Na morte de Maria Keil…


Maria Pires da Silva Keil do Amaral, nasceu em Silves a 9 de Agosto de 1914 e morreu em Lisboa a 10 de Junho de 2012. Foi uma das grandes artistas portuguesas, cuja vasta e multifacetada obra atravessa grande parte do século XX e a primeira década do XXI.

Maria Keil obtém formação inicial na Escola de Belas Artes, onde foi aluna de Veloso Salgado, curso que no entanto não termina. Porém em 1939, começa a trabalhar no Estúdio Técnico de Publicidade onde conhece Carlos Botelho, Ofélia e Bernardo Marques. No âmbito da publicidade, cria em 1941, um anúncio para a cinta Pompadour[i].

Casada com o arquiteto Keil do Amaral ”vive rodeada de arquitetos como a pintora refere”[ii]. Estas duas experiências conduzem-na a uma obra multifacetada caracterizada por várias técnicas artísticas: pintura, desenho, ilustração, decoração de interiores, tapeçaria, gravura, cerâmica, artes gráficas e azulejo.

Faz cenários e figurinos para o Grupo de Bailados Verde Gaio. Elabora cartões para tapeçarias, nomeadamente para a de Portalegre.

A artista integra o 2º Modernismo e como é apanágio dos modernistas desta geração colaborou em revistas, como ilustradora nomeadamente: Panorama, Seara Nova, Vértice, Eva. Ilustra numerosas obras especialmente livros para crianças. Publica 5 livros, sendo três deles para crianças e 2 para adultos.

No início da sua carreira confrontam-se duas linhas programáticas: por um lado a pintura e o desenho, por outro aquilo a que hoje se poderia chamar de designer, dentro de um contexto afeto ao Modernismo, buscando uma nova linguagem relativamente aos objetos e às artes ditas decorativas. Assim em 1941, recebe o prémio de Revelação Souza-Cardoso, do SPN (Secretariado de Propaganda Nacional), com um auto-retrato. Participa nas exposições da Sociedade Nacional de Belas Artes, de Lisboa, entre 1946/1956. Paralelamente, em 1948 encontramos Maria Keil como decoradora de interiores na Pousada de S. Lourenço, na Serra da Estrela.

Nos anos 50 do século passado, dá-se uma viragem na sua carreira, Maria Keil irá dedicar-se à composição de azulejos, “sentindo a necessidade de participar numa mudança de mentalidade em Portugal…fazer quadrinhos, diz Maria Keil, não ia alterar nada, fazer coisas para a arquitetura permitia estar ao alcance de toda a gente”[iii]. A experiência de lidar com a espacialidade arquitetónica, levam-na à execução de murais, frequentemente em colaboração com o marido o arquiteto Keil do Amaral. Participa com um mural alusivo aos Monstros Marinhos na Exposição do Mundo Português, em 1940. Produz em azulejo a decoração do aeroporto de Luanda, bem como da delegação da TAP em Paris.

Será através do azulejo que Maria Keil ficará indelevelmente ligada ao espaço público e à cidade de Lisboa, com duas obras de grande envergadura e de impacto visual: o painel de azulejos O Mar, para o bloco de edifícios da Av. Infante Santo e a decoração das primeiras estações do metropolitano de Lisboa.

O bloco de edifícios da Av. Infante Santo, é um projeto de grande envergadura do arquiteto Alberto Pessoa, inovador para a época (1954-1958), na forma como articula a malha urbana com os volumes arquitetónicos. Não é a primeira vez que Maria Keil, intervém com painéis de azulejos em projetos de arquitetura, mas é seguramente o primeiro trabalho de grande impacto e de onde apresenta uma grande maturidade artística. A sua obra desenvolve-se a partir do projeto arquitetónico, podendo-se constatar uma unidade de conceção. A linguagem pictórica reporta-nos ao ideário da época, a geometrização/estilização tanto da figura humana como dos objetos. E, onde a pintura tira partido da fusão entre fundo e figuração.

Projetou a decoração de azulejo das estações do metro, concebidas pelo marido e uma vez mais a decoração azulejar partiu do projeto arquitetónico. As estações foram inauguradas em 1959: Entrecampos, Campo Pequeno, Picoas, Rotunda, Parque, S. Sebastião, Palhavã, Sete Rios e Restauradores. Numa 2ª fase com a ampliação da rede do metro, projeta as novas estações do Rossio, Socorro, Intendente, Anjos, nos anos 60. Novamente em 1972, tem a seu cargo a decoração das estações de Alvalade, Roma, Areeiro, Alameda e Arroios. Em azulejos de padrão geométrico, Maria Keil previu o olhar de quem se movimenta nos corredores e estações, dotando-as de um sentido rítmico criado pelo desenho e pela cor.

Com a ampliação das estações do metro, a partir de 1977, a maioria dos painéis foram destruídos. Porém, volta em 2009, a trabalhar na decoração da extensão da estação de S. Sebastião da Pedreira, com o arquiteto Tiago Henriques.

Em 1970, a azulejaria que fez para o metropolitano “esteve presente na Exposição de Azulejaria Contemporânea, organizada na Fundação Calouste Gulbenkian”[iv] Em 1989, o Museu Nacional do Azulejo, dedicou-lhe uma exposição monográfica ao seu trabalho.

Em 23 de Maio de 2012, Maria Keil recebeu o prémio “Obra de vida” atribuída por SOS Azulejos, numa homenagem onde foi projetado um filme sobre a sua obra, da autoria de Hugo Santos.

De “suave trato”[v], conforme a descreve a jornalista Maria Augusta Seixas, Maria Keil era também uma mulher de grande generosidade e atenta aos problemas sociais.

O seu talento contribuiu para humanizar a vida na cidade, tornando-a mais aprazível para quem nela deambula. Transformou paredes de cimento em espaços acolhedores. E noutras, fez delas murais, que ainda hoje, podem ser admiradas e que se tornaram com a patine do tempo, num verdadeiro ex-libris da cidade de Lisboa.


[i] Luísa Arruda, Azulejaria nos séculos XIX e XX, in História da Arte Portuguesa, Vol 3, Temas e Debates, Lisboa, p. 429.

[ii]Idem e Ibidem.

[iii] Citando Luísa Arruda, Idem, p. 430

[iv] Idem, p. 431

[v] Entrevista efetuada por Maria Augusta Seixas para a RTP há já alguns anos

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