Pássaros de Lava
Como marcos levantados das profundezas delimitando a vastidão dos mares, as ilhas erguem-se para além do espaço físico em auras de mistério.
Isoladas, permaneceram inatingíveis à cobiça, protegidas pelas sombrias muralhas da superstição.
Algumas transformaram-se em plataformas flutuantes, prenhes de cor, de vida, de sons e de espanto; outras, ficaram para sempre, rochedos petrificados no espaço e assentes em nostálgicas memórias; são as teogónicas reminiscências dum Mundo que se excedeu nas dolorosas convulsões da criação.
Em tempos primordiais, as jovens montanhas cresceram em despudorada rebeldia sobre os continentes submersos e os seus cumes, arrogantes, voaram como pássaros de lava aproximando-se do Céu em fogo.
Indiferentes ao capricho dos deuses ou julgando-se a eles iguais, muitas delas submergiram sob águas diluvianas.
Outras, menos afortunadas, perderam a sua imponência continental e sobreviveram cercadas pelo silêncio.
As ilhas, na solidão do seu afastamento, fizeram-se lugares de amargura, de exílio ou de contemplação. Contudo, no imaginário humano, sempre foram reinos da utopia, paraísos terrestres, ventres cosmogónicos ou lugares míticos onde os deuses sonharam, moldaram e criaram o mundo.
E ainda continuam a sê-lo, como no tempo das lendas.
Reinaldo Ribeiro