Viagem pelo Futuro
Viagem pelo Futuro
Num hospital geriátrico em Outubro de 2044 estava um velhote já um pouco enferrujado pela idade, mas lúcido o suficiente para olhar o evoluir dos tempos. Tinha tido uma recente recaída à qual iria ser tratado pelos competentes médicos, demais tinha a vantagem de ter no pessoal de apoio uma enfermeira de nome Sara que o tratava com carinho especial.
Era uma mulher na casa dos trinta e tal anos.
Ele estava ansioso pela chegada do dia do seu aniversário, dado que não é todos os dias que se chega a ser centenário.
Naquela manhã e enquanto estava a ser administrada uma dose de soro ao paciente, coincidiu cair para dentro do cateter, o i-Totall da enfermeira Sara, que sendo ainda portátil estava reduzido ao seu tamanha quase invisível e por isso, rapidamente entrou no corpo, sem que ninguém se apercebesse e ainda menos o paciente.
O i-Totall é um equipamento com capacidades extraordinárias que antigamente tinha de ser adquirido, para depois vir a ser introduzido no corpo humano e que agora felizmente com as mais recentes tecnologias e mutações genéticas, já vem incorporado de nascença.
Podemos resumir o seu potencial numa expressão que, como diz o seu nome: Tem tudo.
É uma soma de potentíssimo computador com vários equipamentos agregados, como os i-pod, i-pad, gps, sonar, acesso à internet e outras máquinas incríveis que expressam a evolução do mundo. Ainda por cima pode ser guiado pela mente humana e atua em qualquer ponto onde se encontre sem sentir resistências a nada.
A sua particularidade mais recente é a capacidade do mesmo se reduzir em tamanho, acompanhando a nanotecnologia, no ponto impensável de uma vez dentro do corpo humano pode realizar operações clínicas em qualquer órgão sem provocar dor no paciente.
Tem vindo a criar muitos adeptos, mas também alguns adversários pois o mundo já estava superlotado de gente, o envelhecimento quase desapareceu e se não fosse um auto controlo expresso por todos os cidadãos do mundo, tudo se complicaria.
Depois desta descoberta tão bem aplicada, seguramente que novos inventos serão sempre desvalorizados. Lá vão os prémios Nobel e outros que tais, ficar na prateleira.
Quando regressou a casa a enfermeira quis usar o seu i-Totall e não o encontrou. Procurou em pensamento onde teria ficado e nada. Regressou ao hospital procurando rever os últimos passos do seu trabalho, julgando que tal acontecera nos momentos finais desse dia.
Observando agora o i-Totall, o mesmo já tinha andado de forma desordenada pelas várias partes do corpo, isto é, por todo o lado, pois aquele líquido chega a qualquer ponto do corpo e se dúvidas tiverem, façamos um pequeno corte onde quisermos.
Parou numa zona que o sacudia de forma violenta, ora para trás, ora para a frente com uma coisa tipo bomba a não o deixar quieto. Se o i-Totall não precisasse do cérebro humano, gostaria de explicar as mais recentes experiências à sua dona, mas de qualquer modo, tudo ficava registado numa espécie de caixa negra e ela veria isso logo que ele fosse encontrado.
Passou numa zona que lhe pareceu mais calma, tipo sótão onde pareciam estar armazenadas coisas ou memórias de tempos há muito passados. Como tinha algumas capacidades de auto comando pela inteligência artificial, que estava na génese da sua construção, decidiu ficar um tempo para ver melhor e atracou.
Como era estranho estarem marcados ali coisas há muito passadas. Havia zonas de intensa luminosidade e outras de uma escuridão a meter medo até a um i-Totall.
As zonas de intensa luminosidade seriam por certo memórias ou recordações agradáveis, momentos de felicidade, pontos fugazes de alegria.
Ele decidiu explorar mais um pouco uma zona destas e reparou que um pouco por baixo de cada marcação estava uma referência que não conseguiu decifrar, mas que registou como LXXI. O que seria aquilo? Linguagem estranha… se calhar era uma forma muito antiga de marcar referências…, mas tinha uma forma a lembrar um humano.
Enfim, continuou na zona boa e logo reparou noutra luminosidade e agora não tinha dúvidas, lá estava outra figura parecida com a anterior e também com a marca de III e outra logo a seguir desta vez com um simples IX, parecia estar com sorte ao estar em zonas tão agradáveis.
Pensou ainda ir explorar as zonas escuros, mas decidiu não estragar o passeio pelo que não saberemos o que lá estaria.
Entretanto a Sara voltara para casa e estava quase de cabeça perdida, arrependida por não querer que o i-Totall ficasse dentro do seu próprio corpo e teimosamente optara pelo portátil.
