Teatro Extremo

Calha que nem ginjas, como se costuma dizer, pois o Teatro Extremo – Companhia de Teatro Itinerante comemora 25 anos de existência em 2019, e logo no Dia Mundial do Teatro, a 27 de Março.

Referência cultural no concelho, o Notícias da Gandaia tem de contar a história desta companhia em vários actos. O local de cena escolhido foi o café-teatro do Teatro – Estúdio António Assunção, cuja organização e programação está a cargo do Teatro Extremo. São aliás várias as estruturas de Almada que dispõem deste espaço, desde grupos amadores até à Mostra de Teatro de Almada, assim como companhias nacionais e estrangeiras, por ocasião do Festival Internacional de Almada, ou do Sementes – Mostra Internacional de Artes para o Pequeno Público.

Em conversa com o fundador do Teatro Extremo, Fernando Jorge Lopes, e Sofia Oliveira, directora de produção, abordámos o historial da companhia, os projectos futuros, assim como os apoios municipais e nacionais e o panorama atual do teatro em geral.

Fernando Jorge Lopes, 54 anos, é, além de director artístico, encenador e actor. Com mais de 35 anos de teatro, passou por muitas estruturas artísticas, como, por exemplo, a Companhia de Teatro de Almada. Apesar de considerar que nasceu para o teatro como actor, também faz trabalhos de encenação praticamente desde o início da sua carreira.

Fundou este teatro, juntamente com Sofia Oliveira e Rui Cerveira, director do festival Sementes, sendo que o Teatro Extremo identifica como objetivo principal a realização de um teatro para as novas gerações que equacione a problemática dos limites da condição humana como singularidade artística. Foi criado com esse propósito, como explica Fernando Jorge Lopes: “aparecemos porque pensámos que havia uma zona obscura que não estava preenchida, que era um teatro que se dedicasse aqui, na periferia de Lisboa, à infância e juventude. Existia uma companhia que se dedicava ao teatro para adultos, mas nós tínhamos outro tipo de preocupações que pensávamos não estarem preenchidas”.

Sediado em Almada desde 1994, este teatro constitui-se como Associação Cultural dois anos depois. A Casa Municipal da Juventude do Ponto de Encontro, a Orquestra Metropolitana de Lisboa, o Espaço Gingal e Academia Almadense foram alguns dos espaços que serviram a Companhia no início da sua actividade. Em 1999, adquiriram a sua própria sede, na Rua Serpa Pinto, em Almada, embora, desde 2015, a actividade principal se tenha transferido para o Teatro – Estúdio António Assunção.

A mudança de espaço não alterou métodos de trabalho, como explica Fernando Jorge Lopes: “quando viemos para aqui trazíamos um background, na nossa sala já acolhíamos todas as estruturas, já tínhamos essa prática. Foi por isso que a Câmara de Almada também nos convidou para sermos os impulsionadores deste teatro. Estas parcerias que já tínhamos continuámos a desenvolver aqui, este trabalho em rede com outras estruturas, criadores, artistas, isso para nós é algo que é fundamental para alimentar um teatro vivo”, valoriza o director artístico.

Neste contexto, interessa referir alguns dos parceiros do Teatro Extremo, como o D’Arte, grupo informal que programa o café-teatro do Teatro – Estúdio António Assunção, e Cidadão Exemplar, responsável pelas exposições de artes plásticas no espaço, como a que está patente ao público até 3 de Março.

A partir de 27 de Janeiro, Filminhos Infantis à Solta pelo País é uma iniciativa da Zero em Comportamento, a que o Teatro Extremo se associa. Este projecto consiste numa seleção de curtas-metragens de animação para as crianças. Teatro Art’Imagem, Chão de Oliva, Teatro das Beiras, Jangada Teatro, são algumas das estruturas nacionais com quem a companhia também trabalha.

Para comemorar o próximo aniversário, pretendem realizar, em Setembro, “um espectáculo feito com a comunidade, aproveitando toda a envolvência que temos do serviço educativo, das actividades com jovens, juntando outros criadores e bandas de música. Algo que seja o espelho do que nós temos feito durante 25 anos nesta cidade”. Com nome provisório ainda, esta acção pretende abranger no seu reportório 10 textos de países lusófonos.

