Um País Assim…
Ouvi-te no metro a falar com uma amiga. Contavas, com a mala sobre o colo, que alguém disse que não fazias o teu trabalho de forma competente. Devolveste ao mundo que a calúnia levantada era própria de quem no fundo quer encobrir a sua própria incompetência. O país pode então ouvir sobre si mesmo, sobre como é maioritariamente habitado por mesquinhez e indulgentes. Pude ver o senhor atrás de ti a reagir aos impropérios. Concordou contigo, tal como a tua amiga. Esclareceste depois as causas: “muito egoísmo e pouca foda”.
Um país assim corrompido pela evidente falta de interação passional.
Vi-te depois no snack-bar, de cotovelos no balcão balizando o lugar da aguardente posterior ao café. Dizias convicto que a corrupção acontece devido à impunidade, à medida que, uma cara aprumada e enquadrada em rodapés, dizia objetiva que somos piores que outros países. “Somos um país de chico-espertos, em que toda a gente fala, mas depois todos querem é mamar”. O país olhou então para o desnudo peito da república e, inclinando a cabeça num misto de contemplação intelectual e desolada, disse: “foda-se…”.
Um país assim, maternalmente mirrado, pela evidente falta de força.
Sentei-me ao teu lado na paragem de autocarro. Estavas de fones e os teus dedos combatiam um ecrã de smartphone. Não deste por mim, não estavas realmente ao meu lado, mas sim numa fuga para um lugar onde a tua destreza fosse quantificada e devidamente validada. É a tua solução para a o vazio a atravessar até chegares à escola ou a casa. Ali, dentro do ecrã, alguém te diz claramente que ganhas ou perdes, que vales ou não, que a tua dedicação comporta a possibilidade real de retorno.
Um país assim, sem saber como chegar até ti, sem saber como demonstrar que te vê para lá duma qualquer definição de potencial regrado.
Esperei contigo que o semáforo da passadeira ficasse verde. Ouvi-te a dizeres ao teu amigo que o te aconteceu na sexta-feira à noite, de como ela se tinha feito difícil por estar com as amigas, mas que sabes que ela tem a tendência a libertar-se muito sexualmente. O teu amigo, tal como eu e o país, quis saber como sabias disso. Tu esclareceste-nos dizendo que já tinhas visto fotos dela num “leak do Telegram”. O teu amigo surpreendido imperou que partilhasses com ele as fotos. O errado, por fazer sentir superioridade, faz a vossa postura parecer-vos certa. Elevados das inseguranças que vos estrangulam a emoção, resolvem atravessar a passadeira a correr.
Um país assim sem saber como explicar a vulnerabilidade, sem saber como proteger o seu princípio humano.
Estavas sentada na relva a ler um livro que te tinha aconselhado. Tentavas libertar-te da dor libertando-te do pudor social. Para ti, na relva, a ler, o prazer do momento ainda não estava propriamente ao alcance. Ias compassadamente tentando perceber quem pudesse estar a ver e no que puderiam estar a pensar. Uma storie no instagram talvez te dissipe esse desconforto, alguém te irá apoiar. Mas e se não apoiarem?! Um número adequado de likes é necessário, senão vais sentir que estás a ser parva e que apenas procuras algum grau de validação. E é óbvio que precisas, apenas não queres sentir que só o recebes se o pedires.
Um país assim sem perceber que erra por não ser proativo a dizer que gosta de ti.

