25 de Abril de 1974 uma Data a Recordar
Lembram-se onde estavam? como viviam? quais os vossos sonhos nesse ano já longínquo, que tantas vidas marcou e que mudou um pais inteiro?
Para mim com apenas 15 anos, foi também ele um ano que havia de alterar para sempre o rumo que muitos tinham traçado para mim, não porque percebesse alguma coisa de politica, ditaduras, democracia, presos políticos, PIDE, bufos, censura ou guerra colonial, aliás vivia num mundo onde tinha começado a trabalhar aos 13 anos, numa fabrica de rolhas, com as restrições que me eram impostas em relação ao meu modo de querer viver, convencida que o mundo inteiro vivia como se vivia em Portugal e que as regras de conduta que queriam que seguisse eram fruto de gente antiquada e era só isso…
O que marcou esse ano, foi o fato de me ter apaixonado loucamente, como só os jovens são capazes, por um rapaz de 17 anos, moreno, longa cabeleira anelada negra da mesma cor dos seus olhos.
Foram os seus olhos profundos e carregados de mistério, que me atraíram a primeira vez que os olhei, num baile de uma associação, onde fui acompanhada por uma amiga e família, como era uso e costume acontecer por essa altura, que despertaram em mim esta paixão primeira.
A educação severa, repressiva e cheia de tabus, fez com que só a simples ideia de uma miúda de 15 anos namorar um rapaz de 17, desconhecido, de cabelos anormalmente longos e calças à boca de sino proibia este amor.
Ainda o telemóvel e a internet eram uma visão de Da Vinci em Portugal, a solução para a comunicação era feita através de bilhetinhos escritos à pressa e passados de mão em mão através de amigos.
Sonhadora que sempre fora, com o coração num reboliço de sentimentos, cheia de vontade de os viver com a intensidade que sentia vibrar em mim, amordaçada às convenções que exigiam obediência cega aos educadores, só uma solução nos afigurou acertada: a fuga, para longe, muito longe onde nada nem ninguém pudesse impedir esta vontade de nos unirmos em liberdade.
E a 9 de Abril de 1974, duas almas ingénuas, decidiram cortar amarras e rumar ao Algarve, levando como bagagem umas quantas peças de roupa, uma pequena tenda e levando no bolso, ela 20 escudos, ele 50, numa aventura, que para nós tinha toda a lógica e o futuro seria o que tivesse de ser.
Numa quinta perdida a caminho de Quarteira, foi-nos cedido um pouco de terreno, onde montámos o nosso ninho de amor. O pouco dinheiro que connosco levámos depressa se acabou, mas nada disso importava quando à nossa volta havia pássaros a cantar de dia e grilos á noite, laranjais e favais dos quais nos passamos a alimentar, junto com água fresca do poço existente. Quando as laranjas e as favas cruas começaram a enjoar, íamos até à estrada nacional e com várias desculpas, conseguíamos um pouco de pão e queijo, acompanhados de sol, areia, abraços e beijos cheios de intenção, faziam-nos esquecer o mundo.
Só muitos dias depois e através da dona da quinta, soubemos que tinha havido uma revolução no dia 25 de Abril em Portugal, que só nos preocupou por constar ter havido muitos mortos e nós termos sentido receio pela nossa família.
Com medo de represálias, por lá fomos ficando vivendo de amor e muitos sobressaltos até Setembro, altura em que decidimos voltar a Lisboa para junto dos familiares, assumindo uma relação que julgámos ser para sempre.
Não foi. Não teve um final de contos de fadas, apesar de ter havido casamento que deu fruto e esse fruto é hoje uma filha desse ano de revolução, minha e do país.