Joaquim Cavalinha: A voz do mar
“Vieram de Ílhavo, chamamos-lhe Arte-Xávega, ainda há pouco tempo andava nela”. Já era arrais nos barcos antigos, muito maiores, com 11 homens dentro do barco, “como a do Mestre Chico”, acrescenta. “Quatro remos de cada banda, o arrais, o espadilheiro e o calador”, fora o pessoal de terra, das redes, ao todo uma companha. Uma organização social intensa e tensa que vem da antiguidade, quando nestes areais nada mais havia.
Joaquim Cavalinha, nascido e criado na Costa da Caparica, desde 1925 que vive do mar. Para ele, o mar não é descoberta recente. Salgou-lhe o sangue. Fala com a firmeza de quem sabe navegar o desconhecido, habituado a ser perante a natureza, a agir como os céus, o mar e as alimárias se concertavam. Homem habituado a impor as suas vontades às ondas, ao peixe, ao desespero ou à abundância.
Nasceu do lado Norte, na Rua Costa Pinto, filho de pescadores, eles próprios já nascidos aqui. Foi à escola com 7 anos, na velha escola, no 1º andar de uma taberna, onde hoje fica uma farmácia, na esquina da Rua dos Pescadores. Foi à escola três dias. O pai, ao ver um grande cardume de sardinha pequena, foi buscá-lo à escola dizendo: “aqui não aprendes nada, vens pescar que sempre ganhas alguma coisa”. E nunca conheceu outra vida.
O mais novo de quatro filhos, trabalhou em várias companhas da terra, vai-as enumerando de cor: “a do Mestre Chico, do Sabastião, do Tio Virgílio…” revela as dificuldades entre os homens e a dureza da vida, as discussões e… as mudanças de companha.
“No meu tempo havia seis companhas, agora há sete, fora as da Fonte da Telha, havia ainda três ou quatro no Meco, acho que ainda há”.
Casado há mais de 60 anos com a sua Adelaide, neta da famosa Adelaide, única parteira da terra. Pais de duas filhas, a mais velha foi também pescadora, “era o meu braço direito”, acrescenta,“abandonou a pesca devido a um acidente”, agora explora uma banca de peixe no mercado, mas isto dá cada vez menos”.
Fala-nos dos tempos em que nada do presente edificado existia. “Eram só barracas”. Conta como a sua família passou para a zona onde agora se ergue o monumento aos pescadores, como as barracas foram passando a casas e de casas a prédios.
“Eram tempos muito violentos”, confessa, “tudo à força de remos, ir pescar à Fonte da Telha, às vezes até no Meco, e depois ir a Lisboa vender o peixe, tudo a remos…” Opõe-se Adelaide, que antigamente “era mais simples… mais bonito”. Pois, atalha o marido com cara de quem pergunta quem tinha que remar contra o mar e contra a foz. “Tempos muitos duros” remata. E Adelaide sorri para dentro. Bonitos.
Bonito depoimento. Assim se transporta para o presente a história desta Costa da Caparica que todos amamos, nos tempos do Joaquim Cavalinha. Certamente bem mais difíceis que os actuais mas ainda assim ser lembrados como “mais simples… mais bonito”.
Queremos mais.
Fernando