Olhos Tristes
O escritor alentejano Eduardo Olímpio, natural de Alvalade-Sado, entre uma vasta obra literária, escreveu um pequeno livro, que é uma grande obra, onde pela voz do António dos Olhos Tristes, nos deixa uma mensagem que nos tocou profundamente. Tomo a liberdade de transcrever alguns dos textos onde a Natureza o Amor e o Sonho são os temas centrais.
« — Senhor Dono do Mundo não deixes que partam as asas dos gaviões, nem deixes que os meninos tenham febre, nem que os velhos morram com os dedos encarquilhados de frio… Não deixes os peixes morrerem à sede no Verão quando os pegos têm falta de água e ajuda os passarinhos gagos a cantar como os seus irmãos de criação. Ajuda as rãs a saltar tão alto que consigam conversar com as borboletas e ajuda as borboletas a ter força para acompanhar as andorinhas. Ajuda as pessoas que se perdem nos lamaçais a encontrar chão seguro e ajuda também as raparigas pobres a casarem com os moços pobres de quem gostam para não serem obrigados a casar com os ricos de que não gostam. Ajuda todas as pessoas a gostarem de todas as pessoas e a gostarem dos bichos e a gostarem das aves e a gostarem dos peixes e a gostarem das ervas e a gostarem do vento e a gostarem do escuro e a gostarem do sol e a gostarem da chuva. Ajuda… Não quero que ninguém roube nada a ninguém, não quero que ponham arames, nem que ponham estacas a cercar as terras e os pomares, não quero que nenhuma mulher seja desonrada nem por ditos nem por ofensas de corpo. Não quero que a água seja pertença dum dono, ou de dois, ou de três, porque a água foi criada pra matar a sede do mundo todo e pra regar as terras do mundo todo, e foi criada pra correr pelas serras abaixo até aos rios e até aos mares sem ser amarrada por ninguém… — É estranho, disse eu com a voz sumida que nem o luar me ouviria. António do Olhos Tristes continuou quieto, imóvel na posição em que se mantinha há um ror de tempo. Eu insisti: — Tenho medo, vamos para o monte. António dos Olhos Tristes, mãos de aloendro no rosto de Lua respondeu, sem se mexer: — Estes lobos não fazem mal. São bichos criados na frescura dos matos, nas escarpas dos brejos, nas cumeadas da serra. São bichos que vivem a vida que é a vida deles. O medo que eles fazem nas pessoas é que lhes lembra, no meio das noites, os lobos que as pessoas criam dentro do peito, dentro do coração: —É desses lobos que elas próprias criaram que as pessoas se arreceiam: — São os lobos da alma.»
«Uma armadilha de encantamento de que poucos livros conhecem o segredo.» como escreveu Mário Castrim sobre este pequeno/grande livro que li de um fôlego e reli depois para melhor o viver e interiorizar.
António José Zuzarte, Costa da Caparica, 14 de Janeiro de 2016.
Existem escritores que marcam, mas infelizmente vivemos em Portugal, onde os verdadeiros e únicos criadores são esquecidos, é o caso do Eduardo Olímpio que quanto a mim é o maior escritor Alentejano.
A sua obra “António dos Olhos Tristes” é a obra mais bonita, alguma vez escrita sobre o povo alentejano.
Os seus contos e aventuras, não ficam em nada atrás das do Principezinho de Antoine de Saint-Exupéry, com a diferença que como ele não era alentejano teve o reconhecimento mundial.
Mas não é só nesta obra que encontramos o génio literário de Eduardo Olímpio, pois a sua obra é completa quer em poesia da qual destaco a obra de 1980 “Uma Porta para o Alentejo”, onde até conseguimos sentir o cheiro da terra alentejana e o trabalho do seu povo.
Desde pequeno que sou um devorador das obras de infantis do Eduardo, “O gato Tarzan”,
Ternura, memórias, A Senhora Dona Casa e o Senhor Automóvel, O comboio do Estoril, também em poesia. Sinceramente não consigo dizer qual a melhor.
E fico até sem palavras para falar sobre as suas obras de ficção “Um girassol chamado Beatriz”; E a “A menina da carreira de Manique” e ainda “Éramos oito na Pensão Celeste”, qualquer uma destas obras mereciam o Prémio Fernando Pessoa e a sua obra não fica por aqui. Todas as letras para músicas que escreveu para o Paco Bandeira, Carlos Alberto Moniz ou ainda o famoso “Caís do Sodré” cantado pelo Fadista Rodrigo.
Todas estas décadas dedicadas a literatura, com aquela humildade que lhe é característica, estamos a falar de um vulto importantíssimo da literatura, que é das pessoas mais simples que conheço.
Tive a sorte de conhecer o Eduardo, ainda na barriga da minha mãe, o meu pai seu amigo e conterrâneo é autor de muitas capas dos seus livros e desde pequeno que leio e estudo a sua obra.
Tenho o azar ou a sorte de ser disléxico, e por isso tenho de ler e escrever muito e logo das primeiras obras que comecei a ler quando me foi descoberto, foi o António dos Olhos Tristes, obra que ainda hoje tenho na minha mesa-de-cabeceira.
Uma curiosidade, quando tinha 10 anos, em Santiago do Cacém, foi o Eduardo Olímpio que me ensinou a fazer o nó de gravata, até hoje cada vez que faço o nó lembro-me sempre da paciência de um grande homem e brilhante artista a ensinar um “puto” a fazer o seu primeiro nó de gravata, isto releva o ser humano lindo que é este homem.
Acredito que Portugal deve muito, ao escritor, ao poeta e ao ser humano e espero que eu e ele vejamos ser reconhecido o seu valor, pois como disse antes, ele é Saint-Exupéry Portugueses.
Enfim obrigado Eduardo por tudo o que nos tens dado.