Além de Portugal, o Teatro Extremo têm-se apresentado em digressões no estrangeiro. Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Itália, Inglaterra, Brasil, Cabo Verde e Índia foram alguns dos países onde já apresentaram a sua arte.

Para Fernando Jorge Lopes, “os intercâmbios são fundamentais para o Extremo. Desde o início que sempre tivemos a preocupação de fomentar laços com estruturas de criação portuguesa, mas também com instituições lá fora. Estas contaminações com outras maneiras de pensar, de fazer teatro, de reflectir sobre a sociedade, também a nós nos dão outro tipo de ideias e novas maneiras de pensar para aplicar no nosso próprio trabalho.” Quanto aos espectadores, a exigência mantém-se. O director artístico considera que “ao fazermos um espectáculo para o público infantil e juvenil não infantilizamos a nossa arte, dedicamo-nos a eles como um púbico privilegiado, com signos, sinais e leituras que estejam ao seu dispor. Pretendemos criar espectáculos que tenham várias camadas de leitura”.

Digressões para 2019

Falando do presente da companhia, Dois Reis e Um Sono é uma peça escrita por Natália Correia, que estreou em Outubro passado, e estará em digressão este ano. No elenco encontram-se os quatro actores residentes da companhia, Bibi Gomes, Francisca Lima, Rui Cerveira e Fernando Jorge Lopes, para além de outros actores, colaboradores regulares da Companhia e convidados pontuais para esta produção.

A aposta anual na estreia é de duas peças, o que também varia consoante a capacidade financeira do projecto. Segundo a directora de produção, “em 2018 estreámos duas peças, mas como somos uma companhia de reportório, apresentámos cinco espectáculos diferentes”.

Assim, Armstrong, é outra das estreias deste ano, o que deverá acontecer em Março, na Escola Secundária António Gedeão, dada a ligação que querem fomentar com a comunidade escolar. Para Fernando Jorge Lopes, esta é uma peça que se adequa bastante a este contexto, “tem em conta os 50 anos da chegada do homem à Lua, mas aproveitamos esse evento para falar das várias cosmovisões que a humanidade teve até hoje, como as de Newton, Einsten, Galileu. Para além dessa forte componente pedagógica, também é um espectáculo que pretende despertar ideias filosóficas na juventude”.

A aceitação por parte do público é sempre uma incógnita, como admite o actor: “quando estamos a criar um objecto artístico nunca sabemos qual vai ser a reação de quem assiste. Felizmente para nós, a maioria dos espectáculos que fazemos têm sido bem acolhidos e valorizados com assinalável êxito. Tanto é que muitos deles que continuam em cena, muitos anos depois de estrearem”. Ainda em 2019 irão andar em digressão com as peças em reportório Mythos e Einstein. A primeira é um espetáculo de inspiração “clownesca”, para toda a família, uma criação original com direção artística de Joseph Collard, palhaço belga que integrou o elenco do Cirque du Soleil. Já Einstein é uma peça direccionada para o público jovem/ adulto, que pretende abordar a arte, a ciência e a história na visão do génio Albert Einstein, aqui representado pelo actor Fernando Jorge Lopes. Em cena desde 2005, tem encenação de Sylvio Zilber, o responsável pela versão da peça premiada no Brasil. E porque as colaborações entre teatros são encaradas como uma mais-valia, Fernando Jorge Lopes irá também ao Brasil dirigir o espectáculo Os Javalis, que resulta duma parceria de há anos que têm com o Grupo Harém de Teatro, de Teresin, Piauí.

Sementes – Mostra Internacional de Artes para o Pequeno Público

O Festival Sementes é uma mostra internacional de artes dedicada à infância, juventude e público familiar, que privilegiada o teatro, mas onde se apresentam também espetáculos de música, circo, dança, marionetas e artes de rua, muitos deles premiados internacionalmente.

