O Futuro do Ginjal
A Porta de Almada
O projecto foi apresentado, a discussão pública fez o seu caminho, mas o Ginjal continua uma incógnita a que não é alheia alguma controvérsia.
Para continuar a discussão de um empreendimento fundamental para o desenvolvimento do concelho de Almada, o Notícias da Gandaia apresenta nesta edição a história da criação e do desenvolvimento do cais. Convidámos os partidos representados na Câmara a apresentarem a sua visão desta obra estruturante. Todos responderam, infelizmente o texto de Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, não chegou à nossa redacção.
Breve Síntese Histórica do Cais do Ginjal
Elisabete Gonçalves (Centro de Arqueologia de Almada)
Entre 1997 e 2002, o Centro de Arqueologia de Almada desenvolveu o projeto Ginjalma, para estudar e divulgar o Cais do Ginjal, numa altura em que se previa para breve a sua reabilitação urbana. Nesse âmbito foi publicada a monografia Memórias do Ginjal e concebeu-se a exposição Ginjalma, as Memórias e o Espaço, que esteve patente num armazém do cais e foi visitada por quatro mil pessoas. Hoje o Cais do Ginjal volta à ordem do dia porque há um Plano de Pormenor em processo de decisão que visa a transformação daquele espaço. O conhecimento do passado do Ginjal continua a ser fundamental para desenhar o seu futuro, sobretudo se queremos que o valor patrimonial seja um fator determinante na nova urbe projetada.
O registo mais antigo do Ginjal data de 1767 e diz respeito a uma Quinta – a Quinta do Ginjal – referenciada pelo historiador Rui Mendes. No século XVIII também já havia armazéns de vinho, que beneficiavam da proximidade de Lisboa, da facilidade de acesso fluvial e das características naturais do local: frio, porque está virado a norte na base da arriba; e abundância de água.
Os terrenos ribeirinhos entraram na posse da Câmara Municipal de Almada em 1860. A partir daí, a autarquia começou a aforar (ceder sob pagamento) lotes de praia. Os foreiros que queriam construir edifícios ficavam obrigados a fazer a respetiva parcela de cais. Dessa forma se foi resolvendo o problema do acesso a Cacilhas, reivindicado pelos ocupantes mais antigos.
Muitas das amplas instalações que foram construídas tiveram vários usos ao longo do tempo. Houve uma destilaria, uma tinturaria, uma oficina de fusão de sebo, uma latoaria, várias tanoarias, fábricas de conservas de peixe, carne e fruta, uma fábrica de estanho… No caso dos armazéns, destacaram-se os de vinho, vinagre e azeite da família Teotónio Pereira. Foi ele o primeiro foreiro e teve ali habitação, quintal com horta, pomar e jardim, além de três armazéns diferentes.
Outra atividade a salientar é o estaleiro de construção naval de Hugo Parry. Este caldeireiro inglês foi contratado pela marinha portuguesa e depressa se estabeleceu por conta própria. Aforou a praia do Cubal (o local onde mais tarde foi cimentada uma parcela da Arriba) onde construiu, entre muitos outros, alguns navios famosos como a canhoeira Chaimite, adquirida por subscrição pública para enfrentar o ultimato inglês de 1890.
A partir de 1939, uma grande área foi ocupada por estruturas de apoio à frota bacalhoeira nacional. Tinha duas fábricas de redes, uma fábrica de gelo que o despejava diretamente nos navios atracados, câmaras frigoríficas, oficinas de serralharia outras reparações navais, armazéns de todo o tipo de aprestos, refeitório e escritórios. No cimo da Arriba, a fábrica de óleo de fígado de bacalhau refinava e distribuía o produto, como complemento alimentar, a todas as escolas primárias do país. No mesmo local tinha existido a fábrica de cortiça do inglês Smington, uma das várias desse setor que houve em Almada no século XIX. Ainda existem vestígios do tapete rolante que vencia o declive para transportar a cortiça desde o cais.
