Um Cigarro na Guerra

A noite já ia avançada naquele pequeno país tropical da costa ocidental de África.

Viam-se as estrelas pintalgando o escuro céu e escutava-se o concerto nocturno de todos os seres vivos na mata. A diferença térmica entre o dia e a noite não era tão evidente, porque a extrema humidade não o permitia e a distância para o equador também não era muita.

Na base aérea onde prestava serviço, ele tinha acabado de passar umas horas com os amigos a jogar cartas e a beber, as únicas distracções disponíveis naquele lugar.

Ao entrar no seu alojamento, acendeu um último cigarro antes de dormir e guardou no bolso da camisa o belo isqueiro Ronson que tinha trazido da metrópole. Nesse momento, apagaram-se as luzes e uma sirene estridente emitiu o aviso de um ataque à base.

Instintivamente, como forma de defesa, lançou-se ao chão e ainda viu o lampejo que o seu isqueiro fez ao cair numa superfície dura.

Esquecendo, momentaneamente, o som dos tiros e das explosões dos rockets lançados para o interior da base, toda a sua atenção se concentrou em encontrar o isqueiro. Tacteando na escuridão, como um cego, suspirou de alívio quando sentiu que os seus dedos tocavam o desejado objecto. Guardou-o imediatamente no bolso e só, então, voltou a tomar contacto com a realidade que o cercava.

Ele sabia que em frente à barraca passava uma vala de cimento que servia de abrigo para eventualidades como aquela com que se deparava agora. Levantou-se do chão com o intuito de ali se refugiar. Quando chegou ao umbral da porta deu-se uma explosão apenas alguns metros à sua frente. Sentiu logo no rosto e nos olhos o impacto do que julgou serem estilhaços, e deixou de ver. Assustado, esfregou os olhos e, mais tranquilo, percebeu que o que o atingira tinha sido apenas terra deslocada.

Sem hesitar, mergulhou no abrigo. Ouviu o som dos disparos de uma metralhadora utilizada pelas tropas de libertação da colónia e conhecida como “costureirinha” pela quantidade de balas que comportavam os seus carregadores, bem como as explosões dos rockets. Destes, antes da inevitável explosão via-lhes o rasto que sulcavam o céu escuro. Lembra-se de ter pensado que qualquer um deles o podia atingir e que o seu fim podia estar iminente. Obrigou-se, então, a recordar a figura dos seus pais, pois queria levá-los no pensamento na sua derradeira viagem. Apesar de todo aquele ambiente de guerra, ele sentia-se absurdamente tranquilo, como se tivesse alcançado algum tipo de paz espiritual.

Não tardou para que começasse a ouvir o som enraivecido, mas familiar, dos disparos das G3 dos seus companheiros. A resposta rápida foi dirigida para a escuridão da mata, sem qualquer alvo específico, mas, no entanto, deve ter tido algum efeito, pois, passados cerca de vinte minutos após a primeira explosão, fez-se um silêncio tenso e as armas calaram-se de ambos os lados.

Cautelosamente, ele soergueu-se no abrigo e, nesse momento, descobriu que a aparente calma que sentiu era enganadora. A ponta do cigarro que tinha acendido, antes de tudo aquilo começar, ainda se mantinha presa entre os seus lábios e ele não tinha a mínima noção de o ter fumado.

Reinaldo Ribeiro

30MAI2020

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