sopro de esperança que foi este Governo com este acordo e ter resistido durante quatro anos. Sabemos que este ano vai ser um ano infernal. É ano de eleições, com imensas greves, cada um vai querer marcar a sua diferença. Mas era bom que este ano de campanha não viesse estragar a extraordinária vitória que foram estes anos de legislatura, até pela valorização do Parlamento que recuperou uma certa centralidade.
Diz que Almada tem problemas endémicos mas Almada foi governada durante 40 anos pelo mesmo partido. O que a surpreendeu nessa herança?
Houve questões ideológicas que fizeram com que Almada perdesse uma série de oportunidades e de comboios. Uma das questões mais flagrantes tem a ver com a habitação. A CDU sempre considerou que a habitação era um problema central e só acessoriamente era municipal. Havia um descartar de responsabilidades ou porque era do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) ou do Porto de Lisboa ou do Governo central. Havia uma tentação de limitar aquilo que eram as responsabilidades municipais. Vê-se a dificuldade do PCP relativamente ao diploma da descentralização. Essa tentativa de desresponsabilização sucessiva criou problemas. No caso da habitação, não havia um regulamento de atribuição municipal, não havia um levantamento sólido de quem são aquelas pessoas, não havia nenhum tipo de fiscalização.
O PER foi cumprido a 60%. Almada nunca conseguiu acabar com as suas barracas e não sei até que ponto houve um empenhamento real nisso. Neste momento, temos mais do que tínhamos nos anos 90.
Como vai resolver o problema do bairro de lata Segundo Torrão?
Não é só no Segundo Torrão mas também nas terras da Costa – e a pressão imobiliária sobre Lisboa faz com que corramos o risco de ver aumentados os bairros de lata. Não é um problema que Almada possa resolver sozinha. Vamos ter que a certa altura construir novos programas com a secretaria de Estado da Habitação. Vamos finalizar a estratégia a cinco anos que temos que apresentar ao Governo, vamos possibilitar que privados que tenham habitações em más condições possam eles próprios candidatar-se e temos que arranjar programas de renda acessível como em Lisboa.
Falou do problema da pressão imobiliária de Lisboa. Almada já sente esses efeitos?
Já. O IMT aumentou imenso. Houve um grande movimento de reabilitação e novas transacções. Depois, vê-se que, por exemplo, Cacilhas tem muitos novos habitantes. Felizmente estamos mais com alugueres de longa duração e aquisição mas não quer dizer que não venhamos a ter mais Airbn, mas deve ficar concentrado nas zonas mais junto ao rio. Sente-se também no aumento de preços de venda e arrendamento.
Como acompanha o problema da falta de oferta dos barcos da Transtejo?
Com grande preocupação. Tenho falado com a empresa e com o Governo. Vão ser lançados concursos para a compra de novos barcos mas são processos longos. Nós temos um problema imediato. Não faz sentido continuar a adiar um investimento prioritário. É preciso arranjar uma solução alternativa, seja aluguer de barcos…
A administração central não está a olhar para a margem sul?
Tem olhado. Há vários ministros da margem sul (risos). Não estão a perceber talvez a urgência até porque a ponte 25 de Abril vai entrar em obras de manutenção.
Continua a faltar a terceira ponte.
A terceira travessia. Não sei se é ponte ou túnel. No imediato, entre a ponte e o túnel é o barco. É preciso que a Transtejo arranje navios. É preciso garantir um aumento significativo das travessias e é preciso pensar algumas travessias. Belém (que faz ligação a Trafaria e Porto Brandão), por exemplo, é o sítio menos prático que existe. Era importante ligação a Cais do Sodré ou Alcântara ou até Algés, que fosse parar a um interface.
A ponte 25 de Abril vai entrar em obras. Foram previstas alternativas?
As obras serão feitas em período nocturno e aos fins-de-semana. No Verão, arrisca-se a ser um bocadinho mais complicado. O período muito longo para as obras deve-se ao facto de os períodos em que se pode trabalhar serem muito reduzidos. Independentemente das obras, a ponte chegou a um limite. Não dá para aumentar. A prioridade é investir nos barcos e encontrar uma resposta rápida que passa por mais navios e por repensar as rotas das ligações fluviais. A estrutura para o túnel do lado de Almada já foi toda feita, como do lado de Algés. Só falta o túnel. Já que a estrutura está feita vamos aproveitar para fazer a ligação por barco.
O presídio da Trafaria foi uma prisão política no tempo do salazarismo. Quer lá fazer um grande Instituto de Artes e Tecnologia. Esse projecto conta com o apoio das restantes forças políticas? Qual a melhor maneira de preservar a memória?
O PCP não pode falar de preservar a memória. Convido-a a ir visitar as celas. Com o estado de degradação em que está é um bocado irónico ter o PCP preocupado com a memória. As celas têm graffitis, ratos Mickeys. Inscrições de presos, já não há nem uma. Estamos em conversações com a Universidade Nova, sendo que a parte das celas continuará sob domínio da câmara e será reabilitado. Se há uma força política que não pode vir com essa preocupação da história, dado o estado absolutamente deplorável a que deixaram chegar o presídio é o PCP.
No balanço de um ano de mandato, disse que a CDU é “mau patrão” e que encontrou “um clima de medo”. De que forma?
Fiquei muito impressionada, de facto, com as condições de trabalho dos nossos trabalhadores. Falo de coisas tão básicas como o facto de os balneários femininos, no caso dos viveiros, nem sequer terem uma cortina. Noutros locais, há trabalhadores em contentores. É uma situação que me chocou muito. Eu faço parte da geração das crianças de Abril. Tenho um imenso respeito pelo PCP e pelo seu papel. Para mim, nem sequer é muito fácil ter este discurso, mas que é um discurso de verdade, e que eu nem estava à espera de encontrar. Estava à espera de encontrar aquele lado mais conservador, uma coisa muito organizada. Permanecer muito tempo no poder perverte sempre o sistema democrático, as prioridades políticas. Não é tanto a questão do PCP ou da CDU. Felizmente agora há limitação de mandatos. Este permanecer no poder durante tanto tempo dá sempre mau resultado.
Daí o clima de medo de que fala?
Penso que sim. Isto atrai uma grande informalidade e não é só a vereação que se mantém no poder mas os próprios dirigentes e depois relações muito próximas e um domínio com um sistema de apoios públicos que não era condizente com a boa gestão pública.