Durante a II Guerra Mundial os negócios do Ginjal foram favorecidos. Por exemplo, o comércio de vinho perdeu parte da concorrência da Itália e França e pôde alargar aos mercados africano e americano. As conservas de peixe da fábrica La Paloma abasteciam o exército alemão. Quanto ao estanho, extraído dos desperdícios de lata, era exportado para suprir a necessidade de metal dos países envolvidos na guerra.
Os anos quarenta foram também um período alto para os restaurantes e tabernas. Os lisboetas vinham passear ao domingo, contemplavam a paisagem e petiscavam. Havia mulheres a vender ostras grelhadas ao longo do cais e cantava-se o fado em tascas mais escondidas, onde se cantava, por exemplo, Vinha um copo de vinho/ uma ostra de primeira/ A malta alargava o cinto/ lá na tasca do Bágueira (refrão do Fado do Ginjal, de Fernando Barão)
A partir dos anos de 1960 começou a verificar-se a decadência das atividades do Ginjal. Para isso contribuíram vários fatores: os transportes fluviais foram substituídos pelos rodoviários através da Ponte sobre o Tejo; as nascentes de água secaram, porventura devido às obras da Lisnave que interferiram com a dinâmica freática; os armazéns de vinho enfrentaram a concorrência das adegas cooperativas; as tanoarias foram confrontadas com a substituição do vasilhame de madeira pelo de vidro; a pesca do bacalhau como empresa nacional foi desmantelada.
Pode considerar-se para o Ginjal uma fase de vida económica intensa com cerca de um século. Durante esse período passaram por ali produtos das mais diversas origens e com inúmeros destinos. Por exemplo, madeira italiana para o fabrico de barris, lula do Cabo Branco para a pesca do bacalhau na Gronelândia, carne de vaca argentina para alimentar esses pescadores, vinho português com destino a todos os continentes, conservas e estanho para o norte da Europa, navios de muitos mares e muitos barcos do rio.
Aos poucos, o Ginjal ficou abandonado e os edifícios foram caindo nas mãos de credores. Em 1992 o consórcio de proprietários elaborou um Programa Preliminar para a reabilitação urbana daquele espaço. O projeto previa um porto de recreio, um ecomuseu, habitação, espaços de lazer e o alargamento do cais (os estudos efectuados pela Proambio e o Programa completo pode ser consultado no CAA). Essas obras nunca arrancaram e o Ginjal foi ficando cada vez mais parecido com aquilo que Romeu Correia vaticinara para o sítio onde cresceu: “Um cadáver que permanece sem sepultura”.
Em 2008 a Câmara aprovou o Estudo de Enquadramento Estratégico do Almaraz/ Ginjal e no ano seguinte estabeleceu um protocolo com a Tejal – Empreendimentos imobiliários, para a elaboração do Plano de Pormenor do Cais. Foi este documento que esteve em consulta pública até 19 de fevereiro de 2018. O futuro próximo do Ginjal dependerá da sua implementação.
O escasso enquadramento histórico produzido no âmbito deste Plano é em nossa opinião uma fragilidade a apontar. Por outro lado, não adota uma linha condutora que mantenha as memórias espaciais do existente. Antes pelo contrário, o modelo urbano proposto visa a demolição quase integral, desenhando duas linhas de edifícios novos, sendo a primeira linha a contar do rio uma espécie de recriação do antigo que dará a ilusão de uma porção de cidade reabilitada, através da manutenção de algumas fachadas.
Regenerar e Revitalizar o Ginjal
João Couvaneiro (PS)
O Plano de Pormenor é uma ferramenta de desenho urbano que permite projetar o futuro de uma determinada parcela do território. Os objetivos são definidos pela Câmara Municipal, mas cabe à Assembleia Municipal aprová-los, antecedendo a sua publicação em Diário da República, para depois entrar em vigor.
Toda a situação da faixa urbana ribeirinha do Ginjal é singular. Encaixada entre a arriba e o Tejo, com acessos apenas a partir do Largo de Cacilhas (a nascente) e do Jardim do Rio e escadaria da Boca do Vento (a poente), tem sido muito limitada a relação entre esta frente ribeirinha e o resto da cidade.