Naquele desespero resolveu telefonar com a irmã. Mas como? se não tinha a sua máquina prodigiosa à mão?
Estava nisto quando bateram à porta.
Grande sorte: Era o Pai, que ainda quis saber o porquê daquela preocupação, mas antes de lhe procurar, facilitou a ligação.
-Calma, disse a Marta, depois de ouvir a irmã. Tudo se resolverá. Amanhã quando estiveres ao serviço, farei uma tentativa de ligação entre os nossos i-Totall ’s e decerto chegaremos ao sítio onde o deixaste.
Entretanto o i-Totall continuava a sua exploração e um pouco levado pelos vários fluidos do corpo, foi parar a uma zona de forte ventilação para o seu tamanho e sem dar por isso estava numa de ventos para cá e para lá, num campo tipo esponjoso e de várias ramificações.
Ainda tentou escapar à turbulência e meter-se por onde pudesse acalmar os seus mecanismos, mas lá ia dando saltos para cá e para lá e curiosamente no mesmo ritmo daquela outra primeira incursão só que desta vez não navegava em líquidos, mas pelo ar.
Tinha um registo de conhecimento básico que lhe permitia conhecer alguns aspetos do corpo humano e sabia que se atingisse uma coisa chamada epiglote, que estaria ali por perto, logo passaria a outro sistema seguramente mais calmo.
E não é que conseguiu! Após algum esforço e tendo de pôr algum dos motores de apoio a trabalhar, teve êxito.
Agora tudo era mais calmo, os registos locais, logo conferiram que só umas três vezes por dia, havia tráfego, às vezes um pouco demorado, mas nada que não fosse suportável.
Estava naquela acalmia, quando foi inundado de sólidos e a seguir de líquidos e deixou-se ir naquele turbilhão…
A Sara mal chegou ao hospital e se pôs na enfermaria principal, telefonou com a irmã para lhe pedir que programasse o seu aparelho para o máximo de som, o que a Marta sabia como fazer, pois por vezes, chamava amigas pelo i-Totall, que estavam em lugares distantes do local onde ele se encontrava. No entanto e do alto dos seus 40 anos, advertiu a Sara que faria isso, por breves instantes, pois imagine-se que o aparelho, estava por exemplo, na sala de operações ou junto de um médico mais sensível ao som?
O velhote nem queria acreditar: De dentro de si, havia alguém a chamar pela enfermeira Sara em tantos decibéis que logo o fizeram esquecer as dores todas.
Era evidente que estava ali o famigerado aparelho da Sara, mas ela não se safou de ouvir uma forte reprimenda do seu chefe, pois todos os doentes ficaram de ânimos muito alterados, não sabendo a história se algum até terá morrido de susto, sobretudo os que estavam naquela enfermaria.
A Sara ficou em lágrimas pois era naquele doente, que ela tanto estimava…
Pediu à irmã que a viesse ajudar, sobretudo para não cometer mais nenhum disparate.
Rapidamente concluíram que agora seria só aguardar que o aparelho pudesse ser guiado até uma saída. Restava esperar.
O protagonista da nossa estória lá ia andando, calmamente naquele trânsito sem se preocupar agora muito com a evolução, pois já percebera que não estava sozinho, dado que o contacto sonoro confirmava alguma ligação, apesar de ter ficado com as colunas de som meio gastas.
Marta conseguiu a ligação, agora que o aparelho da Sara estava perto delas e com alguma paciência iriam conduzi-lo para a boca ou nariz do velhote e onde seria possível salvá-lo, pois ainda era bastante caro.
Mas as diligências da Marta pareciam não ter grande êxito, pela sonda concluíram que ele estava estacionado algures.
O problema é que após aquele episódio, o velhote se finou, muito embora com a consciência de que atingira os 100 anos e com a face revelando grande felicidade.
E agora o i-Totall da Sara?
Começou a preparação do corpo para o funeral e a primeira coisa que lhe fizeram, foi tirar a roupa do hospital e também a fralda habitual de quem está acamado.
A Marta teve um assomo de esperança e começou com o seu aparelho a aumentar o estado de miniatura do da irmã e eis que começa a crescer algo na fralda.
Pensado durante muito tempo e escrito em 11/Outubro/2013.
Pobre da Sara! O seu I-Total, com as suas multi-funções, não estava programado com a aplicação “self-cleaner” e muito menos com a de eliminação de odores que, aliás, só viriam a ser inventadas no ano de 2050…
… ou ainda mais tarde.
Obrigado pelo teu comentário.
Forte abraço do mfaleixo