Universidade Popular Abriu
No passado sábado, dia 11 de abril, pelas 16 horas, no Convento dos Capuchos, foi inaugurada a Universidade Popular da Gandaia com a presença dos Presidentes da CMA, da Assembleia Municipal, da Junta de Freguesia da Costa da Caparica e da Assembleia de Freguesia.
Na sessão foi apresentada uma brilhante comunicação da Profª Helena Neves sobre Bento de Jesus Caraça e o Projeto de Universidade Popular.
Falaram antes, o Sr, Presidente da Assembleia de Freguesia, Prof. José Manuel Anes, que foi distinguido como membro honorário do Conselho Científico-Pedagógico. O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Almada, Dr. Joaquim Judas, também tomou da palavra para salientar alguns aspetos do projeto.
Foram também lidas duas saudações, a primeira do Prof. João Caraça:
“Caros Amigos,
É com muito prazer e emoção que saúdo o nascimento da Universidade Popular, um nascimento revestido de um re-nascimento que merece ser bem acarinhado. Como toda a concretização de uma ideia, importa olhá-la e pensá-la de modo a conseguir manter sempre actual e mobilizadora a essência desse sonho que pretendia alterar o futuro para melhor.
«O que o mundo for amanhã, é o esforço de todos nós que o determinará. Há que resolver os problemas que estão postos à nossa geração e essa resolução não a poderemos fazer sem que, por um prévio esforço do pensamento procuremos saber, por uma análise fria e raciocinada, quais são esses problemas, quais as soluções que importa dar-lhes — saber donde vimos, onde estamos, para onde vamos» dizia Bento de Jesus Caraça na ‘Cultura Integral do Indivíduo’.
O mundo, hoje, talvez não pareça melhor do que aquele em que Bento de Jesus Caraça viveu na primeira metade do século passado. Mas isso não significa que a luta dele contra a ignorância, a superstição e o medo tenha sido em vão. Devemos-lhe a iluminação do caminho a seguir, cuja responsabilidade é agora inteiramente nossa. O futuro não se prevê nem se adivinha. Há que prepará-lo cuidadosamente para que nele se antecipe o futuro que antecipamos. Caso assim não aconteça viveremos de certeza um futuro que foi decidido por alguém, algures, um futuro que nos instrumentaliza, que nos espezinha, que nos violenta.
Não podemos deixar que isso aconteça. A Universidade Popular é uma pedra fundamental no caminho para uma sociedade nova, mais aberta, mais justa e mais solidária. Por isso merece todo o nosso apoio e todo o nosso entusiasmo.
Bem hajam!”
A segunda saudação, do Dr. António Matos, Vereador da Cultura da CMA, foi a seguinte:
“Estimados amigos, com a Universidade Popular que hoje é publicamente apresentada, cresce o concelho educador e de cultura que somos. Bem hajam, amigos, pela vossa iniciativa. Ela constituirá, seguramente, um poderoso instrumento para a educação ao longo da vida, e será um sinal público da vontade e das capacidades do associativismo cultural, de que a GANDAIA é um “luminoso” exemplo.
Amigo(a)s, a Cidade da Costa da Caparica e o concelho de Almada têm razão para se orgulharem de vós e do vosso trabalho.
Desejo os maiores sucessos para a UNIVERSIDADE POPULAR.
Quero transmitir todos, as minhas mais calorosas saudações, e dizer que vou reivindicar para mim o privilégio de vos acompanhar.
Um grande abraço a todos, que peço seja transmitido à esse fantástico coletivo. Cumprimenta-vos o António Matos.
O Coordenador da Universidade Popular da Gandaia abriu a sessão com o discurso que abaixo transcrevemos.
“Gandaia, na Costa da Caparica, é o ato de percorrer a beira mar procurando aquilo que o mar trouxe durante a noite.
É encontrar, mas é também mudança.
A nossa associação pretende mudar e mudar-se. O nosso objetivo, desde o início, foi o de intervir na comunidade através da cultura. Seja a cultura no conceito antropológico – a forma como vivemos neste território, seja a cultura no conceito mais frequente: a produção intelectual, material e imaterial de uma comunidade. A cultura é a forma mais eficiente de mudança, muito mais do que a evolução estritamente biológica.
Para nós, o início foi a recuperação do antigo Impala Cine e a sua transformação no atual Auditório Costa da Caparica tendo como intenção apresentar e produzir cultura.
Acolher artistas locais, apresentar artistas de outros locais, acolher discussões pertinentes para a comunidade, apresentar pensamento para fortalecer o conhecimento.
Depois, foi espaço para acolher teatro, comunidades de leitura, de poesia e depois já não era só no Auditório, mas todo o ar livre, com caminhadas, canoagem, etc.