Com duração de três fins-de-semana, acontece entre Maio e Junho, tendo como auge a comemoração do Dia Mundial da Criança, numa iniciativa que costuma ter lugar no Parque da Paz. “Em 2020, este festival também fará 25 anos. Nós decidimos criar a companhia e logo depois o Sementes, porque achámos que o público infanto-juvenil e familiar merecia ver outro tipo de teatro, de arte principalmente. Pensámos que isso era complementar ao nosso trabalho de criadores e animadores para um público desta natureza”, reforça o fundador do Extremo. Sofia Oliveira reconhece que cada vez há mais adesão por parte das pessoas, “seja nos espectáculos de sala ou naqueles ao ar livre”.

O evento, que acontece maioritariamente em Almada, em espaços como o Teatro – Estúdio António Assunção, Fórum Romeu Correia, Casa da Cerca, Largo Gabriel Pedro, Rua Cândido dos Reis, também se descentraliza pelas várias freguesias do concelho. Assim como, graças a uma parceria com diversos municípios desenvolvida ao longo dos anos, têm sido realizadas extensões na Moita, Seixal, Barreiro, Sesimbra, Alcochete, Montemor-o-Novo, Loures, Aveiro, Santarém, Cascais e Castro Verde, autarquias consideradas co-organizadores, pois “de alguma forma também produzem o Sementes no seu concelho” e partilham os custos do festival.

Serviço Educativo 

O Teatro Extremo desenvolve ainda um Serviço Educativo em que promove um espaço para a educação não formal, um espaço de criação e inovação, de discussão e reflexão, de prazer e sentido lúdico para crianças, jovens e seniores, envolvendo a comunidade e estabelecendo vínculos com os municípios e outras entidades.

“O serviço educativo (coordenado pela actriz Bibi Gomes) tem de facto uma grande importância na nossa estrutura e é reconhecido pela sua qualidade. Está completamente implantado no concelho de Almada, estende-se por outro concelhos e tem movimentado milhares de crianças ao longo destes anos”, reconhece Fernando Jorge Lopes. Alguns destes jovens acompanham há anos este serviço e continuam a ter interesse em participar neste tipo de actividades e workshops. “Criamos públicos, mas também criamos cidadãos, ou pelo menos ajudamos a que a consciência cívica se manifeste também nessas crianças e jovens”. Entre as vários oficinas de teatro disponíveis, Beba Água da Torneira, por exemplo, resulta duma parceria entre o Teatro Extremo e o SMAS – Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Almada, que pretende sensibilizar para o consumo e uso sustentável da água.

Apoios 

Em 2002 foi atribuída ao Teatro Extremo, a Medalha de Prata de Mérito Cultural da Cidade de Almada. O núcleo considera que tem honrado todos os compromissos feitos com o município, e esperam que da parte da CMA se mantenha o mesmo apoio, como associação local promotora de cultura que são.

Quanto ao futuro, ainda existe uma certa indefinição, relacionada com a atribuição de fundos monetários. Fernando Jorge Lopes explica porquê: “já estamos num novo ano e não sabemos bem com que linhas é que nos podemos coser, porque o município até agora não nos informou de nada sobre algumas questões que são fundamentais para fazer programação”. Por isso, a companhia aguarda a renovação do protocolo com a autarquia, o que é feito anualmente. Esta espera suscita alguma preocupação, como confessa o director artístico, “ainda temos para receber 25 mil euros, do ano passado, dum protocolo que temos com a CMA, e isso também implica não só a actividade passada como a futura. Este dinheiro não é para beneficiar o Teatro Extremo, é um financiamento para acolhimento de terceiros e funcionamento do Teatro – Estúdio António Assunção”.

Numa altura em que tanto se discute a precariedade, e sendo a área artística muito associada aos recibos verdes, talvez seja relevante referir que o Extremo privilegia colocar as pessoas permanentes da equipa a contrato. “Essa preocupação que nos legitima, devia ser uma preocupação geral, embora infelizmente nem todos possam assegurar isso”. Apesar de terem de justificar anualmente todas as verbas, tem actualmente da DGArtes um apoio quadrienal, que lhes fez todo o sentido ser atribuído visto serem reconhecidos como uma companhia de teatro consolidada.

Este quarto de século bem o comprova. Que o pano se levante para muitas outras criações levadas ao Extremo. Com aplausos agradeceremos.

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