Coroa do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
Heráldica do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e a pedra de armas deste Reino que existiu na Costa de Caparica
A transferência da família real e da corte portuguesa para o Brasil em 1807, devido às invasões francesas, proporcionou diversas alterações, entre elas a da alteração das próprias armas do reino.
Em 13 de Maio de 1816, foram criados os símbolos do novo reino, expedindo D. João VI carta de lei, que criou a heráldica do Brasil e regulamentou a do Reino Unido, missão realizada por oficiais com conhecimentos na área da heráldica.
Nessa carta de lei de 13 de Maio de 1816 refere-se explicitamente um antecedente histórico, à ideia de “incorporar em hum só Escudo Real as Armas de todos os tres Reinos”, da mesma “fórma que o Senhor Rei Dom Affonso Terceiro, de Gloriosa Memoria, Unindo outróra o Reino dos Algarves ao de Portugal, Unio tambem as suas Armas respectivas”. O momento de criação das armas do Reino Unido, procura um antecedente histórico na [suposta] incorporação da heráldica do reino do Algarve nas armas reais pelo “Bolonhês”.
A ideia dos criadores das armas do Reino Unido retoma a noção do somatório das armas dos reinos que o compõem, mas o caso anterior – as supostas armas do Algarve – não serviam de modelo, pois seria estranho incorporar mais uma bordadura, e ainda que por ela se optasse como se poderia adequar a esfera armilar à mesma? A solução mais normal, conforme à prática corrente, apontava para uma simples partição do escudo, fórmula adoptada pela maioria das monarquias europeias desse período (Império, Espanha, Duas-Sicílias, Polónia, Dinamarca etc.), e mesmo no outro Reino Unido (o da Grã-Bretanha e Irlanda). Mas, de modo original, não se optou por estas soluções, antes se escolhendo fazer figurar as armas do Brasil num escudo de formato redondo[1], totalmente preenchido pela esfera, colocando-se sobre este o escudo as armas do Reino de Portugal e dos Algarves; e, sobre o conjunto, a coroa real fechada.
Esta solução, contrariamente ao critério que presidiu à escolha da esfera armilar em representação do Brasil, não encontra tradição. Trata-se, como referido, de um processo original de combinar as armas dos reinos.
Quaisquer que tenham sido as razões que presidiram às armas dos reinos no ordenamento heráldico do Reino Unido, há que notar que embora raramente as armas de cada reino (Portugal / Algarve / Brasil) foram usadas de forma distinta, como elemento identificativo desse reino.
Quais foram as aplicações das armas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves? Da carta de lei, entende-se que essas armas se destinavam a substituir as armas reais de Portugal em todas as aplicações que estas tinham. O artigo III, aponta o seu uso obrigatório em estandartes, bandeiras, selos reais e moedas, e “em tudo o mais, em que até agora se tenha feito uso das Armas precedentes”.
É, pois, fora do âmbito das aplicações especificamente designadas na carta de lei de 13 de Maio de 1816, que as armas do Reino Unido foram usadas com certa profusão numa grande variedade de suportes patrimoniais. Presentes em pinturas, desenhos e gravuras, sobretudo quando se trata de retratos régios ou principescos, mas, sobretudo nas grandes realizações arquitectónicas e urbanísticas do reinado, como as obras públicas; nesse campo, em Lisboa, os dois chafarizes monumentais do Desterro e o da Junqueira são por elas encimados e a única casa de alvenaria da Costa de Caparica (cuja exacta função importa pesquisar) ostentava-a na sua fachada e, com grande probabilidade, executada na mesma escola de canteiros.
A duração do seu uso corresponde, naturalmente, à existência da entidade política correspondente, embora com duas balizas cronológicas distintas. No Brasil deixaram de ser usadas na sequência imediata da proclamação da independência, em 1822; em Portugal a sua utilização estender-se-á até ao falecimento de D. João VI, em 10 de Março de 1826[2].
Todavia, para além da extinção do seu uso, a heráldica do Reino Unido veio influenciar futuras escolhas emblemáticas: antes de mais, a criação das armas do independente reino (depois império) do Brasil, entre nós a mesma conjugação das armas reais com a esfera armilar sotoposta foi escolhida como emblema da Sociedade de Geografia de Lisboa, instituição de considerável importância e papel na afirmação da presença ultramarina portuguesa.
Não admira que as armas do Reino Unido tenham vindo quase a ser decalcadas na escolha dos símbolos da República Portuguesa (que nalguns casos, amputada a coroa, manteve as antigas pedras de armas como se suas fossem, como ocorre, por exemplo, em Cascais). Assim, não sem alguma ironia o modelo inaugurado pelo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 1816 veio a ser seguido pela República Portuguesa, tornando-se no principal elemento identificativo do Estado Português até aos nossos dias, não restando dúvidas de que a esfera armilar escolhida pelos republicanos, e usada de modo semelhante à que ocupava nas armas do joanino Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, constituía uma clara referência à dimensão ultramarina portuguesa.
[1] A escolha de um escudo redondo não parece difícil de explicar, pois esta forma era muito adequada à representação de uma esfera e à presença em moedas. Aliás, no reinado de D. João V as armas reais já haviam assumido um formato redondo em algumas das suas moedas.
[2] Até ao tratado do Rio de Janeiro (Novembro de 1825), D. João VI não havia reconhecido a independência do Brasil mas mesmo após a ratificação do tratado, o rei continuou a fazer uso das mesmas armas; não esqueçamos, que D. João havia reservado para si o título de Imperador, reconhecendo ao seu primogénito D. Pedro o de Imperador do Brasil e Príncipe Real de Portugal e Algarves.