Desde o primeiro dia, antes ainda do Auditório estar a funcionar, a Gandaia iniciou a comunicação, não como amplificação das nossas ideias, mas como comunicação entre a comunidade, adotando o modelo da UNESCO de “órgão de Comunicação Comunitária”, o Notícias da Gandaia.
Desde o início, a Gandaia planeava também esta Universidade que agora formalmente inauguramos. Partilhar saberes, desenvolver formas e conteúdos, acentuar o conhecimento.
Sabíamos que a Arte-Xávega era um tesouro cultural, uma pérola milenar com raízes até à Mesopotâmia, berço da própria civilização. Há todo um trabalho a fazer neste domínio, um trabalho que tem de ser feito com espírito aberto, entre muitas pessoas de variadas especialidades, mas que por isso mesmo não pode ser infetada por bairrismos ou egos galopantes.
Assim, desde o primeiro dia que considerámos que a Costa da Caparica não era só sol e mar. Mas com cultura, história, conhecimento, e também com sol e mar, não podíamos temer o futuro.
Para nós, associação de voluntários, sem fins lucrativos, militantes da transparência, da autenticidade, sem cartas na manga, nem objetivos que não os declarados, conjugar o verbo fazer é trabalho longo e custoso. São horas que roubamos às famílias e ao lazer, negociando o crescente cometimento que os empregos presentemente exigem. Mais, conjuga-se o verbo fazer de forma aberta ao devir, à pessoa que aparece e afirma a sua vontade.
Sim, somos trabalhólicos. Mas de forma colaborativa, aberta e em rede.
Vivemos um momento histórico de mudança profunda em que o futuro não surgiu ainda definido e claro, aparecendo, por isso mesmo, incerto e temível, salpicado de receios.
Compreende-se os poderes que apostam em certas configurações, mas, nada fica arrumado sem a nossa contribuição, o compromisso de cada um de nós. Aceitamos? Ou fazemos outra coisa?
Nós somos aqueles que querem fazer a nossa coisa. Como é?
Não sabemos. Ainda. Mas sabemos que é connosco e com aquilo que formos fazendo, partilhando e aprendendo.
A Universidade Popular da Gandaia é um desses exemplos. Demorámos 3 anos a chegar aqui e este ponto é apenas um ponto, o verdadeiro trabalho está à frente, está sempre no futuro que se vai construindo, como os caminhos que se fazem caminhando.
A Universidade Popular é um projeto de partilha de saberes. Um projeto de exaltação da aprendizagem e aprender é sempre, por definição, mudar.
Neste momento temos já em oferta 24 cursos dos mais variados matizes, organizados em duas simples categorias: “saber fazer” e “saber o que é”.
Para eu agora poder dizer que “temos 24 cursos”, o verdadeiro significado é que há 24 pessoas que ofereceram o seu tempo, o seu saber para partilhar com outros, com alguém que não conhecem. Este altruísmo é uma garantia de um futuro melhor.
A força desta ideia de partilhar saberes, uma ideia que atravessou um século com uma ditadura dentro, teve a força de sensibilizar dezenas de pessoas para oferecerem os seus saberes e se abrirem a esse diálogo. Porque não existe ensinar sem aprender.
Esta inauguração é um ponto num movimento que irá continuar, na medida da nossa energia e do nosso empenho. Como seremos no próximo ano? Nunca se sabe e sabe-se muito: Sabe-se que seremos transparentes, como somos agora, seremos autênticos, como somos agora, seremos abertos às ideias, ao conhecimento e à partilha com o outro. Seremos uma dinâmica ao serviço da comunidade.
No seu primeiro momento, a Comissão Instaladora decidiu homenagear duas personalidades. A cultura constrói-se de valores, de símbolos, e também de heróis. O saber e a sabedoria também se constroem de exemplos, fortalecem-se com a criação deste capital simbólico. A designação destas pessoas constitui uma referência comunitária que gratifica determinados valores. E essa é verdadeira energia de uma comunidade. Não é o dinheiro.
Convidámos o Professor José Manuel Anes pela sua vida dedicada ao saber, ao saber sem fronteiras, porque o saber também tem alicerces, catacumbas, “côncavas fundas da Casa do Fumo”, como diria Fernão Mendes Pinto. Mas não é só saber, é ensino, é divulgação.
Temos então o prazer de consagrar aqui o Professor José Manuel Anes como Membro Honorário do Conselho Científico-Pedagógico. Antes de passar a palavra ao Prof. Gostaria de chamar a atenção para este belo trabalho de Teresa Macedo, com uma rede que efetivamente foi ao mar inúmeras vezes, com as fitas das cores da freguesia da Costa, com a pele do sacrifício e com os símbolos do barco tradicional e o da Universidade, símbolo tão usado nos nossos barcos e que não é outro que o Olho de Horus, o talismânico Udjat.”