Viva Dom Roberto
Dizer que a tradição familiar de Vítor Costa, de 44 anos, anda de mãos dadas com as marionetas não é apenas uma metáfora.
Pai de 6 filhos, 3 raparigas e 3 rapazes, e com 5 irmãos, Vítor é o único na família que ainda mantém vivos os robertos, bonecos de madeira do Teatro de Dom Roberto. A sua mulher costura as roupas e os filhos acompanham-no, de vez em quando, nos espectáculos, o que para ele é um prazer.
O início desta história remonta à década de 50, 60, quando o pai de Vítor, João António Santa Bárbara conheceu esta arte através de Manuel do Rosado, seu mestre e ex-sogro. Entretanto juntou-se com a mãe de Vítor e em 1968 continuou por conta própria, trocando os pavilhões de feira pela guarita, espécie de barraca individual. Só parou em 1991, ano da sua morte, por atropelamento.
Vítor, que acompanhava o pai juntamente com os irmãos, admite que a vida nas feiras nem sempre era fácil, passava-se fome, frio e à noite viravam a guarita e era lá que dormiam. No entanto, era onde passava as férias de Verão e por isso guarda também boas recordações, de brincadeira e liberdade.
Em Cascais, onde viviam, corriam as praias da linha e as da Costa da Caparica, desde o Barbas à Fonte da Telha, com espectáculos itinerantes. As crianças sentavam-se em roda para os ver. Santa Bárbara recorria à ajuda dos filhos como chamariz de público nas apresentações, e para receber as moedinhas de recompensa.
Durante a hora de almoço do pai, funcionário da Câmara Municipal de Cascais, brincava com os robertos, e até estragou alguns pelo caminho. Os seus brinquedos de criança foram estes e a imaginação encarregava-se do resto. “Fui apanhando sempre o gosto, de tanto ver o meu pai a fazer os bonecos, eu já conseguia saber as histórias de trás para a frente”, recorda, “um dia, nas Festas de Santiago, em Setúbal, as pessoas estavam à espera de ver o espectáculo, e o meu pai não aparecia, então resolvi, com o meu irmão mais velho, pegar nos bonecos e começar a trabalhar. Isto foi em 1983 e a partir daí nunca mais parei.” Começou então a trabalhar sozinho, embora tenha tido a ajuda de um dos irmãos, que talhava os rostos dos robertos.
As pessoas incentivaram-no a não desistir e a manter viva uma tradição que já poucos dominam. E o brilho dos olhos dos mais velhos que se recordavam dos robertos deu-lhe esse alento.
Com os anos que já leva de feiras, acumula histórias engraçadas. Uma vez, durante um espectáculo nas Festas da Moita engoliu a palheta, utensílio de 2 chapinhas que mete na boca e utiliza para alterar as vozes dos bonecos. Também nas praias, o seu património artístico quase ia sendo arrastado por uma onda enorme, desde aí deixou de trabalhar tão próximo da água.
Na altura do 25 de Abril, a figura do polícia a ser agredida pelos outros bonecos não era vista com bons olhos, deixavam-nos trabalhar na condição de retirar o diabo e o polícia.
Num desfile de cerca de 15 figuras como o toureiro, boi, forcado, vampiro, morte, viúva, padre, fantasma, polícia, caçador, apresentador, ao seu roberto de eleição, o barbeiro, Vítor dá o nome de Joãozinho.
Assume não ser muito adepto do diálogo entre os bonecos, “está provado que o atractivo dos robertos reside mais no som e na pancada. Isso aliado à palheta, é o que chama mais as pessoas”. Nos últimos tempos, Vítor acredita que as pessoas, assim como as próprias Câmaras de Juntas de Freguesia já estão a aderir mais. “Houve uma altura que fui criticado porque os bonecos são violentos”, e até já experimentou que não houvesse tanta pancada entre eles, mas rapidamente percebeu que assim as pessoas não acham graça, “quando apareço com um boneco e dou uma pancada, todas as crianças se desatam a rir”. E com tanto batuque, há que os ir reciclando.
Durante 16 anos, Vítor foi nadador salvador nas praias da linha de Cascais, nas mesmas onde apresentava os espectáculos. Trabalhou ainda como Auxiliar de Acção Médica e hoje tem um emprego fixo que nada tem a ver com artes, porque mesmo trabalhando à moeda ou com cachet, não é possível viver exclusivamente desta paixão, dada a quantidade de espetáculos solicitados. Participa ainda em alguns eventos de solidariedade ou em centros comunitários.
Em 2014, Vítor, a convite da Alma d’Arame, foi representar Portugal no 5º Encontro de Mamulengo em São Paulo. Esta experiência, de apresentações contínuas, foi uma aprendizagem e de lá trouxe a ideia de no futuro introduzir sons e fumos nos seus espectáculos.
Para além das feiras, dá a conhecer o seu trabalho nas ruas, esteve presente nas Burricadas em Cacilhas, em festivais como o Encontro Internacional de Marionetas de Montemor-o-Novo e em algumas escolas. “Nunca é difícil fazer rir porque é uma caixinha de surpresas que aqui está”, responde quando questionado acerca da facilidade ou não de fazer rir as crianças.
Em Portugal, são apenas 13, os que trabalham com robertos, “para 10 milhões não são nada”. Se depender de Vítor, que se imagina a fazer isto até morrer, esta tradição ainda vai animar muitos públicos. Principalmente a dos robertos Santa Bárbara, nome que escolheu em homenagem ao pai. Por realizar ainda está o sonho de abrir uma Escola de Marionetas, no Barreiro, onde reside actualmente.
Dia 20 de Dezembro pode vê-lo no Auditório da Costa da Caparica, para esta ocasião entra ainda em cena, para além dos habituais, um roberto Pai Natal.