Num passado já remoto, os edifícios que se debruçam sobre o Tejo foram testemunhas de uma intensa vitalidade económica. As privilegiadas margens urbanizadas da zona do Ginjal fervilhavam de vida. Porém, nas últimas décadas, um pesado abandono e uma triste ruína foi-se abatendo nessas paragens. Um incompreensível imobilismo foi tomando conta desse lugar. Esquecidos, os seus velhos edifícios degradaram-se completamente. Durante um tempo demasiadamente longo, a decadência e a ruína apoderaram-se desse espaço.
Elaborado o Plano de Pormenor procedeu-se à recolha de opiniões de todos interessados, em fase de consulta pública, que agora se conclui. Consideradas as diversas propostas, nesta fase final dos trabalhos será estabilizado o desenho da frente urbana ribeirinha que, explorando com imaginação o potencial da área, devolverá o rio à cidade.
O Plano de Pormenor prevê a reconstrução e alargamento do cais a uma cota mais elevada, mais resiliente a cheias e à subida do nível do mar; a regeneração do cais e a criação de um arruamento paralelo; a reconfiguração do espaço público que será tratado para garantir novas possibilidades de fruição e de acesso; a renovação da utilização do espaço, onde a habitação conviverá com novas atividades compatíveis com o lugar e com a economia do nosso tempo, com turismo e atividades de lazer.
Aprovado que seja o Plano de Pormenor, seguir-se-ão os projetos de execução e outras matérias que continuarão a merecer atenção pública e o debate que se deseja de uma cidade ativa e participada.
No quadro das suas atribuições, o executivo camarário está empenhado em contribuir para tornar célere a regeneração e revitalização do Ginjal. Acreditamos que por essa via será possível recuperar a dignidade desse magnifico território, captar investimento, criar postos de trabalho, gerar riqueza e devolver o rio à cidade.
Referência na História de Almada
Maria Amélia Pardal (CDU)
O Cais do Ginjal constituiu-se como referência na história de Almada e da região, nomeadamente pelo seu desempenho ao nível das atividades económicas e pelo seu papel de abastecimento a Lisboa. A dimensão, centralidade, posicionamento e a sua história foram considerados relevantes para constituir um processo integrado de revitalização de uma área mais abrangente que incluía o casco urbano mais antigo de Cacilhas a Almada. Neste contexto, foi fundamental a iniciativa da CMA de adquirir a Quinta do Almaraz.
Em 1999 a CMA submeteu parte deste território – Almaraz, Cais do Ginjal e Castelo de Almada – a um concurso internacional promovido pela federação EUROPAN (organização que se dedica à promoção de oportunidades de intercâmbio para jovens arquitetos na Europa e de reflexão sobre os temas da cidade e do habitat).
Na sequência dos resultados deste concurso a CMA iniciou a elaboração do Estudo de Enquadramento Estratégico do Almaraz/ Ginjal, com o objetivo de constituir um instrumento técnico com as bases de orientação necessárias à elaboração de Instrumentos de Gestão Territorial a desenvolver para a área em causa.
Adotando uma metodologia de trabalho que proporcionou um sistema de acompanhamento e participação pública alargada a todos os interessados, seja através de organizações de carácter social, económico e cultural, seja pelo acompanhamento que teve por parte de entidades públicas, o processo tentou encontrar as melhores soluções para o território e foi concluído em 19/3/2008 e aprovado em reunião de Câmara.
A 29 de Julho de 2009, foi assinado um Protocolo, entre o Município de Almada e Tejal – empreendimentos imobiliários Lda., empresa proprietária da quase totalidade do Cais do Ginjal, que visava o desenvolvimento urbanístico sustentável, preservando e valorizando as características sociais e os valores naturais do território, ficando decidida a elaboração do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal. Iniciado em Setembro de 2009, teve como base o incremento de usos motores de desenvolvimento local associado às Indústrias criativas, aprovado no Estudo de Enquadramento Estratégico Almaraz/ Ginjal, que permitem a revitalização e a reutilização do património industrial edificado adaptando-se às características/escala do lugar e usos associados, como a habitação, hotelaria, comércio/ serviços, apartamentos turísticos/ residências e espaço público.
