Luísa Costa (da Caparica) Gomes
O Diário de Notícias publicou uma entrevista de João Céu e Silva a Luísa Costa Gomers sobre o seu mais recente trabalho “Da Costa: praias e montes da Caparica”. Como é nosso costume, aqui publicamos o texto na íntegra, aconselhando a sua leitura no original, onde está também um registo em vídeo (CLIQUE AQUI PARA LER).
Caparica: relato da praia onde Burt Lancaster também poderia beijar Deborah Kerr
Não foi por acaso que a escritora Luísa Costa Gomes escreveu um ensaio sobre a Costa da Caparica. Uma espécie de memórias que a ficcionista e dramaturga está a lançar.
É um livro inesperado este Da Costa: praias e montes da Caparica quando se vê que a autora é Luísa Costa Gomes, de quem se está mais acostumado a ler ficção ou dramaturgia. Mas o ensaio não acontece por acaso, afinal é lugar onde a escritora vive e uma região que conhece bem desde há quatro décadas.
Começa por esclarecer que é “Costa da” e não “de Caparica”, velha disputa linguística que a revisão voltou a levantar, enquanto recorda que este litoral era antigamente uma espécie de pântano e zona insalubre e que só no século XVIII, com o estabelecimento ali de duas colónias de pescadores é que vai iniciando a mudança de estatuto. Tanto assim que Ramalho Ortigão – “criado nos banhos da Foz no Porto”- nem a considerava praia: “O Ramalho quando passou por aqui ignora o que está entre a Fonte da Pipa e a Trafaria – que achou medonhas – e Sesimbra, onde existiam praias civilizadas.”
Será Raul Brandão o primeiro a descrever com profundidade literária o litoral português e a avaliar as praias, mesmo que ainda não considere a Costa como tal: “O seu interesse era os pescadores, fala destes aqui vagamente, mas o que o impressiona é esta imensidão de areal, ou seja do ponto de vista paisagístico.” A autora regista também no seu ensaio a opinião de Brandão: “Descreve num texto citadíssimo essa viagem entre a terra alagadiça e o morro vermelho e a primeira visão da Caparica. (…) O quadro que pinta inclui todos os elementos que farão da Costa uma praia popular”.
Adianta Luísa Costa Gomes que a praia começa a constituir-se a partir dos anos 30 do século passado, alteração que acompanhou: “Tem sido uma mudança discreta, mesmo que Almada se tenha tornado uma megalópole péripherique e dormitório, até há duas décadas dar início a uma importante transformação cultural e desportiva.”
Sobre este volume não deixa de confessar: “Diverti-me a escrever o livro e aprendi muita coisa, pois acompanhei a construção histórica desta parte do país”. Não deixa de criticar os planos diretores complexos que incitam à construção clandestina: “É uma frente marítima maravilhosa que seduz as pessoas”.
Porquê este livro? “O porquê é difícil de explicitar, mas fazia parte de vários projetos que tinha pensado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos e, a certa altura, interessei-me do ponto de vista literário pelo sítio onde vivo. Quis aprender alguma coisa”. Acrescenta que ao nível de memórias “este é um género literário muito pouco praticado em Portugal e distante do que existe em países como a Inglaterra, onde todas as donas de casa têm um diário ou um livro de receitas com notas que permitem reconstituir vidas e ambientes”.
Esta discrepância decorre, na sua opinião, do facto de os portugueses terem “uma cultura muito anti-intelectualista e anti-livresca e a ideia de registar não existe porque consideram que este tema não é digno de ser escrito”. Avisa que “começamos agora a fazer em várias zonas do país esse legado de experiências”, justificando que este seu livro que não passa de “um pequeno contributo, com uma abordagem literária escrita como uma reportagem resultante de uma deambulação.”
Quanto ao tom da reportagem, garante que não foi difícil encontrar: “Basta estar acordado e desperto para a realidade para ela se tornar muito interessante. A Costa tem a particularidade de ser muito diversa, porque tanto existem fabriquetas, a universidade, a Cova do Vapor, os silos, a Trafaria, Cacilhas, todas elas com vidas e ambientes muito diferentes, a que se juntou um fenómeno de arribação de pessoas que têm um percurso fora daqui.” Informa que “há pouca gente que nasceu aqui antes da primeira metade do século passado, mas muita passagem de estrangeiros e uma vida de lazer que tornam esta região muito específica”.
Pergunta-se se estas vidas não davam um romance? “Sim, até porque a industrialização do turismo fez com que na Costa haja verão todo o ano e a vida não acaba como antes, quando chegava a setembro e parecia que vivíamos na Lua de tão deserto e sinistro era a Costa fora do centro. Nada acontecia, o que agora mudou muito, pois há surfistas todo o ano e trinta mil outras coisas a acontecer no areal.”
Ao ler-se o livro encontra-se uma recuperação de imagens que são iconográficas na linguagem do cinema. A autora explica: “É verdade, mesmo que de passagem, porque tem a ver com a constituição do paradigma do que era estar na praia e do que é a descoberta muito recente nos anos 60 do prazer de estar na praia. Temos filmes como Até à Eternidade com a Deborah Kerr e o Burt Lancaster a beijarem-se na praia ou a Brigite Bardot nas praias do sul de França.” Sobre estas imagens, respetivamente, cinematográficas ou em reportagens de revistas, pode ler-se no ensaio: “Incendiaram a imaginação de muitos com as potencialidades do amor à borda-d”água” e “andava descalça, e toda ela era natureza”.
A Costa da Caparica, continua a autora, “tem características que a tornam diferente, pois constituiu-se como alternativa ao Estoril e Cascais. Estas, a praias dos ricos e civilizadas à maneira de Ortigão, aquela uma praia popular, voltada para as grandes caminhadas ao ar livre e de vida saudável”. Dá exemplos: “Para aqui vinham os freaks, havia comunidades de nudistas e naturistas. Tornou-se uma alternativa, até política, à vida quotidiana, porque sempre foi uma praia racial, multiétnica e multiclassista, um grande areal que não rejeita mas inclui.” E essa variedade retira algum glamour à praia? “Toda a margem sul tem esta particularidade, e o facto de ser inclusivo não retira glamour mas torna-a mais interessante e viva do que um lugar onde toda a gente se conhece e faz teatro uns para os outros.”
Apesar de conhecer bem a Costa, Luísa Costa Gomes não deixou de fazer investigação: “Falei com alguns conhecedores, ativistas e gente muito empenhada”. Interessou-se também por uma atividade a que pouco ligava: “A arte xávega, que tem um potencial turístico que pode ser perigoso na descaracterização da atividade.” Revelou todos os segredos? “Não fui procurar mistérios, queria dar um retrato da grande qualidade de vida que alguns eleitos têm por viver aqui.”
Li hoje na revista do Expresso a analise deste seu livro. Irei comprar logo que tenha oportunidade…