Um longo processo de elaboração, complexo pelos valores naturais em presença, pela história e pelo património, pelo acompanhamento das entidades da administração central, pela participação pública, por uma legislação complexa em matéria de ordenamento do território, por ter atravessado uma forte crise financeira, o Plano de Pormenor do Cais do Ginjal foi submetido, por decisão da Câmara Municipal de Almada, a discussão pública entre Agosto de 2017 e dia 19 de Fevereiro de 2018.
Agora começa o tempo de intervir e transformar o Cais do Ginjal, devolvendo-o aos almadenses e a quem nos visita, proporcionando uma das mais belas vistas de Almada sobre Lisboa. É o tempo de dar vida a um novo território requalificado e recriado, onde se possa viver, trabalhar, fruir …
Uma Nova Face para a Nossa Terra
Nuno Matias (PSD)
Almada tem tudo para ter tudo. Tem uma frente atlântica de excelência, uma localização privilegiada, uma relação próxima da Capital que devia permitir que a sinergia potenciasse a atração de investimento, a captação de novas atividades empresariais, um clima de confiança que torne a nossa terra a melhor para investir, para visitar, para trabalhar ou morar.
O concelho de Almada tem este potencial todo, mas ao fim de 41 anos do mesmo poder local democrático, muitas destas potencialidades transformaram-se em oportunidades perdidas. É por isso que o resultado das últimas eleições autárquicas deve ser entendido como um tempo em que entramos todos numa fase nova da nossa vida coletiva e onde a proximidade com as pessoas, o respeito pela sua vivência e a defesa da sua qualidade de vida deve estar no radar de atenção dos atuais responsáveis autárquicos, mas ao mesmo tempo, deve motivar-nos para, juntos, rasgarmos o medo, abrirmos o desejo de arriscar na transformação de um território que pode passar a ser um verdadeiro motor de desenvolvimento regional e nacional.
Um exemplo paradigmático é o estado da nossa frente ribeirinha, que liga Cacilhas à Trafaria, onde muitos locais únicos – Ginjal, Olho de Boi, Arealva, Porto Brandão, Trafaria – foram desfiando memórias ao mesmo tempo que se desfaziam as suas condições estruturais e de usufruto pela população. Ao fim de 41 anos, a ligação ao rio não está revitalizada e o nosso código genético que nos devia enraizar na vivência de uma margem que devia ser a melhor que abraça o Tejo ainda não se concretizou.
No entanto, há novos sinais de que os investidores estão a olhar para Almada com mais interesse, na razão direta que percebem que podem, agora, encontrar uma Autarquia que olha para o investimento como uma oportunidade e não mais como uma ameaça. No Ginjal, com o fim do período de consulta pública sobre o Plano de Pormenor para a sua revitalização, entramos numa fase em que os investidores poderão avançar mais rapidamente assim encontrem na nossa Câmara Municipal uma indutora de vontades e que saberá gerir os tempos de decisão com a noção que o interesse público e a criação de valor não estão disponíveis para esperar mais do que o estritamente necessário e de forma a que não se perca a oportunidade.
Essa é a confiança que hoje renovo na capacidade de Almada mostrar que vai construir um futuro muito melhor. A maioria que hoje governa a Autarquia tem procurado criar um clima de confiança, energia e motivação que envolvam todos os empreendedores que desejem acrescentar valor que depois permita reinvestir nas pessoas. No Ginjal, esperamos começar a ver nascer algo de novo nos próximos 24 meses. No concelho, queremos desde já construir um Futuro assente no Trabalho, na Ambição e no espírito de Conquista, que será mais forte, porque vai ser feito muito perto das pessoas, com proximidade com todos, e dando a cara por aquilo que pode dar uma nova face à nossa Terra e mais qualidade de vida às nossas gentes.
Espero que possam juntar-se a nós numa viagem desafiante que é não deixar que o Futuro continue adiado. Por mim, quero convidar todos a abraçá-lo porque, juntos, vamos dar tudo por Almada!